A Cidade de 15 Minutos é um beco sem saída
Imagem: Anthony Gavin/Flickr.

A Cidade de 15 Minutos é um beco sem saída

A ideia da Cidade de 15 minutos — em que as pessoas podem trabalhar, fazer compras, se divertir e ir à escola em um pequeno raio de casa — seduziu alguns planejadores urbanos. Mas, passado o encantamento inicial, temos que reconhecer que ela impede as cidades de cumprir seu verdadeiro papel: gerar oportunidades.

2 de setembro de 2021

As intenções da Cidade de 15 Minutos são louváveis. Há muito tempo acredito que caminhar é o melhor de todos os modos de transporte. Também creio que as cidades devem ser livres das regulamentações comerciais que dificultam o surgimento de pequenas lojas e cafés aconchegantes em bairros residenciais. Um bairro de uso misto vivo e dinâmico pode ser um dos melhores presentes do empreendedorismo urbano.

Nos Estados Unidos, regulamos o empreendedorismo dos pobres muito mais do que o dos ricos. Os ricos inovam no ciberespaço, uma zona, em grande parte, livre de regulamentação. Do outro lado, os pobres inovam na prática, em coisas reais, sob as regras do governo local, que microgerenciam o físico.

O conceito básico de uma Cidade de 15 Minutos não é uma cidade de fato. É um enclave — um gueto — uma subdivisão. Todas as cidades devem ser arquipélagos de bairros, mas eles devem estar conectados.

Os centros urbanos deveriam ser máquinas de conectar pessoas — ricos e pobres, negros e brancos, jovens e velhos. Caso contrário, elas falham em sua missão mais básica e deixam de ser lugares de oportunidades.

Embora as cidades americanas modernas sejam motores de oportunidade para adultos, são becos sem saída para as crianças. Os adultos que vêm para os centros urbanos — ricos e pobres — veem seus salários aumentarem à medida que passam mais tempo lá.

Mas, como mostrou o estudo de Raj Chetty sobre mobilidade ascendente, as crianças que crescem nas cidades acabam se saindo muito pior como adultos do que as crianças que cresceram fora delas.

Uma explicação para essa diferença é que um adulto não mora em uma Cidade de 15 Minutos. Um adulto de baixa renda acorda em seu apartamento, mas depois vai trabalhar em outro lugar. Ele encontra oportunidades com pessoas mais ricas e com melhor educação.

A criança, porém, mora em uma Cidade de 15 Minutos. Talvez ela acorde em um projeto habitacional de baixa renda e depois vá para uma escola altamente segregada. Essa criança vive em uma Cidade de 15 Minutos que não é mais integrada do que uma aldeia rural pobre. Nesse mundo, os ricos se isolaram dos pobres.

A visão de que podemos duplicar o movimento real com o virtual é uma fantasia para pessoas com menos escolaridade. Em maio de 2020, 70% dos americanos estavam fazendo seu trabalho em home office, mas, entre aqueles que não possuíam diploma de segundo grau, o número era de apenas 5%. Se permitirmos que este ambiente virtual persista, nosso mundo se tornará ainda mais catastroficamente desigual.


A visão de que estamos melhorando a acessibilidade para todos, permitindo que as pessoas trabalhem virtualmente, está completamente errada.


Devemos abraçar os bons aspectos da Cidade de 15 Minutos — a ideia de acessibilidade, dirigir menos e taxar o congestionamento —, mas enterrar a ideia de uma cidade dividida em pedaços de 15 minutos.

Pós-COVID, precisamos abraçar a ideia de uma cidade inteira, conectada com as metrópoles e o mundo todo. Devemos aprender que todos nós estamos juntos e é necessário garantir que as pessoas que começam com menos recursos se conectem com toda a cidade.

O transporte está começando a mudar

O surgimento de veículos autônomos e tecnologias como o hyperloop pode fazer uma grande diferença na maneira como viajamos pelas cidades. Tenho 54 anos e o transporte que uso não é muito diferente do de 50 anos atrás.

Após um período de mudança muito lento, agora faz sentido manter as opções abertas para que nossas cidades possam experimentar novas tecnologias conforme elas surgem. Mas é importante que não se abrace o novo sem crítica. A abordagem certa é testar, avaliar e usar a sabedoria que vem com a experiência.

Quem paga por isso?

O princípio de que o usuário deve pagar, de forma geral, está correto, especialmente quando envolve pessoas de rendas média e rica. Subsidiar as pessoas para que voem para dentro e para fora do aeroporto internacional com dólares de impostos é uma ideia absolutamente terrível.

Mas como às vezes o custo marginal para fornecer o serviço para viajante adicionais é muito menor do que o custo médio (como no caso de algumas viagens de trem), faz sentido descobrir maneiras criativas para que os usuários possam financiá-lo sem comprometer o uso eficiente do sistema.

Meu exemplo favorito é o modelo MTR de Hong Kong, onde construíram projetos imobiliários em grande escala no topo das estações de trem. Efetivamente, os imóveis subsidiam a ferrovia, o que é uma bela maneira de baratear o preço da passagem, ao mesmo tempo em que os usuários pagam pelas coisas.

No entanto, em alguns casos, não é realista esperar que os usuários paguem. Frequentemente, desejaremos subsidiar serviços para levar as pessoas mais pobres a seus empregos ou para cuidar de seus pais.

Um desafio relacionado no mundo em desenvolvimento é que muitas vezes você tem duas tecnologias coexistindo — uma para os ricos e outra para os pobres.

Por exemplo, em Joanesburgo, na África do Sul, você tem o Gautrain, um serviço ferroviário rápido e moderno que coexiste com micro-ônibus lotados e muitas vezes inseguros. Estranhamente, os subsídios costumam ser para o transporte usado pelos ricos. Enquanto o transporte para os pobres se paga.

Estação Rhodesfield
Estação Rhodesfield, do Gautrain, em Joanesburgo. (Imagem: Paul Jacobson/Flickr)

No futuro, você deve tentar disponibilizar a tecnologia avançada para todos ou dar um upgrade na pobre tecnologia atual? Dado que os micro-ônibus são autofinanciados e melhor direcionados para servir os menos afortunados, você deve se concentrar em melhorá-los.

Faz mais sentido garantir que os micro-ônibus se tornem mais seguros, tenham uma programação clara e funcionem perfeitamente com outros modos.

A necessidade de preços de congestionamento

Não há substituto para fazer algo que taxe o carbono. Você não pode simplesmente subsidiar usos alternativos de transporte e esperar que funcione.

Você precisa fazer algo que realmente limite o incentivo das pessoas para voar ou dirigir, o que requer uma ferramenta como a tarifa de congestionamento. Usar a receita tributária geral para pagar rodovias ou ter estacionamento gratuito é injustificável e basicamente subsidia as mudanças climáticas.

A genialidade da taxa de congestionamento de Ken Livingstone, em Londres, foi a de destinar a receita, vinda dos motoristas mais ricos, para as pessoas mais pobres que pegavam ônibus.

Feito da maneira certa, a tarifa de congestionamento significa que os ricos pagam para tornar o trajeto mais rápido e confortável para os pobres. Em alguns lugares, a pandemia piorou muito o trânsito das estradas porque as pessoas têm medo de usar o transporte público. O que apenas aumenta a urgência de adotar as taxas de congestionamento sempre que possível.

Em certo sentido, a COVID foi um ataque à nossa vida urbana. Nos lembrando que, embora as cidades nos permitam compartilhar, conectar e aprender uns com os outros, a densidade também traz consideráveis ​​desvantagens, e as mais terríveis delas são as doenças contagiosas.


Em certo sentido, a COVID foi um ataque à nossa vida urbana.


Tivemos um século abençoado, livre de pestes desde a pandemia de influenza de 1918/19, e o COVID-19 não tem sido tão ruim quanto poderia ter sido. Mas que nos asseguremos de que nossos governos entendam esse aviso.

Devemos fazer grandes investimentos em saúde pública — uma OTAN para a saúde pública, em vez da OMS —, sendo esse apenas o primeiro e mais importante passo para recuperar as ruas.

Não existe uma receita infalível para consertar nossas estradas lotadas de carros, mas uma adoção saudável de taxas de congestionamento é claramente um bom lugar para começar.

A visão de que estamos melhorando a acessibilidade para todos, permitindo que as pessoas trabalhem virtualmente, está completamente errada. Se é possível que os cidadãos tenham acesso a empregos apenas pela internet, estamos excluindo a fatia da população que não consegue fazer isso.

Não consigo imaginar um mundo mais desigual do que aquele que eliminou as conexões reais urbanas e tentou substituí-las por links virtuais.

Nossas discussões e gastos com transporte urbano superestimaram a mobilidade dos ricos. Mas temos ignorado em grande parte a mobilidade dos pobres.

Estou muito preocupado que o foco em permitir que as pessoas de renda média e alta andem por seus bairros pequenos e agradáveis ​​de 15 minutos exclua a questão muito mais ampla de como garantir que nossas cidades voltem a se tornar locais de oportunidade para todos.

Desigualdades enormes nas cidades só são toleráveis ​​se elas cumprirem sua missão histórica de transformar pessoas pobres em ricas. Estou interessado apenas em conceitos de planejamento urbano que resolvam esse problema, e a Cidade de 15 Minutos provavelmente o tornará ainda pior.

Artigo publicado originalmente em LSE em 28 de maio de 2021. Traduzido por Gabriel Lohmann.

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  • 1 ) O termo “cidade de 15 minutos” é um erro. O correto é “rotina de 15 minutos”, onde o cidadão tem a possibilidade de ter suas necessidades atendidas em distâncias pequenas sem a obrigação de usar transporte para uma necessidade básica de sua vida. Caso o cidadão queira algo além ele tem liberdade de ir. 2 ) as crianças as não vivenciam a cidade porque elas não possuem autonomia, elas vivenciam o que seus pais a fazem vivenciar, muito mais tempo em locais fechados e cercados, não vejo como crianças poderiam ter opinião sobre Urbanismo sendo assim. 3 ) Toda cidade do interior é uma cidade com rotina de 15 minutos e as pessoas são muito bem atendidas, com menos renda mas com menos desigualdade e menor número de assentamentos irregulares também.