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Você sabia que Belo Horizonte é uma capital planejada?
Belo Horizonte foi uma capital planejada inaugurada em 1897. Seu projeto se destacou por suas ruas alinhadas e obras de infraestrutura. Porém, ao longo de seu desenvolvimento, a cidade enfrentou desafios devido à segregação social e à inadequação do plano urbanístico à topografia.
Quando se fala de uma capital brasileira planejada, nos lembramos imediatamente de Brasília, com sua Esplanada dos Ministérios, seus palácios e monumentos cívicos. Muitos brasileiros não sabem que, décadas antes da construção de Brasília, já havia capitais planejadas em nosso país. É o caso de Teresina (1852), Aracaju (1855) e Belo Horizonte (1897).
Em Belo Horizonte, a região da Avenida do Contorno e seus arredores foram estrategicamente planejados, ao passo que outras partes da cidade cresceram com base na vivência de seus moradores. A distinção entre essas áreas se torna clara ao observarmos a transição entre elas e sua infraestrutura. À medida que nos afastamos do miolo central, os planos e leis urbanas se tornam menos definidos, aumentando a tendência para um crescimento espontâneo, principalmente por parte da população mais pobre, o que contribui para a urbanização desigual.
Essa disparidade também se reflete nos números: enquanto a população dentro da Contorno é de aproximadamente 100 mil habitantes, BH abriga quase 3 milhões de pessoas, e a região metropolitana, mais de 6 milhões. Nesse artigo, vou contar um pouco da evolução da capital mineira, que certamente é um dos exemplos mais relevantes de planejamento urbano do Brasil.
A construção da capital de Minas Gerais é contemporânea à Proclamação da República, em 1889, período caracterizado por transformações políticas, sociais e econômicas significativas no país. A cidade foi concebida para abraçar o ideário urbano da época, influenciado pela corrente de pensamento Positivista. As ruas alinhadas e as grandes obras de engenharia sanitária refletiam as premissas republicanas de higiene, ordem e progresso.
Contudo, há perspectivas que contestam essa ideia de uma cidade marcada pela ordem. A construção de Belo Horizonte, realizada entre 1894 e 1897, foi marcada por intensas demolições no antigo Arraial, o povoado rural que ocupava aquelas terras. Este processo, conduzido em nome do progresso, representa, na verdade, uma grande contradição. A iniciativa, centrada nas elites, gerou polêmica desde a seleção do local até as etapas de construção e posteriormente de integração da nova população à cidade.
No final do século XIX, Ouro Preto se via diante da iminente perda de seu status como capital de Minas Gerais. Sua topografia montanhosa dificultava o acesso à cidade e o transporte de mercadorias, limitando o progresso econômico que se esperava de uma capital.
Foi nesse contexto que a região conhecida, até então, como Arraial do Curral Del Rei começou a ser planejada como a nova capital, agora nomeada Belo Horizonte. Em dezembro de 1893, foi decretada a Lei nºIII, pelo Governo do Estado, que oficializou a mudança e estabeleceu a Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC), o órgão encarregado da administração do desenvolvimento da cidade, com um prazo de até quatro anos para conclusão das obras.
O engenheiro Aarão Reis foi contratado para liderar o projeto da recém-designada capital. Enquanto chefe da comissão, Aarão Reis concebeu a cidade com ruas amplas, estrategicamente arborizadas, dispostas em ângulos retos, e com quarteirões divididos em dimensões iguais. As belas avenidas foram projetadas para acomodar inicialmente 30 mil habitantes, que poderiam chegar até 200 mil no futuro. Seu plano urbano consistia em traçar uma avenida, a atual Avenida do Contorno, que delimitaria a futura área da cidade, contendo em seu interior a zona urbana do município.
As obras tiveram início em março de 1894. Durante o primeiro ano à frente da Comissão, Aarão Reis dedicou-se a formar uma equipe dividida para atender a cada requisito do projeto. Diferentes setores foram estabelecidos, abrangendo estudos de solo, contabilidade, edificações e eletricidade, entre outros. O trabalho de planejamento de Belo Horizonte envolvia não apenas o caráter urbanístico do espaço, mas também as condutas públicas e privadas da sociedade como um todo.
De acordo com os princípios de ordem, higiene e modernidade, os equipamentos coletivos seriam estrategicamente distribuídos, incluindo escolas, hospitais, estação ferroviária e estação de tratamento de água. Essa organização delineou as áreas destinadas às residências, comércios, lazer e locais de trabalho, contribuindo para uma estrutura urbana integrada e funcional.
O desenho da malha viária desempenha um papel crucial na configuração inicial da cidade. Além de definir a disposição das infraestruturas públicas, ele orienta a implantação de empreendimentos privados e a preservação de espaços públicos. A presença de uma malha viária estruturada facilita significativamente o progresso urbano e a prestação de serviços essenciais, como fornecimento de água, saneamento básico e distribuição de energia. Com uma malha viária bem definida, o espaço público está apto a coordenar o tráfego de veículos, pedestres e atividades comerciais.
A planta inicial dividia a cidade em 27 seções, ou melhor dizendo, diferentes bairros com suas especificidades. Essa planta permitiu a definição das áreas urbanas e suburbanas e rurais, estabelecendo limites claros para cada zona. A zona urbana, centrada na Avenida Afonso Pena, estava contida dentro da Avenida do Contorno. Logo após, a zona suburbana se destacava com uma configuração mais irregular, com ruas um pouco mais estreitas em comparação à zona urbana. Por fim, a zona rural abrigava áreas de cultivo. Em teoria, essa divisão orgânica proporcionaria uma estrutura clara para o desenvolvimento e crescimento da cidade.
Belo Horizonte foi influenciada por outros projetos de sua época, em especial o de La Plata, capital da Província de Buenos Aires. O projeto urbanístico da cidade argentina, com um quadriculado de 36 quadras e diagonais sobrepostas, foi concebido para abrigar cerca de 200 mil habitantes, priorizando aspectos como saneamento básico, higiene, abastecimento de água, áreas verdes e lazer. Durante o processo, a atenção aos detalhes demonstra a sensibilidade ao contexto político e social da época. O plano estratégico de Benoit, distribuindo secretarias e instituições governamentais ao longo de eixos principais, com influência parisiense, destaca uma abordagem cuidadosa que ressoa em Belo Horizonte.
No entanto, a concepção urbanística de Belo Horizonte negligenciou a topografia de Minas Gerais, optando por proporções inspiradas em cidades completamente diferentes. O traçado xadrez, com quarteirões uniformes e ruas em ângulos precisos de 90º, junto às avenidas diagonais em ângulos de 45º, proporciona uma visão perspectivada peculiar à cidade. O resultado foi a criação de ruas menos orgânicas e extremamente íngremes, em total descompasso com a topografia local. Essa tentativa de aplicar um modelo inadequado à cidade nos revela a incompatibilidade com a geografia, tornando-se uma escolha que, mesmo sob as melhores circunstâncias, não poderia prosperar devido à natureza do terreno.
É curioso observar que os nomes atribuídos às avenidas e bairros foram dados de acordo com sua função designada, refletindo a busca pela modernidade e progresso. O Bairro dos Funcionários, ainda muito conhecido em BH, foi inicialmente criado para os funcionários públicos, tornando-se assim um bairro mais elitizado da cidade. A Avenida do Comércio, atual Avenida Santos Dumont, no cruzamento com a Praça da Estação, era dedicada exclusivamente ao comércio, como o próprio nome sugere. Cada local era reservado para sua função específica, e qualquer intervenção que fugisse dessa lógica inicial de organização funcional poderia ser vista como um potencial caos urbano.
É evidente que a forma como a cidade foi planejada gerou uma significativa segregação social. O planejamento da estrutura urbana contribuiu para uma divisão clara entre ricos e pobres na cidade. As vias projetadas estrategicamente isolaram os menos favorecidos, na zona rural, da zona urbana, que concentrava os principais atrativos e serviços de infraestrutura. Interessante notar que a periferia da cidade crescia de forma informal mesmo quando ainda havia muitos terrenos livres dentro da Avenida do Contorno.
Essa segregação persiste até os dias de hoje, em que as áreas próximas ao centro continuam sendo associadas a melhores serviços de infraestrutura e principais atrativos urbanos, enquanto a periferia muitas vezes abriga uma população de baixa renda. Portanto, podemos afirmar que a disparidade socioeconômica delineada pelo plano de Aarão Reis ainda se manifesta na disposição de Belo Horizonte, evoluindo de maneira a manter uma distinção entre as camadas mais privilegiadas e menos favorecidas, influenciando a dinâmica urbana ao longo do tempo.
Após o encerramento da Comissão Construtora, ocorreu um notável crescimento espontâneo da cidade de Belo Horizonte, desprovido de um órgão regulador para guiar esse desenvolvimento. A arquitetura das residências começou a se diversificar, rompendo com os padrões anteriormente determinados pela CCN e refletindo, de certa forma, a evolução do tecido social. Foi dessa maneira, em contraste com o plano inicial, que a cidade de Belo Horizonte foi, enfim, erguida.
Nos seus primeiros 20 anos, Belo Horizonte experimentou um desenvolvimento gradual, com desafios emergindo à medida que a população crescia. Na década de 1930, o processo de verticalização teve início, marcando a expansão das áreas anteriormente vazias e impulsionando o crescimento construtivo no Centro. Nesse período, o estilo arquitetônico passou por transformações, abandonando a ênfase em ornamentações em favor do concreto armado, resultando em edifícios mais simples e simétricos. Cerca de uma década depois, os arranha-céus começaram a dominar o horizonte, tornando a capital sinônimo de modernidade.
Sob a liderança de Juscelino Kubitschek, a região da Pampulha foi transformada em uma área de lazer de alto padrão à beira da lagoa, com Oscar Niemeyer projetando notáveis edificações, como a Casa do Baile e a Igreja de São Francisco. O verdadeiro boom demográfico ocorreu em 1950, quando a cidade, inicialmente planejada para 200 mil habitantes, viu sua população atingir 1 milhão.
Afinal, podemos então concluir que a capital concebida por um engenheiro, embasada em um estudo meticuloso, fracassou? A resposta é complexa. No entanto, é crucial lembrar que, acima de tudo, uma cidade é moldada por seus habitantes, destacando o papel fundamental que os moradores desempenham nas transformações de seus ambientes urbanos. A história de Belo Horizonte vai muito além do seu projeto inicial, revelando-se como uma narrativa contínua de evolução tanto pelos planejadores quanto pela comunidade e explicitando a complexa interação entre visão urbanística e realidade social.
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