Banheiros públicos: a infraestrutura oculta da confiança pública
Quer saber se uma cidade está prosperando? Comece com uma ida ao banheiro.
No Brasil está claro que além das pessoas com perfil etário e de saúde de risco, há as pessoas em alto risco territorial: favelas, loteamentos irregulares, bairros periféricos, assentamentos precários, ocupações.
23 de março de 2020O urbanismo, desde a sua origem, com os socialistas utópicos e os engenheiros higienistas, na virada do século 19 para o 20, apregoava a melhor distribuição das infraestruturas urbanas para produzir bem estar equânime.
Havia clareza da necessidade e urgência de ofertar boas condições de vida para todos, para todas as classes. Esta visão surgiu em função de epidemias de cólera, tifo, influenza, em Londres, Paris, Nova York e no mundo.
Por isso até adotaram posturas autoritárias ao lidar com as populações mais vulneráveis. E isto sempre gerou convulsão social: como a Comuna de Paris em 1871, ou a Revolta da Vacina no Rio em 1904, por exemplo.
A partir da Segunda Guerra Mundial, o urbanismo se esfacelou em funções separadas e articuladas no território. A Carta de Atenas de 1933 deu a base teórico-prática pra esse novo pensamento.
Pilotis separaria os prédios das ruas. O zoneamento passou a dizer “aqui só se mora”, “aqui só se trabalha”, e “aqui só se circula”, abandonando os preceitos “tradicionais”e de usos mais mistos do espaço.
A cidade como distribuição de atividades cresceu exponencialmente e somente a partir de meados da década de 70, por causa da crise do petróleo, que este modelo começou a ser questionado no mundo. No Brasil era ditadura e não houve questionamento, pelo contrário, o urbanismo modernista servia bem ao regime militar.
Entretanto a infraestrutura ambiental foi relegada a um segundo plano neste modelo. As engenharias sanitárias eram um limite claro para a expansão desta nova estética desenvolvimentista que continha um lampejo de cidade igualitária, mas paradoxalmente geradora de exclusão e desigualdades.
Como o resultado estético era de alta qualidade, Corbusier, Costa, Niemeyer, viraram ícones profissionais, mas raramente suas propostas urbanas deram certo. Brasília é altamente excludente, a Barra da Tijuca não planejou transporte público, habitação social ou manejo ambiental. O Sambódromo é uma catástrofe urbana e social. Somente para ficar em poucos exemplos.
Hoje, historiadores urbanos apontam a Eugenia contida no urbanismo modernista, ao tentar apagar a diversidade racial, por exemplo.
Costa e especialmente Niemeyer, como gênios que foram, estabeleceram um parâmetro comum entre os arquitetos brasileiros que era o elogio fácil, sendo raramente criticados. Destacar seus erros urbanos ainda é considerado heresia.
Vivemos hoje uma pandemia que irá marcar nossa geração e o século 21. No Brasil está claro e notório que além das pessoas com perfil etário e de saúde de risco, há as pessoas em alto risco territorial: favelas, loteamentos irregulares, bairros periféricos, assentamentos precários, ocupações.
E especialmente está óbvio para todos agora como a precariedade da moradia e o elevado adensamento em habitações são as consequências da exclusão urbana acusada pelo fato do Brasil ser a última grande nação do ocidente a não ter política habitacional.
O momento agora é de salvar vidas e solidariedade. Depois falaremos de soluções. Acho fundamental conhecer a história para não repetir erros do passado. O programa Minha Casa Minha Vida, por exemplo, gastou mais de R$ 430 bilhões, e piorou a qualidade urbana das cidades brasileiras.
Este recurso poderia ter urbanizado quase todas as favelas do Brasil.
Os invisíveis estão mais visíveis graças ao maldito Covid-19. Que pode ser bendito se assumirmos que não seremos nunca uma nação de fato com tamanha desigualdade territorial.
O oposto da pobreza não é riqueza, é justiça.
Leia a carta aberta “Urbanistas contra o COVID-19”.
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Belíssima abordagem, rica e cheia de pontos discutíveis. Parabéns ao autor.