O que o Parque Ibirapuera em São Paulo tem a ver com o Nobel de Economia?
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Densidade vegetal, adensamento populacional e preço do m²: algumas reflexões a partir de uma análise dos dados dos distritos paulistanos.
15 de junho de 2023Diante da crise climática, ruas arborizadas, que já eram algo desejável, tornaram-se um atributo imprescindível para a qualidade de vida em São Paulo. O adensamento populacional no centro expandido, rico em infraestrutura, por sua vez, parece ser o caminho mais eficiente para o crescimento da capital. Será, contudo, que os dois objetivos são conflitantes, que adensamento populacional está correlacionado a mais concreto e menos árvores?
Em coluna recente na Jovem Pan, a arquiteta e urbanista Helena Degreas, por exemplo, chamou atenção para a desarborização urbana em curso na cidade, reflexo, no seu entender, do “adensamento desenfreado resultante das diretrizes provenientes do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, associado às regulamentações relacionadas à retirada de árvores nos eixos de desenvolvimento da transformação urbana”. Em quatro anos, só a região da Subprefeitura de Pinheiros teria perdido mais de três mil árvores.
É a defesa dos “pulmões verdes” da cidade, por sinal, um dos argumentos que sustentam a resistência histórica de moradores de bairros como Jardim América, Jardim Europa, Alto de Pinheiros e Pacaembu a qualquer mudança nas leis de uso e ocupação do solo que favoreça o adensamento populacional dessas áreas.
Por outro lado, segundo pesquisa realizada pela Coalition for Urban Transitions, iniciativa da New Climate Economy, e pelo Urban Land Institute, evidências apontam que aumentos da densidade urbana estão ligados à queda de emissões de carbono e consumo de energia locais e per capita.
A diminuição das emissões seria explicada por fatores como menor uso de veículos motorizados particulares, melhor eficiência energética em edificações, menos infraestrutura construída e menos alterações no uso do solo nas periferias urbanas. Cidades densas são mais verdes, portanto.
Foram esses fatores que sustentaram a argumentação do arquiteto e urbanista Anthony Ling em defesa de mudanças propostas em 2015 na Lei de Zoneamento no artigo “A luta da elite paulistana pela exclusão da cidade”, publicado aqui no Caos Planejado.
Aproveitando a Semana Mundial do Meio Ambiente (5 a 9 de junho) e com o objetivo de trazer alguma contribuição para esse polêmico debate, cruzei informações de quantidade de árvores na rua por km² (eixo vertical) e habitantes por km² (eixo horizontal) dos 96 distritos paulistanos e divulguei a análise em um post no LinkedIn.
Fosse verdade que adensamento populacional e densidade vegetal, em São Paulo, caminham necessariamente em sentidos opostos, teríamos uma correlação negativa bem evidente entre as duas variáveis analisadas. Não é, contudo, o que constatamos, conforme é possível observar no gráfico a seguir.
Como mostra o gráfico, há diversos distritos com densidades vegetal e populacional acima da média da cidade. É o caso de Jardim Paulista, Vila Mariana, Consolação e Perdizes, por exemplo.
No Jardim Paulista, porém, parte da elevada densidade vegetal é devida ao bairro Jardim América, bastante arborizado, onde o tombamento e as leis de uso do solo restringem a ocupação e a verticalização — e o adensamento populacional, consequentemente, é baixo. O mesmo acontece no distrito de Perdizes, que engloba parte do bairro do Pacaembu.
Por sinal, quando focamos na parte de cima do gráfico, onde estão os distritos com densidade vegetal acima da média, até notamos mesmo uma leve correlação negativa entre densidade vegetal e populacional.
O Alto de Pinheiros é pouco adensado em termos populacionais, mas conta com o maior número de árvores por km² da cidade. A medida que caminhamos para a direita no gráfico, para os distritos com maior adensamento populacional, notamos uma queda na densidade vegetal, como nos casos de Santa Cecília, República e Bela Vista — que, contudo, vale ressaltar, apresentam densidade vegetal acima da média da cidade.
É verdade também que maior adensamento populacional, mesmo em áreas arborizadas, pode significar menos árvores por habitante. Bela Vista e República, por exemplo, apesar da densidade vegetal acima da média, estão entre os distritos com menor quantidade de árvores por habitante (daí a relevância de empreendimentos como a Cidade Matarazzo na Bela Vista). O Butantã, por outro lado, apesar da densidade vegetal próxima da média, é um dos distritos com maior quantidade de árvores por habitante.
É quando acrescentamos o preço na análise (tamanho dos círculos), no entanto, que São Paulo revela novamente sua face segregada, como já havia sido identificado pela Properati, consultoria que levantou as informações de densidade vegetal e preço — as de densidade populacional obtive no site da Prefeitura.
De maneira geral, também os distritos com maior densidade vegetal estão entre os mais caros da capital. Sem contar que as regiões ricas também concentram boa parte dos parques da cidade, como o Parque do Ibirapuera (Vila Mariana), o Parque do Povo (Itaim Bibi), o Parque Trianon (Jardim Paulista) e o Parque Augusta (Consolação). Ou seja, também os benefícios das áreas verdes em São Paulo parecem privilégio para poucos.
Chama particularmente atenção a oposição entre os dois “Itaims”: o Bibi, com quase 150 árvores de rua por mil habitantes, verde, rico e com densidade populacional abaixo da média, de um lado; e, do outro, o Paulista, pobre, com muita gente e poucas árvores de rua (apenas 25 por mil habitantes).
Entendam, porém, que não estou querendo dizer aqui que a construção de novos prédios nos eixos de estruturação da transformação urbana não esteja levando à derrubada de árvores — eu mesmo lamentei muito a remoção de uma árvore enorme, centenária, que havia em um terreno na Avenida Pompeia, perto de casa, para a construção de um edifício.
O problema, porém, talvez não seja a verticalização e o adensamento populacional em si, mas sim a falta de fiscalização e de estratégia para a preservação das árvores atuais — ou mesmo para promoção do reflorestamento urbano.
Conforme destaca a própria Helena Degreas, “na cidade de São Paulo, o plantio de árvores é realizado pelas subprefeituras em caráter compensatório, ou seja, a cada árvore removida no território da subprefeitura uma outra deve ser plantada em qualquer lugar da cidade. É neste momento que as questões relacionadas ao microclima, permeabilidade e diversidade biológica local são atropelados pela lógica do adensamento construtivo apenas”.
Faz todo o sentido, portanto, sua proposta de plantar de onde foi removida a árvore. “Remover a árvore da minha rua e plantar em outro lugar não tem sentido algum quando o assunto é microclima e bem-estar do morador”, argumenta com razão.
Além disto, a arborização ou mesmo a criação de pequenos canteiros nas calçadas quase sempre acaba ficando por conta dos proprietários dos imóveis, sem o devido planejamento ou incentivo por parte do setor público. Ações estruturadas e coordenadas poderiam colaborar bastante para o microclima e a qualidade de vida de quem utiliza esses espaços públicos.
O adensamento populacional, se bem planejado, por sua vez, tende a criar áreas mais resilientes, eficientes, diversas e prósperas, tanto em termos socioeconômicos quanto ambientais, conforme indicam as evidências. Assim, o que a resistência ao adensamento populacional em certas regiões parece revelar, mais do que uma defesa legítima das áreas verdes da cidade, é a velha e triste defesa de privilégios estabelecidos.
Muito bem localizadas, próximas aos empregos bem remunerados e aos principais equipamentos de cultura e lazer, áreas com elevada densidade vegetal e baixa densidade populacional estão entre as mais caras da cidade. “O que eles querem manter é a qualidade de vida do bairro deles, é o silêncio, o verde […] mas dizer que é interesse público? Isso, não”, cravou Flávio Villaça, um dos mais importantes urbanistas brasileiros e citado por Ling em seu artigo.
Vitor Meira França é economista pela FEA-USP e mestre em economia pela EESP-FGV
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