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Estruturas como bancas de jornal e os quiosques possuem muitos desafios de gestão e regulamentação. Como podemos explorar o potencial dessas estruturas e, ao mesmo tempo, garantir que elas não prejudiquem os espaços públicos?
Não surpreende que estruturas como bancas de jornal e contêineres enfrentam dilemas como esses. Afinal, são pontos privados, com finalidade comercial, fixados em áreas públicas. Muitos, inclusive, acabam atrapalhando essas áreas, ocupando uma grande parte da calçada ou prejudicando a visibilidade e a circulação. Por outro lado, é inegável o potencial que esses pequenos equipamentos têm para incentivar a caminhabilidade nas ruas e a permanência de pessoas em parques e praças, além de fomentar a economia local. Então como gerir esse tipo de estrutura de forma eficiente?
Conforme a pesquisa de Viktor Chagas, professor do Departamento de Estudos Culturais e Mídia da UFF, o surgimento das bancas de jornal no Brasil remonta à atividade – anteriormente irregular – dos antigos jornaleiros, que comercializavam os periódicos distribuindo-os pelas ruas, sem um ponto fixo. A ausência de controle do poder público sobre a atividade e o não recolhimento de impostos fizeram com que a Prefeitura do Distrito Federal instituísse, em 1911, um decreto que exigia uma licença específica para que a atividade fosse exercida nos espaços públicos. Para viabilizar a fiscalização, os jornaleiros tiveram que encontrar uma forma de se diferenciar dos ambulantes, solução que começou com estantes e bancas de madeira. Nos anos 1950, o presidente Jânio Quadros promulgou a lei que definiu a padronização dessas estruturas.
Hoje, as leis municipais que regulamentam as bancas vão muito além de uma padronização arquitetônica e descrevem detalhadamente os tipos de atividades permitidas e as condições para o uso de publicidade, por exemplo. Mesmo assim, parece que o poder público, com seus instrumentos, atrapalha o desenvolvimento do potencial que esses elementos poderiam ter, ao mesmo tempo em que ainda permite situações prejudiciais para os pedestres, como é o caso de algumas bancas que atrapalham a visibilidade e o fluxo na calçada.
Oportunidades desperdiçadas
Para potencializar os benefícios que essas estruturas leves podem gerar para a cidade, o primeiro passo é repensar as restrições de usos e atividades. Delimitar exaustivamente os usos permitidos nessas estruturas tem se mostrado uma tarefa complexa. Em 2020, por exemplo, a legislação de 2002 referente às normas de funcionamento das bancas no Rio de Janeiro foi atualizada, e uma de suas sutis mudanças foi a troca do trecho que dizia “…filmes fotográficos, fitas de vídeo e cd’s…” por um que citava de forma mais simples “pequenos acessórios de informática”. Faz sentido, afinal, o número de pessoas que ainda compravam “fitas de vídeo e cd’s” em 2020 já era ínfimo. Porém, se fôssemos atualizar esses detalhes na lei a cada mudança de demanda de uma sociedade que se transforma rapidamente, teria que ser com uma frequência muito maior do que a cada 18 anos.
Engessar os usos também é um desafio diante do evidente declínio no mercado de impressões. Apesar do nome ainda ser utilizado, bancas focadas na venda de jornais e revistas são raridade. A maioria não teve escolha a não ser se reinventar e promover a venda de produtos muito diferentes desse escopo inicial.
As consequências dessa falta de flexibilidade de usos são muitas, como a irregularidade das atividades, que muitas vezes precisam se preocupar mais em atender ao mercado e à demanda antes de atender à lei. Pedro Duarte, vereador do Rio de Janeiro, relata em seu artigo sobre os problemas das bancas a ocupação dos espaços públicos por bancas abandonadas, que já não funcionam, apenas para fins de publicidade.
O emblemático caso da empresa Sinergy, que hoje atua em mais de 120 bancas em Porto Alegre e Curitiba, também ilustra falhas do poder público em aproveitar as oportunidades oferecidas pelas bancas e quiosques. Identificando a precariedade de estruturas antigas, a empresa oferece aos proprietários um novo quiosque padronizado em troca da instalação de anúncios de publicidade, dos quais vem a sua receita. A partir de uma necessidade evidente, o modelo de negócios atuou para resolver um problema e obteve lucro com a iniciativa. Nessa situação, o setor público, em tese o “proprietário da calçada” e que costuma arrecadar receitas com publicidade em espaços públicos como pontos de ônibus, acaba não participando do negócio e abrindo mão de uma receita que poderia ser pública.
Tipologia e ocupação
Apesar de definirem as dimensões máximas, as normas que regulamentam as estruturas leves nas áreas públicas ainda resultam em tipologias que prejudicam suas adjacências. A preocupação com o tamanho e o uso acabam ofuscando detalhes como forma e a ocupação, que são atributos que podem ter desempenhos completamente diferentes a depender do contexto espacial.
Um quiosque com dimensões de 3 por 3 metros, por exemplo, pode ser adequado para uma calçada de 15 metros de largura, a depender do seu movimento. Isso não quer dizer que todo quiosque de 3 por 3 metros deveria ser permitido em qualquer lugar. E se ele for alocado numa calçada estreita, ou em área com um fluxo intenso de pedestres? Se o foco do poder público é gerir os espaços públicos, isso deve ser levado em consideração.
A falta de preocupação com essas características fica evidente em casos como o recente projeto desenvolvido pela Prefeitura de São Paulo, de vender a permissão de ocupação de bancas abandonadas para outros pontos comerciais na tentativa de driblar o declínio econômico da atividade. Apesar da tentativa de revitalização, a iniciativa falha em continuar permitindo estruturas com uma ocupação que prejudica a vida nas calçadas, como mostra o vídeo do urbanista Nabil Bonduki.
Por uma gestão mais eficiente
A solução para os dilemas aqui apresentados não é acabar com as bancas e quiosques, mas sim reformular e melhorar a sua gestão. Para isso, podemos tomar como inspiração alguns modelos. Comparando a volumetria e a implantação das bancas da Avenida Paulista, em São Paulo, com as da Broadway, em Nova York, ambas com uma grande movimentação diária de pedestres, vemos que na capital paulista o impacto da estrutura na experiência do pedestre é muito maior, tanto em termos de visibilidade quanto como obstáculo para o fluxo.
A regulamentação dessas bancas na cidade de Nova York parece mais eficaz. Para a aprovação, são exigidas plantas do projeto que nem precisam ser assinadas por um arquiteto. Mas há uma clara e minuciosa preocupação com o espaço público onde ele está inserido. Além de serem exigidas fotos do local proposto, a maior parte dos critérios de aprovação da volumetria dizem respeito à maneira como ela se relaciona com o seu entorno, estabelecendo distâncias mínimas entre elas e pontos de ônibus, postes, árvores, etc. A mensagem é clara: essas estruturas devem existir, mas a condicionante para isso é que elas não atrapalhem de forma alguma as outras atividades e estruturas na área pública.
Outro exemplo interessante são os modelos de quiosques em algumas praças da cidade de Lisboa, em Portugal. São estruturas de pequeno porte que impactam pouco a visibilidade do entorno, além de servirem como um importante ponto de apoio para os frequentadores das praças, vendendo alimentos e bebidas.
Em suma, as bancas e quiosques poderiam ser pontos de conveniência e ativação de espaços públicos, e talvez até fonte de receita da prefeitura com publicidade, se bem geridos. Hoje, infelizmente, são áreas privadas sem os critérios de execução e fiscalização necessários para promover os benefícios que poderiam promover nos espaços urbanos.
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