Uma breve história das cidades-satélites de Brasília
O desenvolvimento urbano da capital foi muito além do Plano Piloto, mesmo antes de sua inauguração.
O redesenho urbano permitirá que as distâncias sejam menores: maior verticalização, maior adensamento e maior ganho de escala.
24 de agosto de 2018Imagine um futuro onde você é proibido de dirigir. Apenas veículos autônomos, em formato de cápsulas (sem espaço para motorista ou volante) são permitidos, o que fez o número de acidentes de trânsito cair a quase zero nas grandes cidades. Estes veículos são integrados aos modais existentes de trem e metrô, responsáveis pelas grandes distâncias, restando às pequenas cápsulas a capilarização do transporte. Como todas as viagens são monitoradas por um sistema integrado, é possível prever os horários de chegada e saída, alocar mais ou menos veículos e eliminar o tempo de espera dos passageiros — que já saem das estações do metrô dentro de uma cápsula que os levará até o destino final, juntamente com outras duas ou três pessoas que irão ao mesmo lugar. Menos mortes e menos tempo perdido trouxeram um aumento de produtividade incrível à cidade, que se refletiu em um aumento significativo da renda per capita.
Ainda, o redesenho urbano permitirá que as distâncias sejam menores: passando por uma maior verticalização da cidade, garante-se um maior adensamento, que por sua vez possibilita um maior ganho de escala para todos estes modais. Com distâncias menores a serem percorridas, o custo de deslocamento cairá significativamente. Isso não significa que as cidades serão feias e cinzas, pelo contrário: justamente pelo maior adensamento, será possível viabilizar parques e áreas verdes compartilhadas, que servirão a toda a comunidade de maneira eficiente. Basta pensar que estacionamentos não serão mais necessários em uma sociedade com veículos autônomos. Estes estacionamentos não mais necessários, somados aos terrenos atualmente ocupados por postos de gasolina, subestações ou linhas de transmissão — que passarão a ser subterrâneas, aproveitando-se de uma nova infraestrutura chamada de “galerias técnicas”, que compartilhará seus custos com outros serviços de utilidade como cabos de telecomunicação, distribuição de água, esgoto, etc. — abrirão espaço para uma cidade integrada, onde novos prédios somam, em vez de subtrair, novos espaços públicos à cidade. Uma super rede de câmeras e de sensores tornará o trabalho da polícia muito mais fácil e mais barato; isso porque esta rede ajudará a identificar crimes e a seguir eletronicamente os suspeitos, tornando a ação policial muito mais eficaz.
Tudo isso parece filme de ficção científica, principalmente para o Brasil. Por aqui, apenas 4,5% das escolas públicas têm toda a infraestrutura prevista no Plano Nacional da Educação. Se ainda temos escolas sem banheiro, como é que vamos ter uma cidade inteligente? Se nossas vias urbanas são tão precárias, como teremos uma rede digital que possibilite veículos autônomos não colidirem a cada esquina uns com os outros?
O que talvez seja nossa maior fraqueza pode ser também nossa maior oportunidade. Cidades muito mais avançadas, como Londres e Paris, tentam adequar sua infraestrutura às novas tecnologias. Isso gera um problema de alocação de recursos, pois a infraestrutura deles hoje é muito boa – para a realidade atual. Atualizar estes ativos para o “próximo nível” pode causar redundâncias na alocação de recursos, já que os investimentos anteriores ainda não foram, vamos dizer, “amortizados”. Já por aqui, o caso é completamente diferente: temos pouco a amortizar, já que quase tudo está por fazer: temos, portanto, uma tela em branco para pintar. No entanto, estudo global da KPMG demonstra justamente o contrário: enquanto os países em desenvolvimento — incluindo o Brasil — parecem sempre correr atrás do passado, os países desenvolvidos digitalizam sua infraestrutura. A conclusão: temos que dar a “bits e tijolos” o mesmo nível de prioridade, se quisermos concorrer globalmente com as demais economias que já entenderam qual é a regra do jogo. Neste estudo, que calcula o potencial de crescimento econômico sustentável de 181 países, o Brasil aparece apenas na posição 89 — sendo que infraestrutura ocupa a posição 74.
Temos que olhar para o futuro e decidir quem nós queremos ser em 50 anos, aproveitando este gap de investimentos para fazermos certo já da primeira vez. Afinal, o que eram a Califórnia e a Coreia do Sul há 50 anos?
Temos como prioridade colocar banheiros nos colégios, isso é evidente. Mas temos que considerar que cada cidade no Brasil tem uma prioridade e uma vocação: este pensamento de futuro, logicamente, deve ser regionalizado. Para todas eles, compreender onde estamos e, principalmente, para onde queremos ir, é fundamental. Cidades do interior do Paraná, por exemplo, provavelmente poderiam ser grandes desenvolvedoras de tecnologia para o agronegócio. Já São Paulo seria um polo de tecnologia em serviços, enquanto o Rio de Janeiro dedicaria seus royalties de petróleo para P&D de soluções energéticas renováveis e resiliência climática.
Pintar um quadro a partir de uma tela em branco é um desafio, mas é também uma oportunidade de fazer um belo trabalho. Temos potencial, temos inteligência e temos gente. Não temos muito dinheiro, é verdade — mas se compensarmos com força de vontade e trabalho dobrado, o resultado aparece rapidamente.
Texto publicado originalmente no LinkedIn em 3 de maio de 2018.
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definitivamente eu gostaria de morar nessa cidade 🙂