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O licenciamento ambiental no Brasil é um dos grandes paradoxos do desenvolvimento nacional. Enquanto a proteção ao meio ambiente é um pilar fundamental para garantir um futuro sustentável, o excesso de burocracia e a falta de clareza nos processos regulatórios transformam o licenciamento em um labirinto caótico, onde nem empreendedores nem ambientalistas saem satisfeitos. A situação se assemelha a um caso de esquizofrenia institucional, onde diferentes partes do Estado adotam posturas conflitantes, resultando em entraves que prejudicam tanto a economia quanto o meio ambiente.
O primeiro sintoma desse transtorno é a desorganização normativa. A legislação ambiental brasileira é fragmentada, sobreposta e, muitas vezes, contraditória. Há normas federais, estaduais e municipais que frequentemente entram em conflito, criando insegurança jurídica para quem deseja empreender de maneira responsável.
Na cidade de São Paulo, para licenciar um edifício multifamiliar, por exemplo, você precisa:
Consultar a viabilidade, aprovar o projeto arquitetônico e emitir alvará e habite-se na Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL);
Passar pelo licenciamento ambiental e compensação ambiental nos órgãos ambientais (SVMA e CETESB), além da análise de passivos ambientais em caso de contaminação do solo;
Aprovar projetos de abastecimento de água, esgoto e rede elétrica nas respectivas concessionárias;
Aprovar Projeto de Prevenção e Combate a Incêndios junto ao Corpo de Bombeiros;
A depender do caso, submeter um Relatório de Impacto no Trânsito (RIT) junto à Companhia de Engenharia de Tráfego (CET);
Registrar a incorporação no Cartório de Registro de Imóveis;
Criar uma Associação de Moradores e Condomínio.
Além disso, os órgãos ambientais operam com diferentes critérios, resultando em um processo de licenciamento que pode durar anos e variar drasticamente de um estado para outro, ou até dentro de uma mesma unidade federativa.
Outro aspecto é a politização do licenciamento. Em muitos casos, o processo não se baseia apenas em critérios técnicos, mas sim em interesses políticos, sejam eles locais ou nacionais. Grandes empreendimentos, especialmente aqueles ligados à infraestrutura e energia, frequentemente enfrentam entraves que vão além das preocupações ambientais.
O licenciamento pode ser usado como moeda de troca política ou sofrer influência de pressões externas, resultando na liberação de projetos ambientalmente questionáveis ou, no extremo oposto, no “atrapalhamento” ou mesmo engavetamento de iniciativas viáveis.
Observa-se o emblemático caso da recente engorda da Praia de Ponta Negra, em Natal, onde Estado e Prefeitura travaram uma batalha institucional, transformando o licenciamento ambiental em um palanque político. De um lado, a Prefeitura há anos tentava emitir a Licença Ambiental, do outro, o Governo do Estado queria atrapalhar o adversário político via órgão ambiental. A disputa chegou ao ponto de haver protesto do executivo municipal na porta do órgão ambiental estadual, um episódio que ilustra bem a falta de racionalidade do processo.
Praia de Ponta Negra, Natal, após aterro. Foto: Prefeitura de Natal
Não se pode ignorar o impacto econômico dessa irracionalidade. A demora e a incerteza no licenciamento afastam investidores, encarecem projetos e reduzem a competitividade do Brasil, e eu estou falando essencialmente de empregos. Em vez de um processo ágil e transparente que incentive a adoção de boas práticas ambientais, temos um sistema travado, que muitas vezes premia a ineficiência e favorece aqueles que sabem “navegar” na burocracia.
Dados da FIERN apontam que, em 2023, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente (Idema/RN) não conseguiu processar mais da metade das licenças ambientais solicitadas! É bastante comum encontrar processos com mais de cinco anos de licenciamento sem qualquer previsão de resolução.
Curiosamente, essa rigidez não se traduz em maior proteção ambiental. Pelo contrário: a ineficiência do sistema leva a um aumento das irregularidades e do desmatamento ilegal. Muitos empreendimentos optam por viver na ilegalidade, principalmente nas faixas de baixa renda, como a ampliação do mercadinho na periferia da sua cidade. E ainda, empreendedores que tentam e não conseguem licenciar suas atividades acabam operando à margem da legalidade, sem os devidos controles ambientais. Como exemplo, basta olhar para os garimpos ilegais na Amazônia, que proliferam não porque as leis são brandas, mas porque a fiscalização é insuficiente e ineficiente.
Isso sem falar no sucateamento dos órgãos fiscalizadores, que muitas vezes não possuem estrutura adequada para monitorar e garantir o cumprimento das normas ambientais.
A solução para esse impasse passa por uma reforma profunda no licenciamento ambiental. Precisamos de um sistema mais racional, baseado em regras claras, previsibilidade e tecnologia, com foco na fiscalização e não na permissão arbitrária – baseada no humor do analista locado naquele momento no órgão ambiental.
Em Fortaleza, por exemplo, um alvará pode ser emitido em uma hora, ou no tempo que leva para um boleto ser pago e validado. Isso não significa que os empreendimentos não sejam analisados, mas sim que a burocracia foi reduzida e os esforços são concentrados na fiscalização efetiva, garantindo um controle ambiental mais eficiente.
O projeto de lei 2159/2021, que tramita no Senado Federal, propõe regulamentar o licenciamento ambiental no Brasil, e precisamos ficar atentos a essa discussão.
A digitalização dos processos, a unificação das normas e a criação de prazos objetivos são medidas essenciais para garantir um licenciamento que seja, ao mesmo tempo, eficiente e rigoroso na proteção ambiental. O Brasil precisa sair da esquizofrenia regulatória e encontrar um equilíbrio que permita conciliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade de forma inteligente e eficaz.
*Este artigo teve a colaboração da arquiteta Alessandra Lopes da Silva, da PSA Arquitetura
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