Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
O consenso de que a configuração urbana de torres em parques é ruim abre espaço a diversas discussões sobre qual forma urbana deveria substituir a anterior.
1 de julho de 2015Entre urbanistas modernos, o consenso universal de que a configuração urbana de torres em parques (comum no urbanismo pós-guerra) é ruim abre espaço a diversos desentendimentos sobre qual forma urbana deveria substituir a anterior. Em linhas gerais, a batalha se define entre libertários e seus simpatizantes como Matt Yglesias, que pregam a remoção das leis de zoneamento e a construção de edifícios altos, e libertários sociais da tradição de Christopher Alexander, que argumentam por limites de altura e um modelo de urbanismo tradicional, pré-século XIX. Na blogosfera, o mais consistente advogado da primeira posição é o Market Urbanism, o da segunda, o Old Urbanist.
O principal argumento usado para validar limites de altura é estético. Charlie, do Old Urbanist, cita a seguinte passagem do livro From a Cause to a Style, de Nathan Glazer:
“Onde quer que cientistas sociais examinem os problemas, eles encontram um gosto que a maioria dos arquitetos não se interessa por satisfazer, um gosto pela edificação baixa, de escala reduzida; uma unidade que permita certa privacidade, acesso ao térreo, um pequeno pedaço de terra sob controle total de um indivíduo. Eu não estou, claro, descrevendo uma preferência universal, mas para pessoas com crianças pequenas — e também muitas outras — é um gosto quase universal, se as pessoas tiverem uma escolha. Também não há nenhuma razão para acreditar que seja necessário educar a população contra tal gosto, desenvolvendo preferencias por escalas grandes ou enormes.”
Uma boa regra a se seguir é o descarte de qualquer argumento sobre um “gosto quase universal” que não seja universal no sentido literal — este não o é. Eu baseio minha opinião no artigo de Charlie, pode ser que Glazer tenha alguma justificativa melhor para a universalidade do desejo por habitações unifamiliares, mas fora dos Estados Unidos, eu simplesmente não a vejo. Ela não está em Tel Aviv, Paris, ou qualquer outra cidade onde ricos vivem prioritariamente em edificações verticais, por vontade própria. Em Paris há pelo menos o consolo das pessoas viverem em prédios de altura mediana; Tel Aviv, onde esta tipologia abriga as famílias de classe-média alta enquanto ricos vivem em arranha-céus modernistas, não tem nenhuma desculpa. Até mesmo Manhattan está passando por aumento de natalidade na classe alta — famílias americanas não estão evitando as cidades.
Em geral, é simples desconsiderar toda opinião contrária como indo de encontro a um gosto universal, basta apontar a aceitação universal em locais onde regulações do governo demandam tal preferência (um exemplo disso é o subúrbio em grande parte dos Estados Unidos) e, de modo a parecer mais coerente, reclamar de locais onde a legislação ordene o contrário. A realidade entretanto é que pessoas ricas tendem a morar onde outras pessoas ricas moram, como em condomínios cercados, onde podem ter qualquer forma e organização urbana; a classe média vive onde o resto da classe média vive; os pobres onde a habitação for barata. Até conjuntos modernistas servem como exemplos de moradias para classe média, considere os projetos da Co-op City e Stuyvesant Town em Nova York.
Em contraste, o argumento primário usado por opositores a limites de altura é utilitário: densidade requer altura. Tal fato é obvio nos distritos empresariais, onde a economia de aglomeração favorece prédios imensos, em centros comerciais verticais como Midtown, Lower Manhattan e o Chicago Loop que podem alcançar densidades extremamente altas. A área construída do Empire State é 33 vezes superior à área do seu terreno, a da Willis Tower, 37. Qualquer densidade próxima a essa é impossível sem a multiplicação de dezenas de pisos, mesmo em edificações que se elevam verticalmente sem escalonamento.
Infelizmente, tal ponto passa facilmente despercebido, uma vez que a estatística padrão para densidade é o número de habitantes por metro quadrado, e áreas residenciais de arranha-céus são raras. Manhattan, repleta de arranha-céus, e Paris, de altura restrita, apresentam a mesma densidade residencial aproximadamente, porém se desconsidera o fato dos arranha-céus nova-iorquinos serem predominantemente comerciais. Sem contar os projects (edifícios de habitação social de Nova York), a morfologia residencial urbana da cidade é de altura média, com a maioria dos prédios não excedendo 6–12 andares; algo similar a Paris.
De fato, a última vez que eu visitei Paris, me senti imediatamente em casa, como se estivesse em uma Manhattan francesa. Os estilos arquitetônicos são similares. As edificações parisienses possuem a mesma altura a qual eu estou acostumado vivendo em Upper Manhattan. As larguras das ruas são próximas, apesar das avenidas de Manhattan terem dimensões mais consistentes enquanto Paris apresenta de ruas de 10 m a boulevards de 40 m. Ambas as cidades são as maiores aglomerações que se pode encontrar no mundo desenvolvido fora de Hong Kong; este é o limite de densidade alcançável com edificações de altura média em ruas de largura moderada.
Para atingir uma densidade superior é imprescindível que se construa mais alto. Algumas partes de Manhattan o fazem: o Upper East Side e o Upper West Side tem uma quantidade considerável de edifícios na faixa de 20 a 30 pavimentos, e apesar de, como Charlie nota, apenas 1% dos habitantes de Nova York viverem acima do décimo nono andar, o número é consideravelmente maior nestes bairros, tornando-se ainda maior se o limite for reduzido para o piso 12, ainda bastante acima do que urbanistas tradicionais e opositores de arranha-céus aceitem (Christopher Alexander propõe 5 como limite). Estes são precisamente os bairros com a maior densidade de Manhattan. O censo estima que em locais onde a população é de classe-média alta ao invés de rica — geralmente no norte ou leste do Upper East Side — as densidades residenciais atinjam 50,000–75,000 habitantes/km²2. A média de Manhattan e de Paris, entretanto, gira em torno de 25,000, tendo o quarteirão mais denso de Paris algo como 40.000.
Eu não estou convencido de que arranha-céus sejam claramente inferiores a edifícios médios super-densos; comitês de zoneamento e “NIMBYs” podem ser igualmente restritivos a ruas pequenas, sem as quais limites de altura baixos limitariam a densidade a níveis suburbanos, quanto a edificações altas. E quando a demanda atinge um ponto em que nem mesmo 40.000 pessoas por km² em apartamentos de tamanhos modernos seja o suficiente — uma demanda familiar a edifícios de escritórios porém relativamente nova a residências — edifícios mais altos se tornam uma necessidade. Eles não precisam ter 50 pavimentos como Ed Glaeser sugere, mas qualquer limite abaixo de 20 não é razoável para este caso.
Eu não farei um argumento estético ou ambiental aqui. Pessoas ricas não tiveram dificuldades vivendo nas vielas de Tokyo, ou em avenidas super-largas e arranha-céus. Mas, por favor, não finja que se pode limitar densidade sem limitar altura. Chega um ponto em que a demanda irá exceder o seu limite.
Este artigo foi publicado originalmente no blog Pedestrian Observations em 27 de junho de 2011. Foi traduzido por Pedro Alban e revisado por Anthony Ling com autorização do autor.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarConfira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Banheiros públicos são investimentos essenciais para garantir a qualidade dos espaços públicos nas cidades.
A pesquisa em Belo Horizonte mostra que muitas resistências comuns às ciclovias são, na verdade, equivocadas e sem fundamento.
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
anthony,
como em quase tudo na vida, uma solução sábia será algo entre os dois extremos: nem exclusão das construções em altura nem a sua entronização como solução universal. talvez projetos que mesclem as construções de baixa e a média altura com torres sejam o que necessitamos. mas temo que isso vá exigir promotores e administradores públicos mais iluminados que os que temos hoje, pois resulta em maior complexidade.
como exemplo disso sugiro dar uma olhada nos projetos didáticos do arquiteto Helio Piñón (www.helio-pinon.org).
um abraço.