Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
O custo de moradia na Grande Tóquio é comparativamente mais baixo que outras grandes cidades, como Nova York, Londres e, acredite, que São Paulo também.
11 de janeiro de 2016Tóquio, a maior região metropolitana do mundo, tem quase 39 milhões de habitantes em uma área de apenas 13.572 km², atingindo uma densidade de 2.800 habitantes por km². Para comparação, ela facilmente supera a Região Metropolitana de São Paulo, com seus 21 milhões de pessoas em 8 mil km². Ainda que os limites da sua urbanização já tenham sido anunciados por acadêmicos e agências governamentais algumas vezes, a cidade segue crescendo de forma estável há mais de 40 anos, sendo polo receptor de imigrantes de diversos cantos por concentrar os setores industriais e de serviços mais modernos e inovadores do mundo. Além disso, o custo de moradia na Grande Tóquio, especialmente de aluguel, é comparativamente mais baixo que outras grandes cidades, como Nova York, Londres e, acredite, que São Paulo também.
A pesquisa do Demographia mostra que Tóquio tem o menor múltiplo de preço (uma medida de preço relativo à renda, que divide o preço mediano de um imóvel pela renda mediana anual) entre todas as mega-cidades, ou seja, aquelas que possuem mais de 10 milhões de habitantes. O múltiplo de Tóquio é de 4,4 — o mesmo valor de cidades de preços mais módicos, como Sacramento ou Calgary. Hong Kong tem múltiplo de 14,9, Vancouver de 10,3, sendo cidades visivelmente pouco acessíveis. A título de comparação, o múltiplo aproximado de São Paulo seria de espantosos 30,3 [1], quase sete vezes menos acessível que Tóquio.
Como a capital japonesa, cuja absoluta escassez de terras deveria resultar em preços nas alturas, consegue essa façanha? Conforme analisou em artigo para o NextCity.org, Stephen Smith argumenta que o “culpado” seria o modelo de desenvolvimento urbano optado por boa parte dos governos municipais de metrópoles japonesas. Enquanto outras grandes cidades ocidentais optaram por modelos hiperregulados, com leis de zoneamento e densidade extremamente restritivas, Tóquio optou por um caminho oposto. Os padrões de zoneamento são muito menos rígidos em comparação com cidades em países americanos (como o Brasil) ou na Europa, e as restrições de altura são relaxadas conforme os bairros vão ganhando densidade — quando tais restrições existem.
A cidade não impõe normas gerais e, nas palavras de Stephen, a resposta para os altos preços de moradia num local superpopuloso foi, basicamente, “deixar qualquer um construir o que quiser”. O resultado: uma pesquisa simples no site Numbeo, ajustando para o poder de compra local, coloca Tóquio entre as metrópoles mais baratas para moradia.
A solução encontrada por Tóquio vai na contramão de saídas defendidas — e até hoje implementadas — por muitos urbanistas ao redor do mundo. Em Estocolmo, por exemplo, a resposta para moradias caras, impulsionadas pelos saltos na renda local, foi o controle estatal dos aluguéis, que vigora até hoje. Pesquisas recentes mostram que os maiores beneficiários desta política foram suecos que já são proprietários de imóveis na cidade, e que acabam passando o imóvel entre familiares para não abrir mão do privilégio da moradia, dado que a medida eliminou praticamente todo incentivo para a produção de mais imóveis. Hoje, é praticamente impossível para moradores de fora de Estocolmo adquirirem um imóvel, já que a fila do cadastro imobiliário leva entre 7 e 15 anos. Essas pessoas normalmente apelam para o mercado negro como saída, obrigadas a aceitarem preços inflados ao teto devido ao risco da transação e à falta de alternativas.
O Brasil teve sua experiência de escassez com o controle de aluguéis no governo Vargas, que levou a um desastre na oferta de imóveis e inviabilizou aluguéis a preços populares nas regiões centrais de todas as grandes cidades brasileiras. A medida preparou o terreno para o exclusivismo espacial atual das nossas metrópoles. Ainda assim, muitos defendem a medida como tentativa de moderar os altos preços gerados em cidades onde há alta demanda para pouca oferta. Porém, como a experiência mundial demonstra — e a nossa própria história confirma — retornos muito mais claros e palpáveis seriam possíveis para a população de baixa renda se simplesmente permitíssemos um melhor aproveitamento do uso do espaço urbano em áreas onde as pessoas querem morar. Tóquio optou por esse caminho, e lá o mercado de aluguéis é tão vivo que possui até diferentes modelos de contratos sem muitas obrigações cartoriais ou classistas como há no Brasil, diminuindo os custos de transações e facilitando a entrada de novos inquilinos.
Ao invés de seguir os passos da urbanização japonesa, aqui as saídas promovidas para aumentar a acessibilidade são alternativas como cotas de moradias a preços baixos em determinadas regiões por instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). No entanto, elas são dependentes de regulação e de recursos públicos e tem implementação lenta e custosa, conforme demonstraram diferentes gestões paulistanas. Mesmo sob prefeitos defendendo as ZEIS, elas foram aplicadas com baixíssimo progresso e eficácia. Algumas foram determinadas em regiões periféricas pouco acessíveis, inclusive em mananciais das represas paulistanas que não deveriam ser urbanizados, outras foram eliminadas por outras opções de gastos públicos. Além disso, a tentação à distorção destes instrumentos por grupos específicos de pressão é muito grande, como claramente ocorre na metrópole paulista.
A solução adotada por Tóquio, que permite uma cidade dinâmica com a criação de novas unidades para atender a uma demanda intensa, parece muito mais sustentável. Também parece passível de consolidação na capital paulista, numa opção que poderia combinar não apenas uma maior oferta imobiliária como uma maior oferta de crédito e uma regulação mais inteligente de ambos, desburocratizados e com espectros mais amplos de atendimento. Em Tóquio, por exemplo, seria impensável existir regiões como Jardim Europa e Jardim América, de baixíssima densidade, em plena região central da cidade. Na prática, estes antigos loteamentos paulistanos aumentam os preços de todo o entorno, conforme analisado neste artigo do editor, Anthony Ling.
Com planejamento que facilita a provisão de oferta de moradias para seus munícipes e seus imigrantes, Tóquio apresentou cerca de duas vezes mais crescimento no número de casas e apartamentos em seu território que outras grandes cidades no mundo. Enquanto a capital japonesa teve crescimento de oferta em 1,95% ao ano entre 1998 e 2008, Londres teve crescimento de 0,82% e Paris apenas 0,5%. Contrariando a noção de que o crescimento do mercado imobiliário funciona como uma “máquina” especuladora e excludente, o estímulo à oferta de imóveis resultou em preços mais acessíveis. Conforme concluiu a pesquisa, cidades com provisão imobiliária mais ampla tem múltiplos de preço muito mais baixos que que cidades restritivas. Das 10 cidades com os menores índices de preço, 9 tendem a um modelo desenvolvimento urbano menos restritivo e, entre as 10 com os maiores índices, todas tem modelos restritivos, na velha noção de que isto “protegeria” seus moradores.
Sendo a megacidade de melhor múltiplo de preços do mundo e com altíssima densidade demográfica, para Tóquio isto também significa que o contínuo fluxo de crescimento da cidade consegue ser absorvido dentro dos próprios limites da mancha urbana. Tal limitação horizontal gera menores pressões ambientais nas áreas adjacentes e permite a manutenção de um dos maiores parques urbanos do mundo, preservando a mancha verde intocada ao redor da cidade. Ademais, também permite um menor uso de carro por seus habitantes: Tóquio tem um dos menores índices de uso de automóveis individuais no cotidiano entre grandes cidades. Tal atributo também é explicado pela extensão de sua malha de metrôs e trens metropolitanos que, com pouca dependência de recursos estatais e um modelo competitivo entre diversas empresas públicas e privadas, expandiu-se para 195 km de metrôs e cerca de 4.714 km de trilhos operacionais no total.
Tudo isto contribui não só para menor impacto urbano no meio ambiente, mas também para maior acessibilidade à cidade por seus habitantes — ou seja, um aproveitamento mais intenso das oportunidades que o meio urbano oferece por diferentes cortes sociais e de renda, que não são segregados por um zoneamento utópico e excludente.
Enquanto forem propostas panaceias urbanas em nossos Planos Diretores — fortalecidas por receios de “gentrificação” e medo de que os preços inviabilizem o acesso dos mais pobres a cidade (como se isto já não fosse o caso) — estaremos, na verdade, criando regras que cada vez mais encarecem o acesso do pobre, dificultando a expansão da oferta de imóveis nas cidades. Poderíamos olhar para casos bem sucedidos como o de Tóquio, uma cidade cujo modelo de desenvolvimento urbano aponta para uma cidade mais acessível para todos e onde os grupos de renda mais baixa não são automaticamente expulsos para guetos e periferias que segregam e dificultam os acessos às oportunidades da cidade.
[1] Considerando os dados do Secovi para ticket médio de venda em 2014 (R$ 551 mil) e do Pnud para renda média na capital paulista em 2013 (Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro). Não foi localizado um valor mediano para estas estatísticas, conforme utilizado pelo estudo citado.
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A se pensar, qual é o tamanho e qualidade desses imóveis? Porque de um ponto de vista econômico, os imóveis podem ser produtos de valor variável segundo por exemplo a distância do Centro etc., mas e quanto à qualidade de vida de quem mora? Numa lógica puramente lucrativa, é bem imaginável que, ainda nos múltiplos andares construídos as empresas queiram maximar seus lucros e que então o maior imóvel entre as concorrentes seja desumanamente pequeno. É isso que tem ocorrido no Brasil, p.ex. Será ainda justificável o “mas mora quem quer”, quando a necessidade de trabalho e o próprio ganhar/consumir/produzir é uma necessidade hoje e que as opções sejam tão iguais ou niveladas por baixo?
Olá Andrié, obrigado pelo comentário primeiramente. Entendo este argumento e ele expõe certamente uma preocupação válida. No entanto, prefiro fazer uma pergunta diferente: qual é a qualidade de vida dos moradores das periferias brasileiras, comparando-se com os que, de mesma faixa de renda e/ou corte educacional, vivem nas regiões centrais das cidades? É justo sacrificarmos, por meio de leis arbitrárias, a possibilidade de uma melhor qualidade de vida de milhões de pessoas por exigências de tamanho? Em tempo: considerando o nível de vida dos japoneses – e outros habitantes de locais como Hong Kong, Bangkok, Taipei e Seul, acredito que estes teriam plena condição de se mudar em caso de insatisfação com os locais onde vivem. A questão central é que todas as restrições, regulações, proibições e limites operam para encarecer o custo da terra e do imóvel, levando justamente a exclusão de pessoas do mercado imobiliário de muitas cidades – São Paulo e o inchamento visto nas periferias só mais um exemplo.
Meu sonho e conter a grande cidade ta o grande como famoso tokio