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São Luís carece de infraestrutura ciclística, refletindo uma cultura e políticas urbanas que favorecem o uso do carro. Para mudar essa realidade, é essencial priorizar uma abordagem mais sustentável e humana para a mobilidade urbana na cidade.
A bicicleta é um meio de transporte que utiliza a própria força do usuário para a locomoção. A versão moderna desse equipamento foi criada no século XIX, embora se tenha relatos de objetos parecidos em outros períodos.
Era uma alternativa de mobilidade comum nas cidades europeias antes da popularização do automóvel. E na segunda metade do século XX, voltaram a ser utilizadas e incentivadas, especialmente em Amsterdã e Copenhague.
No Brasil, há ainda um passo tímido para acomodar a bicicleta como um meio legítimo de mobilidade urbana. Fora raras exceções, como a cidade de Joinville, a bicicleta é vista como um objeto de lazer.
Esta cidade do norte catarinense ganhou notoriedade nacional no uso de bicicletas como transporte na década de 1970. A prática foi incentivada pelas indústrias locais, que desenvolveram estacionamentos (bicicletários). O clima ameno e o terreno majoritariamente plano da cidade também contribuíram para essa cultura.
Dessa maneira, este artigo tem como objetivo explicar as razões que tornam a cidade de São Luís, no Maranhão, tão hostil aos ciclistas, analisando formação urbana, legislação, políticas públicas e fatores políticos e culturais.
Infraestrutura inadequada e cultura “carrocêntrica“
A cidade de São Luís conta com apenas 40 km de ciclovias — a quarta capital com menos ciclovias do país! Além de Manaus, a cidade só fica à frente de duas capitais com populações bem menores, Macapá (AP) e Porto Velho (RO).
A infraestrutura inadequada pode ser explicada por diversos motivos, como o privilégio histórico dado ao automóvel por planos e leis que descrevi em um artigo anterior, também publicado neste site.
O fato é que a cidade conta com poucos espaços para quem depende da bicicleta como meio de transporte. E quando esses espaços existem, estão restritos a uma pequena parcela do município, em áreas mais abastadas ou em parques, o que indica que a administração municipal enxerga a atividade como lazer, e não como mobilidade.
Ademais, falta criar interações entre diferentes modais: há carência de bicicletários em espaços públicos como praças, estacionamentos públicos ou terminais de integração. Em uma cidade com temperaturas elevadas, a falta de arborização também contribui para o baixo conforto de quem pedala, anda ou faz uso do transporte público.
Além disso, podemos destacar a cultura viária voltada ao automóvel. Essa mentalidade foi construída ao longo das últimas décadas e alimentada em diferentes setores da sociedade, com grande influência do setor político.
As ações voltadas para a mobilidade em São Luís escancaram essa visão do poder público, como a adoção de soluções ultrapassadas e que tendem a ficar saturadas em pouco tempo, como alargamento de vias, aumento da “fluidez do trânsito” para fim do congestionamento, exclusão de algumas das poucas áreas destinadas aos ciclistas, construção de elevados, entre outras.
Uso e ocupação do solo
O zoneamento, também conhecido como lei de uso e ocupação do solo, tem grande influência sobre a mobilidade urbana de uma cidade.
Ao longo do século XX, o zoneamento funcionalista — baseado na separação entre as “funções” da cidade modernista: lazer, trabalho, moradia e circulação, premissas da Carta de Atenas de Le Corbusier — foi determinante para criar cidades dependentes dos automóveis – aumentando as distâncias e desrespeitando a caminhabilidade ou mesmo os caminhos para percorrer confortavelmente de bicicleta.
Por outro lado, cidades amigáveis ao ciclista (e pedestre), como Amsterdã e Copenhague, fizeram o caminho inverso. Ao aproximar as distâncias a serem percorridas, desestimularam o uso do automóvel, aumentando os percursos feitos a pé ou por bicicleta.
Dessa forma, a cidade espraiada, monofuncional e com pouca densidade de São Luís é um desincentivo ao uso da bicicleta e uma indução clara ao uso de automóvel individual, além de contribuir para reduzir a eficiência do transporte público.
Mau uso dos instrumentos de política urbana
O Plano de Mobilidade Urbana está previsto desde 2012 pela Lei nº 12.587. A lei objetiva “a integração entre os diferentes modos de transporte e a melhoria da acessibilidade e mobilidade das pessoas e cargas no território do Município”.
Estes artigos abordam a promoção da mobilidade urbana sustentável, dando preferência a ciclistas e pedestres. Dessa maneira, estabelecem a criação de condições de infraestrutura adequada para essa modalidade de transporte: ciclovia, ciclofaixas e espaços destinados à circulação segura e acessível. Essas medidas visam a segurança e o conforto dos pedestres e ciclistas.
Assim, há uma clara distância entre plano, planejamento e a cidade real, pois as ações voltadas para a mobilidade vão de encontro com as diretrizes do Plano de Mobilidade Municipal, e por vezes segregam e penalizam o ciclista.
Perspectivas para uma cidade mais amigável ao ciclista
E o que fazer para mudar a cidade e torná-la mais amigável ao ciclista? Existem diferentes soluções, e diversas cidades podem dar um norte a planejadores e administradores. Exemplos não faltam. Além das cidades europeias e da já citada Joinville, podemos destacar Buenos Aires e Bogotá.
Na capital argentina, foi investido em infraestrutura viária e monitoramento. Com o acompanhamento das medidas implementadas, o resultado verificado foi de que as avenidas com ciclovias bem projetadas apresentavam movimento bem mais significativo que em vias sem infraestrutura para ciclistas. Na capital colombiana, a iniciativa de transformar mais de 100 km de vias adaptadas para o lazer em ciclovias na pandemia permaneceu mesmo após o seu fim, oferecendo uma alternativa estrutural mais segura e sustentável para trajetos cotidianos de seus cidadãos.
As ciclovias e ciclofaixas da capital maranhense apresentam problemas crônicos que impedem o transporte cicloviário seguro e eficaz: falta de infraestrutura e conectividade são os principais desafios a serem superados. Além disso, a maioria está situada em bairros nobres ou turísticos da cidade — longe da realidade da periferia ou bairros populares.
O primeiro passo parece ser o mais difícil: quebrar a cultura e a premissa de que as distâncias da cidade devem ser privilegiadas para o automóvel individual. Contudo, ele precisa ser dado. As ciclovias e ciclofaixas precisam ser implementadas de forma integrada, levando em consideração estudos que indiquem onde elas são mais necessárias devido à demanda já existente de ciclistas. Assim, em alguns anos, talvez nossa cidade seja menos perigosa para ciclistas e pedestres, e mais humana para todos.
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