Por que é urgente defender a mobilidade para pedestres na agenda política?
Imagem: WRI Brasil.

Por que é urgente defender a mobilidade para pedestres na agenda política?

Valorizar e incentivar a mobilidade a pé é de extrema importância para que possamos alcançar modelos de cidades centrados nos cidadãos.

14 de setembro de 2020

Andar, caminhar, ir a pé. Assim se deslocam pedestres, com a energia do próprio corpo. Usando, quando necessário, bengala, muleta, cadeira de rodas, carrinho de bebê ou qualquer outro dispositivo para realizar esse movimento. A mobilidade a pé fala sobre a condição do movimento de pedestres pelos espaços coletivos, pelos espaços das cidades, em seus diferentes contextos. Movimentos curtos, longos, rápidos ou demorados, que acontecem todos os dias, a todas as horas, em qualquer lugar. Não é à toa que o refrão “somos todos pedestres” é usado em coro pelas organizações que defendem o caminhar: ser pedestre nos une.

Caminhar é a forma de deslocamento mais antiga, natural e inerente ao ser humano. Apesar de ser o meio de transporte mais inclusivo, saudável, econômico e com menor impacto ambiental, ele é ainda o mais negligenciado: as más condições da infraestrutura o tornam inacessível e inseguro. Assim, o caminhar é feito, muitas vezes, pela falta de opções: pela ausência de infraestrutura de transporte público, escassez de recursos para pagar uma passagem ou falta de acesso a outras alternativas, como um carro, uma bicicleta ou, mais recentemente, aplicativos e patinetes. Andar a pé não é, para a maioria das pessoas, motivo de orgulho. Por isso, indivíduos têm dificuldade de se identificar como pedestre: ser pedestre também nos separa.

Vislumbrando as eleições municipais previstas para acontecer no Brasil no segundo semestre de 2020, e entendendo esse momento como oportuno para incidir nos espaços de sensibilização e de formulação de políticas públicas democráticas, é preciso mapear, disseminar e inspirar novas iniciativas que defendam o caminhar. A valorização e o compartilhamento de experiências, somados à articulação desses grupos que atuam pela mobilidade a pé, são vitais para que o movimento se mantenha atuante, especialmente em um contexto político marcado pelo desprezo e desestímulo à atuação das organizações da sociedade civil. Nesse contexto, desenvolvida no âmbito do projeto Como Anda e com a colaboração de diversos grupos e indivíduos, foi lançada a publicação inédita “Andar a pé eu vou: caminhos para a defesa da causa no Brasil” em agosto de 2020, como uma resposta a esses desafios postos que enfrentamos ao defender a mobilidade a pé no país. O documento reúne uma série de experiências nacionais voltadas para a valorização dos deslocamentos a pé.

“As investigações apresentadas na publicação mostram que ainda há muitos passos a serem dados, mas que muitos grupos já estão em marcha! Também abre possibilidades concretas de construirmos melhores condições e visibilidade para as pessoas que se deslocam — e ocupam as cidades — a pé. Esse movimento transita entre o individual e coletivo e encontra ressonância na singularidade, na potência e no valor que cada ação soma à causa. O conteúdo do documento também pode ser percebido como um grande registro, ainda que sintetizado, ou, como o grupo prefere chamar: um grande e inspirador manifesto”, afirma Gabriela Callejas, cofundadora e diretora da Cidade Ativa.

Desvendando o cenário da mobilidade a pé no Brasil

Valorizar e incentivar a mobilidade a pé é de extrema importância para que possamos alcançar modelos de cidades centrados nos cidadãos. De acordo com estudo da Associação Nacional de Transporte Público (ANTP, 2017), somos aproximadamente 130 milhões de pessoas em movimento nas ruas todos os dias no Brasil — cerca de 68% da população brasileira se considerarmos a soma do deslocamento a pé com o transporte coletivo, que geralmente envolve um trecho percorrido a pé. Apesar do marco regulatório brasileiro priorizar meios de transporte ativos, muitas vezes é negligenciado no planejamento e prioridade nas redes de mobilidade urbana de cidades brasileiras.

Ainda que a maior parte da população se desloca a pé ou de transporte coletivo, os veículos motorizados individuais predominam na paisagem dos centros urbanos. Em algumas cidades, chegam a ocupar mais de 80% do sistema viário (IEMA, 2017), seja para circular ou para estacionar, relegando os espaços exclusivos para pedestres ao mínimo. E para piorar: quando existentes, os passeios não têm sequer dimensões adequadas. Em São Paulo, por exemplo, 41% das calçadas não têm a largura mínima exigida por lei (MEYER, 2019).

Essa inversão de prioridades entre a mobilidade motorizada e a mobilidade ativa causa resultados trágicos, direta e indiretamente. O número de pessoas que morrem em decorrência de colisões no trânsito anualmente no Brasil é absurdo: em 2018, foram mais de 30 mil, dos quais mais de seis mil pedestres (Ministério da Saúde, 2018). As mortes decorrentes de doenças ou complicações respiratórias, causadas ou agravadas pela poluição atmosférica, ocupam um patamar ainda mais alto: quase 45 mil por ano (Ministério da Saúde, 2018).

A lista dos prejuízos causados pelo protagonismo dos veículos motorizados nas ruas brasileiras não para por aí: são responsáveis por grande parcela das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e da poluição atmosférica. No Brasil, o setor de energia é responsável por 21% do total de emissões de GEE. Desses, as atividades de transportes ocupam o primeiro lugar: com 49% do total das emissões — ou seja, 200,2 milhões de toneladas emitidas de modo equivalente nas atividades de transporte de carga e passageiros (SEEG, 2019).

Falta de acessibilidade e más condições da infraestrutura da rede de mobilidade a pé dificultam, ou até inviabilizam, o caminhar de muitas pessoas na cidade.
Falta de acessibilidade e más condições da infraestrutura da rede de mobilidade a pé dificultam, ou até inviabilizam, o caminhar de muitas pessoas na cidade. (Imagem: Fabio Miyata, 2018)

A valorização da mobilidade a pé deve acontecer, então, em dois espaços: junto à sociedade civil, a partir da sensibilização quanto aos desafios e benefícios da caminhada; e junto aos governos, apoiando a formulação de políticas e projetos inclusivos que garantam acessibilidade, segurança, conforto, conectividade com outros meios de transporte e atratividade nos trajetos de pedestres. Esses são os grandes objetivos que inspiram as organizações e indivíduos que defendem a mobilidade a pé nas cidades brasileiras.

A publicação inédita, interativa e digital, traz estudos de caso detalhados de incidência política na mobilidade a pé

Temos uma longa jornada, mas já demos alguns passos rumo ao avanço e fortalecimento do movimento pela mobilidade a pé no Brasil. Muitos grupos tiveram que explorar novos caminhos e inovar sua forma de atuar. Tiveram que olhar para trás, voltar, testar novos rumos ou aperfeiçoar as trilhas percorridas. Enquanto isso, outros puderam trilhar caminhos já conhecidos. É claro que cada lugar e cada contexto pedem formas de caminhar distintas, mas a investigação resumida na publicação revela que, ainda que os espaços de troca sejam poucos e informais, e que o movimento em prol da mobilidade a pé esteja em fase incipiente, existe um fluxo de informações e de intercâmbio de experiências que permitiu que muitos grupos tenham adotado estratégias, táticas e ferramentas similares. 

A publicação, digital e interativa, foi estruturada e alimentada com conteúdo que possa inspirar e auxiliar leitoras e leitores a desvendar o cenário da mobilidade a pé, com abordagem introdutória sobre o que significa defender o tema na agenda política e apresenta um mapeamento com mais de trinta ações no Brasil que fortaleceram o caminhar nesse cenário. Cinco experiências de estudos de caso são organizadas a partir da identificação de quatro estratégias, apresentadas em profundidade no capítulo “Passo 2 – explorando as ações” e que traz indicações das principais táticas e ferramentas que os grupos utilizaram nas ações para fortalecer o tema na agenda política. Na sequência, o documento traz um amplo cardápio dessas táticas e ferramentas, identificadas a partir dos estudos de caso apresentados em detalhes, para que pessoas interessadas possam se apropriar e identificar quais e como aplicá-las em ações de defesa da mobilidade a pé em suas cidades. 

Mobilidade Pedestres
Publicação reúne conceitos, dados, estudos de caso e traz em detalhe táticas e ferramentas que podem ser utilizadas por grupos e pessoas interessadas em defender o tema. (Imagem: Como Anda, 2020)

Fortalecer essa sinergia é essencial para os próximos passos rumo a um movimento mais forte, unido e que consiga atingir seus objetivos. Com o intuito de contribuir com a construção coletiva do conhecimento necessário para que o movimento possa avançar, ressalta-se a seguir os principais aprendizados da publicação:

• Reconhecer e valorizar todas as formas de defesa da mobilidade a pé;

• Defender a mobilidade a pé é defender cidades para pessoas;

• Compreender que as ruas são territórios complexos que adquirem múltiplas funções ao longo do tempo;

• Desenhar planos de ação e objetivos comuns entre organizações e indivíduos interessados no tema;

• Continuar expandindo e aprofundando o levantamento de experiências;

• Reconhecer as especificidades dos diferentes contextos geográficos, sociais, culturais e econômicos onde surgem essas iniciativas que poderá abrir novos caminhos;

• Vislumbrar as experiências apresentadas como oportunidades de inovação social que podem ser exploradas, adaptadas, replicadas e aprimoradas.

Mobilidade Pedestres
O planejamento da cidade precisa atender às necessidades e habilidades distintas dos habitantes, com espaços versáteis que promovam segurança, acessibilidade e conforto. (Imagem: Cidade Ativa)

A defesa de um modelo de cidade mais inclusiva já era urgente antes mesmo da pandemia causada pela COVID-19, mas agora se tornou inadiável. Na incerteza sobre como voltaremos a ocupar os espaços públicos, fica mais evidente a necessidade de repensar o ambiente construído e investir em novas políticas e infraestruturas que possam atender várias agendas e enfrentar crises que já estavam postas. A cidade que prioriza os deslocamentos a pé permite que pessoas voltem a sair às ruas, frequentem os espaços públicos, trabalhem e realizem suas atividades do cotidiano de forma segura.

Leia a publicação na íntegra.

Sobre o projeto Como Anda 

Como Anda é o ponto de encontro de organizações que promovem mobilidade a pé no Brasil, fruto de uma parceria entre as organizações Cidade Ativa e Corrida Amiga e apoio do iCS (Instituto Clima e Sociedade) e tem o objetivo de criar um ambiente fértil para o empoderamento desses grupos, disponibilizando dados e disseminando informações sobre iniciativas e projetos e promovendo oportunidades para trocas e parcerias.

Sua ajuda é importante para nossas cidades.
Seja um apoiador do Caos Planejado.

Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.

Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.

Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.

Quero apoiar

LEIA TAMBÉM

Desafios e soluções na concessão de parques

Parques públicos são fundamentais para as cidades e o meio ambiente, mas sua manutenção disputa espaço no orçamento com outras áreas prioritárias, como saúde e educação. Para reduzir despesas, o Poder Público tem realizado parcerias com a iniciativa privada. No entanto, as consequências desse modelo ainda precisam ser melhor avaliadas.

COMENTÁRIOS

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.