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Nos últimos dias, circulou nas redes sociais um vídeo mostrando várias bicicletas elétricas na frente de uma escola no Leblon, um dos bairros mais caros do Brasil. Dado que a maioria das escolas de alta renda no país possuem estacionamentos enormes e engarrafamento de carros na entrada e saída, a opção pela bicicleta, neste caso, surpreendeu.
A discussão subsequente girou em torno de comentários como: “isso é só porque a bicicleta elétrica está na moda” ou “esse tipo de veículo é perigoso e não é como uma bicicleta normal”. Mas o fato é: essas pessoas, que poderiam facilmente estar usando um carro particular, optaram por bicicletas. E isso é muito melhor.
Bicicletas elétricas estacionadas na frente de uma escola no Leblon. Foto: Google Earth
Em certa medida, as bicicletas elétricas enfrentam os mesmos problemas das bicicletas convencionais nas cidades brasileiras. Falta infraestrutura adequada e vontade política para construí-la. Os percalços da ciclovia da Av. Afonso Pena, em Belo Horizonte, retratam bem essa realidade, que infelizmente é reproduzida em todo o país.
Porém, por serem veículos motorizados, as e-bikes também são alvo de outras formas de resistência. Muitas vezes são taxadas de elitistas, como um brinquedo caro para adolescentes ricos, ou perigosas, como uma espécie de motocicleta que “invade” ciclovias e calçadas. Em meio aos receios e preconceitos, o potencial que essa alternativa carrega pode acabar sendo deixado de lado nas discussões. Mas temos motivos para acreditar que a bicicleta elétrica é uma ideia que merece ser abraçada nas nossas cidades.
Elas otimizam os benefícios das bicicletas convencionais
As bicicletas elétricas compartilham de praticamente todos os benefícios das bicicletas convencionais. Ocupam um espaço muito menor que os carros, não são poluentes, é o transporte que tem a melhor eficiência de deslocamento em relação ao custo energético, alcançam distâncias maiores do que em uma caminhada e promovem saúde, movimento e contato com o ambiente externo.
Um estudo de Leonard Arning e Heather Kaths na Alemanha mostrou que as e-bikes podem ser mais úteis que as bicicletas convencionais, em alguns casos, por conta da redução do esforço necessário, especialmente em trechos com relevo acidentado. A mesma lógica se aplica aos locais com climas quentes, também a realidade de muitas cidades brasileiras. As e-bikes, portanto, podem mitigar um problema frequentemente mencionado entre aqueles que não enxergam a bicicleta como uma opção viável nos seus deslocamentos diários porque “chegariam suados” ou precisariam do apoio de um vestiário no seu destino.
Para pessoas idosas ou com alguma limitação física, a assistência elétrica pode ser o fator determinante na escolha entre usar uma bicicleta ou outro modal. Além disso, as e-bikes permitem realizar deslocamentos mais longos com menor esforço, o que amplia a área acessível por esse meio de transporte e aumenta suas chances de “competir” com os modais motorizados.
Elas podem substituir deslocamentos de carro e moto
O artigo “How electric bikes reduce car use” (“como as e-bikes reduzem o uso do carro”), de 2024, comparou as escolhas modais entre residências que possuíam simultaneamente carro e bicicleta elétrica e outras que possuíam apenas o carro. As evidências mostraram que as bicicletas elétricas podem levar a uma redução de até 19% nos deslocamentos de carro nas residências que possuem ambas as opções.
Isso significa um menor impacto ambiental e maior eficiência do uso do espaço viário. Enquanto um carro estacionado, por exemplo, ocupa mais de 10 m², uma bicicleta ocupa menos de 2 m² na prática. Além disso, a infraestrutura necessária para ciclovias é muito mais barata e rápida de construir. Esses são benefícios que as bicicletas convencionais já oferecem, mas que podem ser ampliados à medida que as vantagens da bicicleta elétrica se tornam mais convincentes para tirar as pessoas dos carros.
Outro aspecto importante é a possibilidade da bicicleta elétrica ajudar a reduzir os deslocamentos com motocicletas. Por ter um porte e capacidade de carregamento parecidos com os de uma motocicleta, mas também atingir uma velocidade maior que uma bicicleta convencional, a e-bike poderia ser parte da solução de um problema que tem crescido nas cidades brasileiras: a proliferação de mortes de motociclistas no trânsito. Como relata o especialista em mobilidade e segurança viária Diogo Lemos, a motocicleta é um modal que possui riscos intrínsecos, e embora seja importante pensar em infraestrutura e regulamentação para proteger esses motoristas, a real solução seria tornar outros modais mais atrativos, incentivando uma substituição. Atingindo velocidades menores que as motocicletas vendidas no Brasil, as e-bikes poderiam ser uma alternativa mais segura e que também permite o uso das ciclovias, quando disponíveis.
Elas resultam em uma maior segurança no trânsito
Muitos dos argumentos contrários às bicicletas elétricas partem da percepção de que elas seriam perigosas. Porém, é importante observar que o risco individual do uso tende a ser muito menor que o risco coletivo causado por um número maior de automóveis e motocicletas nas ruas. Embora pedestres e ciclistas frequentemente sejam vítimas de acidentes de trânsito, a esmagadora maioria das ocorrências e fatalidades envolve carros ou motocicletas. Se mais bicicletas elétricas nas ruas significar menos carros e motos, todos estaremos mais seguros.
A regulamentação do uso das e-bikes, como a recentemente adotada no Rio de Janeiro, é importante para garantir segurança e previsibilidade. A velocidade, principalmente, que é o maior fator de risco, deve ser limitada. Porém, as legislações devem ser pensadas com cautela para não inviabilizar uma alternativa que pode ser benéfica para milhares de pessoas.
Elas podem ser uma alternativa financeiramente acessível
Embora ainda sejam vistas por muitos como veículos de pessoas de alta renda, os preços das bicicletas elétricas têm caído consideravelmente com o aumento da escala da produção. Já é possível encontrar modelos mais simples em torno de R$ 4.000 – um investimento inferior ao preço da maioria das motocicletas, por exemplo, e com manutenção mais barata.
Para além do preço de aquisição, os custos de operação das e-bikes são praticamente nulos: não é necessário pagar combustível, licenciamento, IPVA ou estacionamentos, tampouco precisa de habilitação específica. Quando comparadas ao valor acumulado de passagens de ônibus ou gastos com aplicativos de transporte para viagens curtas, elas podem ser uma alternativa mais econômica em diversos casos.
Essa equação pode tornar o modal especialmente atrativo para entregadores de aplicativo, uma vez que a bicicleta elétrica pode ser uma alternativa não só mais segura como mais econômica que a motocicleta.
Exemplos promissores
Diversas cidades pelo mundo têm apostado no potencial das bicicletas elétricas para a transformação da mobilidade urbana. Paris, por exemplo, oferece subsídios para a compra de e-bikes e criou programas de compartilhamento desse tipo de veículo. Isso faz parte da sua estratégia para reduzir emissões e melhorar a qualidade de vida na cidade, desestimulando o uso do carro.
Estação de bicicletas elétricas compartilhadas em Paris. Foto: Wikimedia Commons
Nos Estados Unidos, Denver também implementou um programa de incentivos fiscais para cidadãos adquirirem bicicletas elétricas. Após um ano, 71% dos beneficiários responderam em uma pesquisa que passaram a usar menos os seus carros, e mais da metade estava utilizando a bicicleta todos os dias.
Na iniciativa privada, a empresa Wahu Mobility, ao identificar uma insatisfação dos moradores de Tamale, em Gana, com o preço e a confiabilidade do transporte na cidade, enxergou nas bicicletas elétricas uma solução e começou a produzi-las em 2020. Após alguns anos, o negócio se expandiu e também criou a sua própria plataforma de entregas. Hoje, 300 entregadores utilizam as bicicletas e a plataforma possui, inclusive, uma pontuação por segurança, na qual a bicicleta é desligada remotamente caso seja identificado um comportamento arriscado do motorista.
No Brasil, ainda avançamos pouco nesse debate. Mas diante dos desafios das grandes cidades — congestionamentos, poluição, acidentes — é fundamental reconhecer que a bicicleta elétrica pode ser uma alternativa importante. Ao invés de combater ou ridicularizar o seu uso, devemos enxergá-la como uma oportunidade.
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