Podcast #112 | Vida urbana e saúde
Confira nossa conversa com o médico Paulo Saldiva sobre como a vida urbana, a mobilidade e a poluição afetam a saúde das pessoas.
A proposta para o novo Plano Diretor de. Aracaju segue no sentido oposto ao do necessário desestímulo ao uso do carro.
6 de dezembro de 2021A capital do Sergipe, Aracaju, tem a maior frota de automóveis proporcionalmente à população dentre as capitais do Nordeste, e a segunda pior taxa de mortes no trânsito, mas a proposta para o novo Plano Diretor da cidade segue no sentido oposto ao do necessário desestímulo ao uso do carro.
É o que aponta a 15.ª Nota Técnica “Políticas Públicas, Cidades e Desigualdades” do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Cepid/Fapesp).
A NT “Planos Diretores em municípios de porte médio: o caso de Aracaju”, assinada por Matheus Barboza e Diego Tomasiello, ambos pesquisadores vinculados ao CEM, e Mariana Giannotti, pesquisadora e coordenadora da Área de Transferência e Difusão do CEM, traz uma análise sobre a proposta para o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) do município, com foco nas questões sobre o sistema de transporte e acesso à cidade. O estudo analisa temas que foram trazidos em NTs já publicadas pelo CEM para a cidade de São Paulo, em um esforço para avançar em análises de cidades situadas fora do eixo Sul-Sudeste.
“O Plano Diretor deve buscar uma cidade mais sustentável e justa. No entanto, o tema de transporte urbano, fundamental para tal, é abordado sob uma perspectiva já ultrapassada, de busca por uma crescente oferta de espaço para os automóveis, que contraria o novo paradigma da mobilidade urbana sustentável e, inclusive, princípios apresentados na própria minuta inicial”, destaca a NT.
Aracaju se destaca por ter a maior frota de automóveis proporcionalmente à população no Nordeste. O crescimento da frota de automóveis e motocicletas em Aracaju foi de 19% e 46%, respectivamente, na última década.
O PDDU vai no caminho contrário ao de uma oferta racional e eficiente de estacionamentos, ao prever estímulo à disponibilidade de vagas de estacionamento fora do espaço público e diretriz para estabelecimento de áreas de estacionamento público ao longo das vias.
Apesar de a cidade possuir estacionamentos públicos com cobrança, algo que muitas capitais brasileiras ainda não implantaram, existe uma grande diferença entre o valor cobrado de usuários de carros e dos usuários do transporte público.
O Plano prevê números mínimos de vagas exigidos em novos imóveis. Isto impõe “a todos, incluída a maioria que não tem carro, o custo de destinar parte da propriedade para manter carros parados”, alerta a NT. O PDDU permite, também, que o número mínimo de vagas seja aumentado e propõem uma série de incentivos para construção de edifícios garagens, além de prever uma grande expansão da malha viária em áreas classificadas como de Adensamento Controlado ou Restrito.
Apesar de apresentar um sistema de transporte coletivo integrado na região metropolitana, a capital sergipana conta com baixa presença de faixas de ônibus. São apenas 17,8 quilômetros, de acordo com dados de 2018. Além disso, opera em um sistema não licitado e contratualmente precário, com pouco controle sobre a tarifa e a qualidade do serviço.
Segundo a NT, a proposta de minuta do PDDU apresentada não prevê instrumentos que incentivem o adensamento em torno de estações de transporte sobre trilhos ou de corredores de ônibus. Não há mapa indicando onde estão os eixos de transporte de média e alta capacidade existentes ou planejados.
Ainda de acordo com a NT, a prioridade dos modos ativos (a pé e por bicicleta) aparece de forma tímida no PPDU. No site da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), a última atualização do mapa cicloviário é de 2011. Dessa forma, os pesquisadores utilizaram dados mais atuais do Open Street Map, que indica 68 quilômetros de ciclovias, um quilômetro de ciclofaixas e quatro quilômetros de calçadas compartilhadas, atendendo a regiões diversas do município de Aracaju, incluindo as de população de menor e maior rendimento mensal.
O mapeamento revela que cinco dos sete bairros que não têm sistema cicloviário — Palestina, Soledade, Lamarão, Japãozinho e Cidade Nova — estão localizados na zona norte e são habitados pela população de classe social mais baixa e negra, “evidência que aponta a superposição das desigualdades de classe e raça e de pouco acesso da infraestrutura cicloviária”, diz a NT.
Faltam ainda ao PDDU a previsão sobre a ampliação da rede no centro da cidade, local onde se concentram as principais oportunidades e para onde se destina grande parte das viagens, e um olhar para as vagas de estacionamento de bicicletas.
O transporte ativo a pé é tratado da mesma forma que o cicloviário, como adendos às medidas previstas para o sistema viário. O tema pedestres só aparece na seção que trata das passarelas, que muitas vezes são entraves, pois aumentam as distâncias a serem percorridas por eles para garantir fluidez de automóveis.
Os pesquisadores indicam diversos pontos que podem ser aprimorados no PDDU. Ele não aborda, por exemplo, o combate à segregação entre pessoas de diferentes classes, de forma a garantir aos mais pobres acesso a áreas da cidade com melhor oferta de oportunidades.
O PDDU também não explicita instrumentos de planejamento que possam garantir recursos para a construção de habitações de interesse social nem destina recursos de forma a garantir a sustentabilidade de políticas julgadas necessárias. A minuta aborda a possibilidade do uso de fundos o de Mobilidade Urbana, porém não fica claro se eles já existem, quais as fontes de financiamento e para que se destinam.
Outros pontos importantes não abordados no PDDU são as relações com as cidades vizinhas e as mudanças climáticas. Também “faltam propostas para organizar e tornar públicos os dados territoriais que a prefeitura já possui, assim como para a criação de conselhos que possam trazer a sociedade civil para o debate sobre o território”, sintetiza a NT, que relata, por fim, as dificuldades dos cidadãos em exercer a participação cidadã, tanto no modo virtual quanto presencial.
A NT traz sugestões de aprimoramento do PDDU. A primeira é fazer uma revisão do papel do sistema viário e dos estacionamentos, de forma a reduzir os custos gerados pelo transporte motorizado, aprofundando a questão da segurança viária. Sugere também que se trate separadamente os sistemas de transporte público, transporte a pé e transporte cicloviário, incorporando análises de desigualdade nos instrumentos de planejamento. Por fim, aponta a incorporação de regras no zoneamento que incentivem o adensamento em áreas com maior oferta de transporte público.
Publicado originalmente em Centro de Estudos da Metrópole USP em 8 de novembro de 2021.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarConfira nossa conversa com o médico Paulo Saldiva sobre como a vida urbana, a mobilidade e a poluição afetam a saúde das pessoas.
Os diferentes métodos para calcular a densidade de pessoas morando em uma determinada área podem tornar difícil o entendimento desse conceito.
Se hoje o Brasil começasse a urbanizar uma favela por semana, demoraríamos 230 anos para integrar todas as favelas e comunidades às nossas cidades. 230 anos. Ou seja, teríamos de aguardar nove gerações. Por isso, precisamos falar com urgência de soluções transitórias.
O processo de licenciamento ambiental, necessário para a aprovação de projetos nas cidades brasileiras, apresenta diversos entraves na prática.
A mudança recente na forma como o IBGE chama as favelas reflete as transformações ao longo do tempo nesses lugares e vai ao encontro de investigações acadêmicas que apontam o fortalecimento do empreendedorismo.
Iniciado em 1970, o processo de favelização na cidade de Guarulhos foi marcado por processos de migração, ações de retirada de barracos e lutas de resistência.
O domínio de facções no Brasil revela a falência do Estado e a precariedade do urbanismo formal. Transporte, serviços e espaços públicos são moldados por regras paralelas, expondo a exclusão e a desigualdade, enquanto soluções urgentes para a dignidade urbana são necessárias.
Confira nossa conversa com o jornalista Raul Juste Lores sobre o debate urbanístico no Brasil nos últimos anos.
O Coeficiente de Aproveitamento determina a área construída permitida em cada lote da cidade. Apesar de ser um instrumento importante na gestão urbana, a forma como ele é definido e aplicado no Brasil carrega diversas contradições.
COMENTÁRIOS