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Parem de construir viadutos para resolver problemas de mobilidade
No mesmo momento em que o transporte público no Brasil enfrenta sua maior crise, a construção de viadutos aparenta ser uma solução bastante convincente para os problemas de mobilidade urbana das nossas cidades.
Treze anos atrás, o então prefeito de Maceió, Cicero Almeida, inaugurou duas grandes obras na cidade, os viadutos Washington Luiz e João Lyra. A expectativa, na época, era de que ambos trouxessem uma possível solução para os problemas de mobilidade urbana na capital a partir de uma maior fluidez do tráfego na região. Porém, com o passar do tempo, o que se pôde observar foi um aumento da frota de veículos na cidade que trouxe de volta o fantasma dos congestionamentos nos horários de pico, e as obras que prometiam solucionar a mobilidade da cidade já não eram mais suficientes.
Décadas antes, especialistas em planejamento urbano e de transportes já haviam notado que nem todo viaduto seria capaz de resolver o problema de mobilidade urbana de uma região e, em alguns casos, poderia até piorar. Foi nesse sentido que diversos viadutos foram ou demolidos ou desativados ainda no século passado. Exemplos como o viaduto Harbor Drive, em Portland, demolido em meados de 1970, teve sua área convertida em um parque. E a Central Freeway, em San Francisco, demolida após um terremoto danificar parte considerável de sua estrutura e a reconstrução não ter sido cogitada pelo poder público, sendo em seu lugar projetado a Octavia Boulevard, importante e premiada avenida da cidade.
Porém, o melhor exemplo que se tem de demolição de viaduto vem da Ásia, quando, no início dos anos 2000, o então prefeito de Seul, capital da Coreia do Sul, propôs a demolição de um dos grandes viadutos da cidade que passava sobre o Rio Cheonggyecheon. Após a remoção do viaduto, houve um intenso trabalho de recuperação do rio e de todo o seu entorno, transformando a demolição em um marco na história de Seul.
Entretanto, aqui no Brasil, União, Estados e Municípios continuam intensificando os investimentos na construção de viadutos e propagando-os como possível solução para os problemas de mobilidade das cidades brasileiras. Segundo o Ministério da Infraestrutura, somente no ano de 2020, das 92 obras entregues pelo ministério, ao menos 11 envolveram a construção de viadutos.
E mesmo que parte das obras possam ser justificadas por questões relacionadas à segurança viária, um dos principiais problemas é que os viadutos são projetos extremamente caros e causam grande impacto na cidade. Na engenharia, esse tipo de projeto é conhecido como “obra de arte especial”, graças a sua complexidade de elaboração, execução e custo.
Na atualidade, exemplos como o “Viaduto da PRF”, inaugurado em Maceió em 2020, e o “Viaduto do Gancho”, inaugurado em Natal no início de 2021, ambos projetados em área urbana com custos aproximados de R$77 Milhões e R$60 Milhões, respectivamente, comprovam como o alto investimento financeiro é um princípio fundamental nesse tipo de obra.
Para se ter uma noção mais precisa do tamanho dos gastos que envolvem a construção de viadutos, o Elevado Presidente João Goulart, localizado em São Paulo, popularmente conhecido como “Minhocão” e inaugurado em 1971, custou cerca Cr$ 40 milhões de cruzeiros aos cofres públicos, valores hoje que equivalem a cerca de R$400 milhões, e seriam suficientes para a construção de pelo menos dois grandes hospitais.
O mesmo pode ser observado no projeto do Elevado da Perimetral, no Rio de Janeiro, que custou centenas de milhões de cruzeiros na década de 1960 e foi demolido em 2013 e 2014 para a obra dos jogos olímpicos ao custo de aproximadamente R$ 1 bilhão.
Todavia, dificilmente o valor que é investido irá trazer retorno positivos para a população a longo prazo. Isso porque esse tipo de solução parte da premissa incorreta de que, ao ampliar a capacidade viária, alivia-se o trânsito congestionado de uma determinada região e, consequentemente, se reduz o tempo de viagem.
No entanto, o que realmente acontece é que, com o passar do tempo, o trânsito voltará a ficar congestionado, tornando inútil a ampliação viária realizada. Esse efeito é conhecido como demanda induzida, uma espécie de variação da “lei da oferta e da procura”, e é defendido por grandes pesquisadores da área há pelo menos 50 anos, como Anthony Downs e Dietrich Braess — criador do Paradoxo de Braess.
Ele pode ser explicado da seguinte maneira: ao observarem que as vias, que antes eram congestionadas, tiveram sua capacidade viária ampliada — com construção de viadutos ou alargamentos de pistas —, mais motoristas passam a querer utilizar aquelas vias com seus automóveis — para reduzirem seus tempos de deslocamento. Consequentemente, mais automóveis passam a trafegar por aquela via formando novos congestionamentos no trânsito.
Exemplo claro desse efeito no Brasil pode ser observado pelos paulistanos no projeto da “Nova Marginal do Tietê”. Inaugurada em 2010, as obras da ampliação da Marginal contaram com investimentos de R$ 1,3 bilhão, que possibilitaram a ampliação de 23 quilômetros da rodovia, criando três novas faixas para cada sentido de tráfego, quatro pontes e três viadutos, tudo isso com o objetivo de reduzir o número de congestionamentos na região e assim diminuir em torno de 15% o tempo de deslocamento da população.
Porém, em matéria publicada pela Folha de São Paulo em março de 2013, três anos depois da inauguração da obra, verificou-se que os índices de lentidão já tinham superados aos do período anterior ao das obras:
“Em 2011, o índice de lentidão na cidade melhorou 3% no pico da manhã e 5% à tarde, em relação ao ano anterior. Aos poucos, porém, tudo foi ‘voltando ao normal’. Os dados de 2012 mostram que os congestionamentos voltaram a subir, superando 2010 tanto de manhã (10%) quanto de tarde (7%). O aumento ocorreu mesmo após veículos pesados serem proibidos na marginal e em outras vias, em março de 2012. A CET atribui a piora no trânsito ao aumento da frota.“
Posteriormente, o Estadão apurou que os índices de lentidão já tinham subido 80% após cinco anos de conclusão da obra. Desse modo, acreditar que um viaduto, ou uma via alargada vai solucionar problemas de congestionamento de trânsito é um equívoco.
Viadutos podem ser soluções bastante eficientes no âmbito da segurança viária em vias expressas e de alta velocidade, como é o caso das rodovias em áreas não-urbanas, mas não são boas opções para as vias internas de uma cidade.
Ao favorecer o movimento contínuo e a alta velocidade do veículo, os viadutos acabam ocupando grande espaço do solo urbano, fazendo-se necessário a desapropriação de imóveis, removendo a população local o que, consequentemente, cria um vazio na paisagem e deixa o ambiente inóspito para diversas atividades, — essenciais na vida urbana —, com natural desvalorização dos imóveis restantes da região.
Além disso, a maioria dos projetos são planejados apenas levando em consideração o automóvel, ignorando a escala humana e do pedestre. Por isso, é comum nas apresentações dessas obras aparecerem diversas imagens aéreas, mas pouquíssimas do nível de quem passa a pé. Com muito espaço para os automóveis e pouco espaço para o pedestre, viadutos também direcionam a preferência da via para o veículo, virando grandes incentivadores da alta velocidade.
Aqueles que ousam atravessar a barreira urbana podem ser vítimas de atropelamentos, inibindo a maioria da população local de cruzar o espaço, seja a pé ou de bicicleta. Sem vida urbana, os negócios locais encontram dificuldade de se manter e acabam abandonando a região, ampliando ainda mais os impactos negativos desse tipo de construção.
Mas se viadutos são tão ruins para a cidade, por que eles se tornaram tão populares e passaram a ostentar o título do progresso? A resposta é simples: porque nossas cidades foram moldadas por uma forte cultura relacionada ao rodoviarismo, onde o automóvel aparenta ser a melhor solução para todos os problemas de deslocamentos e mobilidade nos grandes centros urbanos.
Desse modo, ao longo de décadas, foram feitos massivos investimentos em infraestrutura rodoviária na expectativa de que se solucionassem o problema crônico da mobilidade urbana.
As obras também priorizavam as regiões ocupadas por classes mais baixas a partir de estímulos federais de “Urban Renewal”, que removia a população de baixa renda — principalmente negra — para abrir as largas vias expressas — em uma “higienização” da região no pior sentido. Na atualidade, os EUA tentam reverter isso a partir de um massivo plano de investimentos em infraestrutura urbana.
É preciso maturidade para compreender que o planejamento urbano e o planejamento de transportes não são ciências exatas e soluções aparentemente óbvias podem não ser as melhores. Se construir casas não resolveu o problema da moradia das cidades brasileiras, construir viadutos e alargar vias certamente também não irá resolver o problema da mobilidade urbana de nenhuma cidade do mundo, muito menos do Brasil.
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PS: o viaduto da Perimetral no Rio foi derrubado, mas no seu lugar foi construído o Túnel Marcelo Alencar, com 3,5 km e por um custo de 4,5 bilhões de reais – e quase exclusivamente para a passagem de carros que cruzam o Centro. Fora os altíssimos custos de manutenção, sobretudo de drenagem, pois ele está abaixo do nível do mar.
Perfeita análise. O problema é que, embora os trabalhos de A. Downs e o paradoxo de Braess já sejam há muito tempo conhecidos, os nossos engenheiros de tráfego insistem em ignorara a ciência. Eu me lembro de ter ouvido uma palestra de um engenheiro do DER nos anos 70, quando eu era estudante de engenharia, em Minas Gerais. Ele provocou risos quando definiu um viaduto como “a distância mais curta entre dois engarrafamentos”. Até quando continuaremos a desperdiçar tanto dinheiro público?
Ótimo artigo, parabéns!!
Porém tenho uma pergunta, visando o uso ainda sim do transporte privado (carro, moto) qual é a solução?
Digamos no caso citado da “Nova Marginal” em SP, o que deveria ser feito para reduzir o congestionamento nos horários de pico?
Obrigado pela leitura, Vinicius. Como respondi abaixo, existe uma série de medidas que podem ser tomadas, mas todas devem partir do princípio fundamental da redução do uso individual do carro. Obviamente, a solução mais fácil é concentrar investimentos e melhoria nos sistemas de transporte público e atrair de volta a parcela da população que saiu do meio de transporte, mas também, existem medidas para aqueles que querem continuar usando o carro, como compartilhamento de viagens, flexibilização de horários para viagens fora do horário de pico e etc.
São muitas coisas, mas são muito chamadas na literatura por “Gestão de Demanda de Viagens” e em breve posso estar trazendo um pouco sobre elas!
O que o Caos Planejado sugere ser feito no lugar dos viadutos?
Na minha cidade, uma vereadora recém eleita tem um projeto de lei que autoriza todas as atividades comerciais de toda a cidade a funcionarem 24 horas por dia, 7 dias por semana (para o pós pandemia). Penso que com isso não haveriam mais os horários de pico. Ou, ao menos, eles seriam diluídos ao longo do maior tempo de funcionamento dos estabelecimentos comerciais. O que acham? O que sugerem?
Obrigado pela leitura, Maykon. Essa é uma discussão complexa e não acredito que a mesma solução da Coreia do Sul, por exemplo, pode ser replicada em qualquer cidade do mundo, cada cidade tem sua peculiaridade e deve ser analisado aspectos econômicos e sociais de cada proposta.
As medidas que você descreveu são bastante interessantes, elas já são estudadas pela literatura de transporte, são chamadas de “Gestão de Demanda de Viagens”, existem vários estudos sobre os benefícios delas para a mobilidade, mas ainda são bem difíceis de serem implantadas, assim como o Teletrabalho. Elas ajudam sim a diminuir o congestionamento e principalmente a super lotação dos ônibus, mas é preciso cautela, elas por si só não resolvem o problema de mobilidade das nossas cidades, são parte de um leque de opções que podemos utilizar.
Abraços!
PS: o viaduto da Perimetral no Rio foi derrubado, mas no seu lugar foi construído o Túnel Marcelo Alencar, com 3,5 km e por um custo de 4,5 bilhões de reais – e quase exclusivamente para a passagem de carros que cruzam o Centro. Fora os altíssimos custos de manutenção, sobretudo de drenagem, pois ele está abaixo do nível do mar.