Reformar o estacionamento fora da via pública é a chave para reduzir as emissões
É preciso implementar mudanças contra a perpetuação da oferta excessiva de vagas de estacionamento em áreas urbanas.
A maioria dos tomadores de decisão e formadores de opinião ainda têm a crença de que reduzir as faixas de tráfego piora o trânsito.
26 de abril de 2021A construção de ruas ao longo do século XX foi baseada principalmente na premissa de que mais infraestrutura facilita o trânsito. Porém, evidências mostram que, em vez de reduzir o congestionamento, construir mais ruas na verdade aumenta o tráfego. Quando se reduz o tempo dos deslocamentos feitos de carro, aumenta a conveniência — com isso, em paralelo ao apelo exercido pelo veículo particular como indicador de riqueza e posição social, as pessoas tendem a fazer mais viagens de carro.
Um estudo recente de pesquisadores da Universidade de Barcelona analisou dados de 545 cidades europeias entre 1985 e 2005 e confirmou que os esforços empreendidos ao longo dessas duas décadas para ampliar a capacidade das ruas levaram ao aumento do tráfego de veículos, e não à redução, e os congestionamentos não foram amenizados.
Um efeito contrário à geração de tráfego é o fenômeno chamado de “evaporação do tráfego”: o trânsito que desaparece quando o espaço viário é realocado dos veículos particulares para os modos de transporte mais sustentáveis, como caminhada, bicicleta e transporte coletivo. Embora a evaporação do tráfego seja estudada e bem documentada há mais de 20 anos, a maioria dos tomadores de decisão e formadores de opinião ainda têm a crença de que reduzir as faixas de tráfego piora o trânsito.
Em 2001, Cairns, Atkins e Goodwin publicaram um artigo na revista Municipal Engineer com a análise de 70 estudos de caso de redistribuição de espaço viário, incluindo depoimentos de 200 engenheiros e planejadores de tráfego de diversos países. Os pesquisadores concluíram que a previsão de um trânsito caótico como resultado da realocação do espaço ocupado pelos veículos era, na maioria das vezes, alarmista. Na prática, as pessoas ajustaram seu comportamento de uma forma que os modelos de tráfego não conseguiam prever com precisão. Quando as faixas foram redistribuídas entre os carros e modos de maior capacidade — calçadas, ciclovias e faixas de ônibus ou ferrovias —, os conflitos no trânsito foram menos graves do que o esperado e o volume de tráfego diminuiu de forma significativa.
Claro, esse efeito registrou variações consideráveis dependendo do contexto e das condições de cada local e de como os projetos foram planejados e implementados. Porém, de forma geral, os resultados foram mais positivos do que negativos. Não houve um apocalipse no trânsito. Na maioria dos casos, o tráfego diminuiu não apenas nas vias onde a redistribuição foi implementada, mas também nas ruas próximas. De 63 áreas, 51 registraram reduções de tráfego entre 147% e 0,1%, com uma redução média de 22%. E em apenas 12 casos houve aumento no tráfego, variando entre 0,4% e 25%.
Por que isso aconteceu? De acordo com os autores do estudo, os projetos de vários casos incluíram novos planos de gestão de tráfego, com medidas como a coordenação dos semáforos, para tornar o trânsito mais eficiente. Em muitos casos, porém, os motoristas mudaram não apenas seu trajeto, mas também o horário de saída, “nivelando” os picos nos tempos de viagem. Outros motoristas mudaram destinos (por exemplo, fazer compras em um local diferente), consolidaram viagens (um conceito também conhecido como “encadeamento de viagens”), compartilharam o carro com outras pessoas ou passaram a optar pelo teletrabalho com mais frequência. Meses depois das intervenções, mais pessoas começaram a se mudar e a trabalhar nas áreas com maior acesso a outros meios de transporte além dos carros, e até mesmo incorporadores mudaram seus planos. A redistribuição do espaço viário, ao que parece, desencadeou mudanças de comportamento e a quebra de hábitos associados ao uso do carro particular que de outra forma não teriam se rompido.
Mais recentemente, cidades na Europa e algumas áreas urbanas nos Estados Unidos e no Canadá também confirmaram esse efeito, muitas vezes por meio de iniciativas ainda mais enérgicas de realocação de espaço.
A transformação da Times Square, em Nova York, em uma área exclusiva para pedestres em 2009 é um dos exemplos mais notáveis. De acordo com as autoridades locais, desde que a área foi fechada ao trânsito, o número de pedestres feridos em acidentes caiu 40% e o de acidentes de trânsito, 15%. Em Londres, em 2019, uma ponte sobre o rio Tâmisa foi fechada devido a problemas de manutenção, e a imprensa previa o caos total. No entanto, os níveis de ruído e poluição do ar reduziram de forma significativa na área no entorno da ponte. Efeitos semelhantes foram observados depois da “pedestrianização” do centro de Copenhague e da implementação de sistemas inteligentes de gestão de estacionamento em São Francisco e Zurique. Um dos casos mais emblemáticos é a demolição da via expressa elevada de Cheonggyecheon em Seul, na Coreia do Sul. Apesar das preocupações de que a demolição agravaria os problemas de trânsito, o temido aumento dos congestionamentos nunca chegou.
Tudo isso não significa que as cidades não precisam de uma conectividade viária adequada entre as áreas rurais e urbanas e com outras cidades. No entanto, reduzir o espaço viário dos carros nas regiões mais densas e, ao mesmo tempo, melhorar as áreas destinadas a caminhada, bicicleta e transporte coletivo não gera o caos que muitos imaginam. Na verdade, é uma forma mais sustentável e equitativa de melhorar a mobilidade em cidades densas e em rápido crescimento.
Artigo publicado originalmente em TheCityFix em 18 de fevereiro de 2021 e traduzido para português pela WRI Brasil.
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