Lições da ciclovia da Afonso Pena, em Belo Horizonte
A pesquisa em Belo Horizonte mostra que muitas resistências comuns às ciclovias são, na verdade, equivocadas e sem fundamento.
Incluir o transporte informal nos planos de recuperação pode ajudar o trânsito e as cidades como um todo a serem mais justos, inclusivos e sustentáveis.
7 de junho de 2021As crises geralmente provocam mudanças na maneira como nos movemos. A prosperidade pós-guerra fez do automóvel um item doméstico e um estilo de vida. A crise fiscal e petrolífera global dos anos 70 trouxe um boom de bicicletas de curta duração e uma retirada dos dólares das cidades para o transporte público. E a crise financeira de 2008 preparou o caminho para que o capital de risco no Vale do Silício estourasse, apoiando novas plataformas como Uber e Waze.
Mas a pandemia pode representar a maior perturbação. Ao contrário das crises do passado, o vírus foi um ataque direto à mobilidade moderna em si — restringindo como nós nos deslocamos em nossos bairros, cidades e no mundo. Vimos um recorte do que poderiam ser tendências duradouras. A queda no número de passageiros no transporte público, e a questão de se o trabalho remoto irá ameaçar um retorno total. A mudança de formas compartilhadas para formas individuais de mobilidade, como caminhada, ciclismo e, sim, mais carros. E um aumento sem precedentes de veículos de entrega em nossas ruas.
Entretanto, outra modalidade também está recebendo uma recém-descoberta atenção. O transporte informal — modo “não oficial” ou não regulamentado que domina as cidades do sul global — serviu por muito tempo como chave para oportunidades e serviços básicos para moradores das cidades, seja para achar um emprego, ter acesso à educação, ou conectar-se com serviços de saúde ou creche. Isso não parou durante a Covid-19; na verdade, os sistemas, amplamente utilizados pelos mais marginalizados, desempenharam um papel fundamental para muitos habitantes urbanos. Mas, assim como o transporte formal, a indústria sofreu — contudo sem a mesma rede de segurança para ampará-los.
Tanto antes quanto durante a pandemia, os pesquisadores da PEAK Urban, uma iniciativa de pesquisa de cinco instituições com sede na Universidade de Oxford, analisaram elementos dos serviços de transporte menos formais e de baixo custo em vários diferentes contextos: a quem eles servem, quais dificuldades eles enfrentam e onde eles são mais úteis. E conforme a discussão segue adiante na estratégia “building back better” ou “reconstruir melhor”, seus insights fornecem lições de como as cidades podem se recuperar de forma mais justa e sustentável que antes.
No sul global, o transporte informal é, em parte, um legado duradouro de outra crise: os ajustes estruturais da década de 80, quando empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial forçaram cortes de orçamento mesmo enquanto a população crescia, e operadores “não-estatais” preencheram as lacunas. Esse foi o caso em Abidjan, o coração da economia da Costa do Marfim. “As crises parecem sempre provocar expansão e desenvolvimento para os setores informais”, diz Jacob Doherty, um pesquisador da PEAK que focou a sua pesquisa lá.
Em Abidjan, isso toma forma de três modos gerais, fala Doherty. Existem os gbaka, ou micro-ônibus que se deslocam em rotas fixas mais longas; um serviço de táxi comunitário do tipo “vaquinha” cujos destinos são geralmente determinados pelo próximo passageiro da fila; e os salonis, um táxi-triciclo emergente. A pandemia restringiu passageiros, mas não debilitou a indústria, acrescenta Doherty, devido em grande parte ao confinamento no país.
Para sua pesquisa de campo, Doherty acompanhou mães que contavam com esses meios para levarem seus filhos para a escola. As mulheres, disse ele, raramente vão ao centro da cidade e, ao invés disso, fazem pequenas viagens periféricas — trajetos muitas vezes esquecidos no planejamento do transporte, que tende a enfatizar a economia. “Um urbanista disse explicitamente ‘Elas (mães) não ficam em casa? Você deveria estar observando como as pessoas vão e voltam do trabalho’”, relatou Doherty.
Nesse sentido, ele argumentou que as mães em Abidjan já vivem na tão proclamada “Cidade de 15 minutos”, uma tendência cada vez mais popular que prevê que os moradores tenham a capacidade de realizar todas as suas atividades essenciais com uma curta caminhada ou de bicicleta. Mas os principais projetos de infraestrutura em andamento — novos ônibus de trânsito rápido, novas linhas de metrô — ainda estão focados no centro da cidade, disse ele. Entender onde o transporte informal está concentrado poderia adicionar uma peça crucial de equidade. (Nisso, a Agência Francesa de Desenvolvimento, ou AFD, está atualmente financiando uma iniciativa de mapeamento com o WRI e outros parceiros que visa mostrar as mudanças em curso tanto para os operadores formais quanto pra os informais, em um esforço para encorajar um planejamento coeso.)
A cidade desempenha um papel parcialmente regulatório com os gbaka, designando diferentes zonas e rotas, mas um papel mais secundário com os táxis compartilhados e os salonis. Uma abordagem ativa — encorajando empregos liderados por mulheres em áreas periféricas, ou eletrificação acessível, mas economicamente viável — poderia ajudar a cidade a atingir objetivos maiores.
“Com esse tipo de coisa, há muito mais espaço para experimentação e apoio para pensar sobre como isso pode ser vinculado às transições de descarbonização de longo prazo”, diz Doherty, “e à criação de trabalho bom e digno para as pessoas envolvidas”.
Na Índia, o último ponto está gerando manchetes, como demonstrado pelas últimas greves contra a Amazon em todo o subcontinente. Junto com o professor Tim Schwanen, a pesquisadora Lucy Baker focou em como carteiras eletrônicas e plataformas digitais, como Uber e Ola, estão revirando a indústria dos tuktuks na Índia — tendências só aceleradas pela Covid.
As novas tecnologias devolvem algum poder aos operadores, fala Baker, em termos de auto-seleção de horários e contornando grupos territoriais. Mas não sem problemas acerca das práticas trabalhistas justas. (O pesquisador da PEAK, Bhawani Buswala, documentou as dificuldades enfrentadas pelos motoristas durante a pandemia). As plataformas sem dúvida terão uma presença significativa na vida urbana por algum tempo. Portanto, as cidades deveriam aproveitar o momento para aprimorar meios precários de subsistência.
Por exemplo, a polícia costuma ter como alvo os tuktuks, cita Baker. Embora a repressão deva ser minimizada, essas multas podem também ser aplicadas em causas mais produtivas — como treinar os motoristas que trabalham com dinheiro em espécie e seus cônjuges para a utilização das novas plataformas. Ou facilitar o conhecimento das próprias multas, por meio de software de reconhecimento de voz. “Essas multas começam a acumular, e eles não têm conhecimento delas”, diz Baker. “Se essa informação pudesse ser mais acessível, isso certamente ajudaria com a gestão financeira”.
O transporte informal desempenha outro papel fundamental — ele ajuda a tirar as pessoas dos carros.
Pesquisadores da PEAK em Pequim descobriram que os moradores das periferias urbanas estão muitas vezes sujeitos ao fenômeno de “posse forçada de carro”, no qual eles devem suportar os custos econômicos de um automóvel devido ao acesso limitado a empregos e serviços, como o transporte público. “O tempo e custo de viagem nas periferias urbanas são significativamente maiores que nas áreas urbanas e rurais”, eles disseram. Os residentes estão morando nela, todavia desconectados de sua própria cidade.
Mas o transporte informal pode chegar lá rápido. E quando mudanças acontecerem, como vimos no último ano, elas algumas vezes podem ser mais responsivas que os sistemas construídos. “Cidades mudam muito rapidamente”, fala Baker. “Então veja Bangalore, que evoluiu muito mais rápido do que o sistema de transporte público foi capaz de acompanhar, em termos de desenvolvimento. Ele está se atualizando agora com novos serviços de metrô, mas eles de certa forma removem o tuktuk como o modal alimentador da última milha”.
Durante a sua vida, Rafael Prieto Curiel, um pesquisador da PEAK baseado na Cidade do México, diz que viu a população na capital do país quase dobrar, para aproximadamente 22 milhões. Mas o número de carros no Distrito Federal da Cidade do México deu um salto ainda mais rápido. “Duas vezes o número de pessoas, quatro vezes o número de carros”, diz Prieto Curiel. “A cidade virou um estacionamento”.
Essa é a história de incontáveis cidades no sul global, onde a gasolina barata e subsidiada e as exportações usadas ajudaram a causar uma explosão no uso do carro nos últimos anos, levantando preocupações acerca do congestionamento e da poluição, ao mesmo tempo que ameaça objetivos maiores de sustentabilidade. A pandemia poderia piorar a tendência.
Conforme as notícias em torno do transporte público ficaram negativas, Prieto Curiel e seus colegas questionaram: onde o uso do transporte público termina, e o uso do carro começa? Pesquisas mostram que se os trajetos de carro são muito mais rápidos, a maioria dos usuários gravita em torno deles. Mas se o trânsito público é igual ou mais rápido, a escolha não é tão óbvia.
Usando um modelo baseado no tempo e na conveniência, eles concluíram que aumentar a eficiência poderia ser um caminho futuro para o transporte público. Aliviar todas as barreiras, desde o pagamento sem contato até o serviço confiável, e evitar travas no sistema. A pandemia foi um exercício oposto, já que a capacidade limitada significava um serviço menos frequente, desacelerando as viagens e tornando o carro atraente. “Acrescente máscaras faciais, checagem de temperatura, higienizadores de mãos”, cita ele. “Esses tempos somam uma grande parte que nós estamos pagando como tempo de deslocamento”.
O transporte informal, ele argumenta, pode ajudar. Talvez seja um mototáxi para um ônibus, com plataformas de pagamento e horários coincidentes. Ou faixas especiais para táxis compartilhados ultrapassarem por automóveis com motoristas individuais. Qualquer coisa que ajude a tornar a experiência mais dinâmica. “Eu acho que isso vai atrair as pessoas agora”, defende Prieto Curiel.
O trânsito precisa ser mais equitativo, inclusivo e sustentável — uma pandemia global não deveria ter que nos dizer isso. Mais uma vez, operadores informais demostraram seu imenso valor em cumprir esses objetivos, embora muitas vezes em detrimento deles mesmos. As cidades não devem cometer esse erro novamente: incluir o transporte informal nos planos de recuperação pode tornar a vida melhor para todos os principais atores que compõem as nossas paisagens urbanas — passageiros, operadores, agências, e os lugares que eles chamam de lar.
Agora cabe às cidades decidir o que vem a seguir.
Artigo publicado originalmente em TheCityFix em 15 de abril de 2021. Traduzido por Roberta Inglês.
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Olá Nazareno, obrigado pela leitura.
Publicamos um conjunto de sugestões para evitar o colapso do transporte coletivo pós-pandemia que faz um aparado histórico da crise nos transportes, abordando, assim, o papel do transporte informal nas cidades brasileiras. Nossa sugestão não é manter esses transportadores na ilegalidade ou clandestinidade, muito pelo contrário: deveriam ser regularizados, fiscalizados e incorporados como uma alternativa de fato ao sistema de transportes. Citamos, na ocasião, estudos da WRI e do Robert Cervero mostrando a importância deste novo modal, mais flexível e dinâmico, para a mobilidade urbana.
https://caosplanejado.com/como-evitar-o-colapso-do-transporte-coletivo-pos-pandemia/
Abs,
Anthony
Esse artigo é um incentivo a um modal , que diferente que fala o autor, o transporte informal-para nós clandestino- opera em areas de demanda garantida, não aceita gratuidades de idosos, pessoas com deficiência e estudantes e conforme o sistema de transporte for morrendo -deixando de operar eles vão ocupando esse espaço. os bairros afastados-diferente que fala o artigo deixarão de ser atendidos e vai aumentar para eles os deslocamentos a pé e bicicleta para atingir seus destinos. Péssima contribuição para o Brasil que está ameaçado de um apagão do serviço de transporte regular