Podcast #105 | Arborização urbana
Confira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Tornar o serviço gratuito para o usuário significa gastar dinheiro com subsídios de outras fontes, deixando de atender outras necessidades, como expansão das linhas e da infraestrutura de acessibilidade.
4 de julho de 2022De tempos em tempos, há pessoas que propõem transporte público gratuito. Os apoiadores têm uma variedade de motivos, incluindo uma tentativa de comparar com carros, socialismo ideológico, externalidades positivas e a eficiência de se livrar da cobrança de tarifas.
Na realidade, tornar o serviço gratuito para o usuário significa gastar dinheiro com subsídios de outras fontes — dinheiro que poderia ser gasto em outras coisas ao invés de zerar as tarifas. Existem custos de oportunidade, e redes robustas de transporte público não ganham muita eficiência por serem gratuitas. Se há dinheiro para tornar o serviço gratuito, há dinheiro para gastar em melhorias do serviço, incluindo mais linhas de metrô, maior frequência e acessibilidade para cadeiras de rodas onde isso ainda não está presente.
Uma tempestade de tweets inclui referências a vários estudos sobre este assunto:
• Depois que Tallinn, na Estônia, tornou sua rede de transporte público gratuita para os moradores da cidade, o número de passageiros aumentou 10%, enquanto o tráfego de carros caiu 15%.
• Os experimentos de Trenton e Denver, ambos nos EUA, na década de 1970 com tarifas gratuitas fora do horário de pico levaram a um aumento geral de 15% no número de passageiros e 45% fora do horário de pico, mas a nenhuma mudança no tráfego de carros — o número de passageiros foi totalmente induzido.
• Um relatório de Jennifer Perone citando exemplos americanos, incluindo Trenton e Denver, bem como o experimento de Austin de 1989–1990, conclui que “é quase certo que a implementação de tarifas gratuitas não seria apropriada para sistemas de trânsito maiores”, citando “joyriding” (uso do transporte de forma irresponsável por prazer ou diversão) e um aumento no assédio em Austin ao invés de qualquer mudança no tráfego motorizado.
Um argumento para viagens gratuitas é que ele simplifica as operações porque não há necessidade de cobrança de tarifa. A entrada pela porta da frente e o pagamento dos motoristas retardam o embarque no ônibus — cada passageiro leva de 2,6 a 3 segundos para embarcar. Os sistemas de trânsito rápido também sofrem com a complexidade da infraestrutura de cobrança de tarifas: as fileiras de portões de acesso criam pontos de estrangulamento e exigem manutenção, e geralmente as companhias de transporte também precisam contratar agentes de estação para vigiar os portões.
No entanto, a aplicação de tarifa de comprovante de pagamento, ou “POP” (“proof-of-payment”) — sistema baseado em honra no qual não se verifica a passagem de cada pessoa, mas ela deve carregar consigo um comprovante e ocorrem inspeções aleatórias contra a evasão de tarifa —, contorna a maioria desses problemas.
Se os passageiros não precisam pagar na entrada, tudo fica muito mais simples: eles podem embarcar nos ônibus de qualquer porta e entrar no trem sem cruzar os portões. Berlim tem embarque em todas as portas e estações de U-Bahn abertas e sem funcionários. Existem máquinas de venda de passagens, que não são gratuitas, mas são baratas. Há inspetores de tarifas trabalhando em consignação — eles são pagos pegando passageiros não pagantes.
A New York City Transit teve US$ 9,1 bilhões em despesas operacionais e de manutenção em 2016 e US$ 4,3 bilhões em receita de tarifas. A Ile-de-France Mobilités tem um total de cerca de 10 bilhões de euros em despesas operacionais e de capital anuais, com cerca de 10% disso sendo capital e o restante operacional, e 2,8 bilhões de euros em receitas de tarifas. Em 2015, o BVG teve uma receita total de transporte de 1,344 bilhão de euros e um subsídio adicional de 620 milhões de euros.
Em todas essas cidades, se há dinheiro para a eliminação da tarifa, há dinheiro para mais melhorias no serviço. Um grupo de defesa dos direitos dos deficientes em Paris estima o custo de tornar o metrô acessível em 4-6 bilhões de euros, ou 1,5-2 anos de tarifas. Os custos de construção parisienses para novas extensões do metrô são tais que o orçamento para tarifas gratuitas poderia ser gasto na adição de cerca de 14 quilômetros anuais de novos túneis. Em Berlim, uma terceira linha-tronco do S-Bahn no sentido noroeste-sudeste exigiria cerca de um ano e meio de tarifas atuais para ser construída. O aumento de serviço para garantir a frequência de 5 minutos em todas as linhas-tronco, mesmo nos finais de semana e à noite, exigiria um pequeno aumento nas despesas operacionais.
Os custos de construção de Nova York são muito mais altos do que os de Paris e Berlim, e até mesmo seus custos operacionais são elevados, mas também são cobradas tarifas mais altas. Se há US$ 4,3 bilhões por ano para tarifas gratuitas, há menos US$ 4,3 bilhões por ano para aumentar a frequência fora de pico em cada rota nomeada (2, 4, A, etc.) para no máximo 6 minutos, com frequências de 2 e 3 minutos fora do horário de pico nas linhas-tronco interligadas. Tal como acontece com Paris, há também uma extrema necessidade de acessibilidade para cadeiras de rodas. Em razão dos altos custos, a instalação completa não custaria apenas 1,5-2 anos de receita de tarifa, mas cerca de 3 anos.
A discussão acima se concentra nos lugares onde a maior parte do transporte público acontece — ou seja, em cidades com sistemas sérios de transporte público. O argumento muda completamente em cidades menores, que circulam o ônibus ocasionalmente, mas não na velocidade, cobertura ou frequência necessárias para que ele conte como uma rede de transporte público real.
Na Alemanha não há transporte gratuito, mas a diferença da aplicação de tarifas entre cidades grandes e pequenas é reveladora: apenas cidades relativamente grandes têm sistemas de comprovante de pagamento (“POP”). A pequena cidade alemã faz com que os passageiros de ônibus paguem a passagem ao motorista e operam trens com condutores verificando as passagens. A razão é que os inspetores itinerantes só conseguem trabalhar em sistemas com frequência e cobertura suficientes, senão não conseguem embarcar em ônibus e trens com eficiência para verificar as passagens.
Se o sistema “POP” não for possível, o custo da cobrança das tarifas aumenta: os ônibus são desacelerados por cada passageiro que embarca e os trens exigem um segundo membro na tripulação. Esses sistemas geralmente têm uma recuperação de caixa de tarifa muito baixa em primeiro lugar e um perfil de passageiro de renda muito baixa, já que todos que podem dirigir dirigem ao invés de esperar 25 minutos pelo ônibus. Em Los Angeles, a receita total da tarifa do Metro (que inclui a maioria dos ônibus) é de US$ 350 milhões por ano e as despesas totais de operação e manutenção chegam a US$ 1,57 bilhão, e o passageiro médio do transporte público tem cerca de metade da renda média de um motorista comum. Nesse caso específico de uso, tornar o transporte público gratuito pode ser justificado.
A única ressalva é que, se o plano é converter uma cidade sem transporte público para uma com um bom sistema, por exemplo em Los Angeles, então no futuro a receita se tornará mais importante. Mesmo que o transporte público gratuito seja uma boa ideia nas condições de 2019, pode não ser uma ideia tão boa nas de 2035, pelo menos se os grandiosos planos de transporte urbano se materializarem (e eu não acho que eles vão, o estado da governança local americana simplesmente não é bom o suficiente para as cidades seguirem adiante).
Artigo publicado originalmente em Pedestrian Observatory em julho de 2019. Traduzido por Roberta Inglês.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarConfira nossa conversa com a engenheira florestal Isabela Guardia sobre arborização urbana.
Na perspectiva do desenvolvimento econômico, vemos que alguns aspectos da configuração urbana de São Paulo são excludentes.
Banheiros públicos são investimentos essenciais para garantir a qualidade dos espaços públicos nas cidades.
A pesquisa em Belo Horizonte mostra que muitas resistências comuns às ciclovias são, na verdade, equivocadas e sem fundamento.
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
Pelos números apresentados, fica claro que o transporte público, principalmente os metrôs, são deficitários. É claro também que mobilidade urbana é uma questão de inclusão social, assim como a educação, a saúde e a moradia. Como não há almoço grátis, é preciso criar receitas adicionais para, pelo menos as passagens do transporte público sejam acessíveis a maioria da população. Assim, acho perfeitamente justo que o usuário do transporte individual subsidie o transporte público, como por exemplo, através do IPVA, Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.