Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Quais são os efeitos indesejados produzidos pelas políticas de habitação a preços acessíveis?
21 de setembro de 2020O zoneamento inclusivo — a exigência de que os incorporadores imobiliários incluam, em novos projetos, unidades com taxas abaixo do mercado — tem crescido nas cidades dos EUA desde os anos 1970. Tanto as cidades em crescimento acelerado quanto as que estão encolhendo têm se voltado para essa política com a esperança de aumentar o acesso a moradia para famílias de baixa renda. Porém, ao encarecer as outras construções que permanecem dentro do preço de mercado, o zoneamento inclusivo tem o potencial de reduzir o acesso a moradia. Essa política popular poderia, então, estar alcançando o oposto de sua meta em melhorar o acesso a habitação?
Como o próprio nome indica, o zoneamento inclusivo é enquadrado como um antídoto para o zoneamento excludente, o qual exclue as famílias de baixa renda de bairros e cidades mais caros. O zoneamento inclusivo se propõe a alcançar isso obrigando os desenvolvedores a subsidiar novas moradias para famílias de baixa e média renda. Por si só, tal proposta não faz nada para lidar com as políticas de exclusão que vieram antes e acaba por aumentar o custo da construção de moradias nos preços de mercado.
Em um artigo de 1981, o jurista Robert Ellickson explica que o zoneamento inclusivo impõe o controle do aluguel nas unidades com taxas abaixo do mercado e um imposto sobre os novos empreendimentos. Pode-se esperar que ambas as forças reduzam a oferta de moradias, levando os empreendimentos ou unidades, que não estão incluídos nas taxas mais baixas de mercado, a preços mais altos.
Ellickson explica que o imposto desse zoneamento não será realmente pago pelos incorporadores; eles o empurrarão para os proprietários de terras e para os inquilinos e compradores de casas. Como as moradias novas e as existentes são substituídas uma pela outra, o imposto inclusivo aumentaria os preços regionalmente, não apenas em projetos que incluem unidades com preços mais baixos.
Alguns incorporadores também argumentam que o zoneamento inclusivo cria incentivos para a construção de moradias de luxo, pois, dessa forma, é viável para os incorporadores subsidiar unidades de seus projetos abaixo das taxas de mercado. Os efeitos são, portanto, maiores para novas construções modestas.
Embora essa política reduza, potencialmente, o acesso a moradias de valor de mercado, ele normalmente fornece muito poucas unidades para os residentes mais vulneráveis de uma cidade. O Condado de Montgomery, MD, tem a história mais longa do país com zoneamento inclusivo. Depois de vigorar por 40 anos, o programa produziu uma unidade abaixo da taxa de mercado para cada 100 residentes. As unidades são projetadas para serem acessíveis a famílias que ganham US $ 30.000 a $ 81.000 anualmente, portanto, não fazem nada para ajudar os cidadãos menos abastados do Condado.
Alguns defensores dessa política argumentam que a medida só deve ser implementada até o nível que os mandatos de moradias populares comecem a tornar o novo desenvolvimento financeiramente inviável. Essa lógica perde o efeito marginal de qualquer nível de zoneamento inclusivo. Todos os mandatos de moradias populares vão incentivar menos desenvolvimento e direcionar novos empreendimentos para moradias de luxo em comparação ao que as cidades veriam sem esses estímulos.
O processo de direito ao uso da terra é complicado. Os defensores do zoneamento inclusivo argumentam que alguns fatores levam análises como a de Ellickson ao fracasso no mundo real:
1 – O zoneamento inclusivo geralmente é combinado com bônus de densidade e/ou créditos fiscais para ajudar a compensar o custo de incorporadores que fornecem unidades abaixo da taxa de mercado. Se o valor do bônus de densidade superar o imposto de zoneamento inclusivo, esse poderia aumentar a oferta de moradias e reduzir os preços de mercado em relação ao status quo. Simplesmente, o zoneamento (isto é, aumentar o tamanho dos edifícios e a quantidade de unidades permitidas em um determinado local), sem um mandato de zoneamento inclusivo, poderia fazer mais para aumentar a oferta de moradias e reduzir os aluguéis médios, mas talvez a nova densidade não fosse politicamente viável sem mandatos de habitação a preços acessíveis.
2 – Da mesma forma, o professor de direito Roderick Hills argumenta que “se as cidades devem escolher entre permitir incondicionalmente novas moradias a preços de mercado ou excluí-las incondicionalmente, então é provável que escolham a última opção.” Talvez a inclusão de unidades acessíveis ajude projetos individuais a passarem pelas políticas dos processos de concessão de direitos de suas cidades. Mas se fosse o caso de unidades acessíveis ajudarem os desenvolvedores a obter as aprovações de que precisam para construir projetos lucrativos, esperaríamos que eles fornecessem essas unidades mesmo sem um mandado.
3 – Os apoiadores podem reconhecer que o zoneamento inclusivo não é uma ferramenta para aumentar o acesso a habitação, mas ainda assim o apoiam como uma forma de aumentar a diversidade socioeconômica em uma determinada área. É provável que com esse modelo aumente a diversidade de renda dentro dos edifícios em relação ao que veríamos sem ele. Ao mesmo tempo, se o zoneamento inclusivo reduzir a oferta e aumentar os preços no nível de mercado pode diminuir a diversidade econômica no nível municipal e regional.
Dado o potencial das políticas de zoneamento inclusivas na prática para cortar em favor de mais ou menos construções de moradias, seus efeitos sobre a oferta e o preço precisam ser testados empiricamente para determinar o efeito geral. Isso é difícil devido ao desafio de coletar dados sobre as portarias municipais, mas alguns estudos estimaram os efeitos dessa política. Eles confirmam amplamente a análise econômica básica de Ellickson:
1 – Bento et al. descobriram que o zoneamento inclusivo na Califórnia fez com que os preços aumentassem 2% a 3% mais rápido em relação às jurisdições sem a política. O estudo concluiu que os mandatos de moradias populares diminuíram a taxa de início de residências unifamiliares, mas não encontraram nenhum efeito na oferta de moradias multifamiliares. “Os resultados são totalmente consistentes com a teoria econômica e demonstram que as políticas de zoneamento inclusivas não vêm sem custos,” afirmam os autores.
2 – Tom Means e Ed Stringham também mediram os efeitos do zoneamento inclusivo na Califórnia. Eles descobriram que as jurisdições com esse parâmetro viram sua oferta de habitação reduzida em 7% e os preços aumentaram em 20% devido à política.
3 – Schuetz et al. estudou o zoneamento inclusivo em dois mercados. Na região de Boston, eles descobriram que, com as regras, houve redução da construção e aumento dos preços para casas, mas apenas durante os períodos de crescimento dos preços. Na Bay Area, eles descobriram que o zoneamento inclusivo corresponde a preços mais altos de casas durante períodos de aumento dos preços de aluguel, mas que também contribui para reduzir os preços de aluguel durante períodos de queda dos preços médios. Eles não encontraram nenhuma relação entre o zoneamento inclusivo e a construção na Bay Area.
Embora tal proposta ofereça grandes benefícios para um pequeno número de famílias de baixa e média renda, a maioria das evidências empíricas indica que ele aumenta os preços para outros e reduz o acesso a habitação em geral. A ênfase da política é fornecer moradias abaixo das taxas de mercado em novas construções que sejam idênticas às habitações de taxas normas de mercado, no entanto, seguir essa política, na prática, significa que os recursos dedicados à habitação social não irão tão longe. Ou não serão distribuídos tão equitativamente, como poderiam ser se fossem direcionados diretamente para os indivíduos de rendas média e baixa, por exemplo, através de vales-moradia ou mesmo dinheiro.
Artigo publicado originalmente em Strong Towns em 11 de abril de 2018. Traduzido por Marcella Cutrim Fernandes de Souza.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarAs mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
COMENTÁRIOS