O mercado de imóveis do Rio: entre a decolagem e a tempestade
Imagem: Alexandre Macieira/Riotur.

O mercado de imóveis do Rio: entre a decolagem e a tempestade

Entenda o impacto dos últimos anos de instabilidades no mercado de imóveis da cidade do Rio de Janeiro na realidade de seus moradores.

10 de agosto de 2022

Em 2008, quando eu era criança, minha família se mudou da zona sul do Rio de Janeiro para Niterói, cidade vizinha, com esperanças de retornar à região. O que veio a acontecer foi bem diferente: após a escolha do Brasil como sede para a Copa do Mundo e do Rio para as Olimpíadas, presenciamos uma valorização de 50% dos preços dos apartamentos em 4 anos, que continuou até 2016 — muito diferente da valorização da renda familiar, nossa e do carioca, que impedia qualquer possibilidade de retorno.

Na ocasião de escolher o tema do meu trabalho final da graduação, decidi explorar essa experiência pessoal com dados públicos sobre a evolução da renda, preços imobiliários e inflação. Por meio do ITBI — Imposto (municipal) sobre Transmissão de Bens Imóveis — publicizado de forma consistente desde 2010, cidadãos da cidade, como eu, podem avaliar como aconteceu a valorização dos preços de imóveis na cidade do Rio de Janeiro.

No plano de fundo da última década, três grandes acontecimentos marcaram o cenário econômico da cidade: o primeiro deles foi a escolha do Rio como sede dos principais jogos da Copa do Mundo, em 2007, e sede das Olimpíadas, em 2009, tornando a cidade polo de investimentos estatais e privados.

O segundo foi a Lava-Jato, responsável por paralisar investimentos e interromper construções em andamento, e o terceiro, a recessão econômica nacional, que atingiu de forma especial o estado do Rio, acumulando desinvestimentos do setor naval, petrolífero e de construção civil, financiadores dos grandes eventos e com sedes localizadas no estado. Desde então, os índices econômicos melhoraram, mas o estado ainda participa de um regime especial de recuperação fiscal com a União.

Regiões Administrativas do Rio de Janeiro.
Regiões Administrativas do Rio de Janeiro.

É importante reforçar aqui, antes de continuarmos, alguns detalhes regionais. Administrativamente, a cidade é dividida em 5 regiões de planejamento. A Zona Oeste é separada da região no entorno da Barra da Tijuca (imagem acima), com ocupação, atividade econômica e crescimento populacional diferentes do resto da Zona Oeste, e os bairros mais caros da cidade são Leblon e Ipanema, localizados na Zona Sul (conforme gráfico abaixo).

Preço do m² na cidade do Rio por Região Administrativa
Preço do m² na cidade do Rio por Região Administrativa (geralmente formada por 5 bairros).

A seguir, podemos ver a distribuição de imóveis por preço, com dados do ITBI-Rio no primeiro gráfico. No segundo, a distribuição da população por renda, com dados da PNAD-C.

Percebemos que a variação de renda é menor que a variação de preço, mas a disparidade da renda dos 10% mais ricos lembra a diferença dos valores dos apartamentos mais caros (que costumam ser maiores em tamanho, aumentando a diferença entre os preços).

A fim de complementar minha pesquisa, compilei níveis de emprego formal pela RAIS (Relação Anual de Informações Sociais). O Rio é uma das cidades que são destacadas nos relatórios por bairros.

É possível, com cautela, observar o desenvolvimento de um setor econômico, ou o nível de emprego por região metropolitana, considerando alguma imprecisão e apenas o mercado formal de trabalho registrado nessa estatística.

Veremos como fica bem marcada a queda da atividade construtiva nos níveis de emprego após 2015, decomposta pela CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) do IBGE, decorrente dos trâmites judiciários que as grandes construtoras se envolveram durante a Lava-Jato e da recessão econômica a nível nacional, provocando um aumento de juros, restrições de crédito habitacional, e desinvestimentos generalizados no setor.

Postos de trabalho por mês na cidade do Rio de Janeiro.
Postos de trabalho por mês na cidade do Rio de Janeiro.

Com o objetivo de discutir a existência da bolha econômica, analisei a evolução de diversos índices inflacionários, os amplos e os ligados ao setor de construção e imóveis. Entre eles, o IPCA, responsável por avaliar produtos de toda a cesta de consumo do brasileiro, o INCC-DI (Índice Nacional da Construção Civil), que acompanha os custos de obras, e o IVG-R, que estima a tendência dos preços de imóveis no longo prazo. A partir de 2011, também estão presentes o FIPEZAP, e meu índice simples de preços médios elaborado por meio do ITBI-Rio.

Índices de preços nivelados. FIPEZAP e ITBI começam em 2011 nivelados no IVG-R.
Índices de preços nivelados. FIPEZAP e ITBI começam em 2011 nivelados no IVG-R.

A diferença de ambos para o IVG-R é significativa. O FIPEZAP e meu índice ITBI-Rio se movimentaram de forma similar na captura das tendências, especialmente no período de maior oscilação. Resultado de grandes investimentos, especulações com os grandes eventos e com um futuro otimista do país e da cidade, os preços gerais dos imóveis na cidade atingiram mais de 100% de valorização entre 2011 e 2016, e tanto os valores do ITBI quanto do FIPEZAP confirmam o que os cariocas vivenciaram.

Embora hajam outros fatores para considerar se houve uma bolha, incluindo a expansão do mercado de crédito no período e das expectativas econômicas, é certo que a média de preços não evoluiu em conjunto com a renda do carioca, seu principal público alvo. Os preços nominais caem mesmo com diminuição de novas construções, conforme a queda na atividade de construção civil registrada (gráfico abaixo).

Preço por metro quadrado dos imóveis, por Região de Planejamento da cidade do Rio. Vale notar que a região da Tijuca está englobada na “Zona Sul” e segura(Região de Planejamento 2).
Preço por metro quadrado dos imóveis, por Região de Planejamento da cidade do Rio. Vale notar que a região da Tijuca está englobada na “Zona Sul” e segura(Região de Planejamento 2).

A seguir, vamos analisar regionalmente as variações de preço por região de planejamento da cidade. Vale notar o aspecto local dessa especulação: se os preços da Zona Sul do Rio registraram 100% de valorização entre 2011 e 2015, foram também nestes bairros que, de forma uniforme, os preços nominais dos imóveis registraram aproximadamente 25% de queda, entre 2015 e 2020, ou seja, metade da valorização do período anterior em preços nominais.

Nem todos os bairros relatados seguem esses fluxos — no Centro, especialmente a região do Porto Maravilha, relatou-se um aumento de 420% nos preços entre 2011 e 2020. Os investimentos em infraestrutura, ambiente corporativo e revitalização da região mantiveram a valorização dos preços mesmo após a crise econômica, mostrando a acertada decisão de revitalizar a Zona Portuária — que continua sendo foco do antigo/novo prefeito Eduardo Paes, dessa vez com o plano Reviver Centro, que busca trazer pessoas, além de negócios, para a região.

Preço por metro quadrado dos imóveis, por bairros do Rio. Posição no eixo X indica o valor do metro quadrado no ano base, 2011, e posição no eixo Y a valorização deste bairro pelos valores de 2020.
Preço por metro quadrado dos imóveis, por bairros do Rio. Posição no eixo X indica o valor do metro quadrado no ano base, 2011, e posição no eixo Y a valorização deste bairro pelos valores de 2020.

Espero, com esse resumo focado da minha monografia, ter ajudado a clarificar o impacto desse período de instabilidades no mercado de imóveis da cidade, mercado esse muito importante ao brasileiro, que tem a cultura de comprar imóveis como bem de consumo e reserva de valor. Anos de especulação, somados à quebra de expectativas da economia brasileira, impuseram mais uma dificuldade na vida dos moradores do Rio de Janeiro, cidade tão amada, mas palco de grandes escândalos políticos e com problemas socioeconômicos de difícil superação.

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  • o problema é que a maioria está com preços totalmente irreais. Tenho procurado um imóvel há alguns meses e está muito difícil achar algo com um valor justo! E não precisa ser nenhum expert no assunto para confirmar isso, basta uma pesquisa em sites de imobiliárias que disponibilizam os valores médios por região. Tem uma organização/federação ou conselho no Rio de Janeiro, esqueci o nome agora, mas a título de exemplo, vendo o preço real das transações e o valor que eles calculam como sendo o valor do m² no Rio de Janeiro é possível observar que o que as pessoas estão pedindo está em média 150% acima do valor oficial, ou seja, absurdamente caro. Sendo mais preciso, o valor médio da região da Tijuca hoje fica na casa dos R$5.000 e há muitos prédios sendo construídos no bairro. Em tese, por serem imóveis na planta e terem um risco alto de não ficarem prontos, deveriam ser mais baratos, porém, pasmem, você não encontra um com m² abaixo de R$12.000, mais que o dobro e em apartamentos ridiculamente pequenos.

  • Como proprietário de um pequeno imóvel no bairro de Santa Teresa _ que vinha sendo bem alugado há 16 anos_ sinto uma enorme dificuldade em vendê_lo agora , há um ano. É um imóvel antigo mas em região nobre , com bela vista, varanda, prédio com elevador,_ o que pode ser raro no bairro.A queda foi em torno de 30 por cento. Gostaria de um uma avaliação da evolução do mercado imobiliário para imóveis antigos pois os novos e luxuosos, ainda que em momento difícil, ainda se mantêm em valor razoável.

    Obrigado.

    Antônio Carlos R. Campos.

    • Daqui para frente será só ladeira baixo! Os valores estão surreais, a população já não consegue arcar com tanta especulação. Basta fazer pesquisa em sites como quinto andar ou alguma entidade oficial de preços para ver que o que os proprietários estão pedindo está na média mais que o dobro do valor de mercado. Claro que não vai vender!