O impacto da crise nas cidades brasileiras
Imagem: Zhu/Flickr.

O impacto da crise nas cidades brasileiras

Com os recursos ainda concentrados no poder federal, entenda as consequências da crise para os municípios brasileiros.

9 de maio de 2019

O Brasil é um país extenso, mas apesar de sua proporção continental, sua estrutura político-administrativa implica que um erro federal pode promover a degeneração da economia nos municípios de norte a sul do país. O atual pacto federativo nacional tem implicado em uma maior concentração de recursos públicos na esfera federal e menor na esfera municipal. O Banco Central também exerce um rígido controle do poder de compra da moeda (a inflação) e do custo do capital (a taxa básica de juros). Além disso, os municípios brasileiros possuem laços de dependência na política de estatais federais (Petrobrás, Eletrobrás, Caixa Econômica, BNDES, etc.) que possuem orçamentos independentes, mas são conduzidas pelo governo central e exercem grande influência no desempenho de municípios, estados e da nação. De acordo com o Banco Central do Brasil as retrações registradas na economia brasileira em 2015 e 2016 foram “repercussões da crise de confiança dos agentes econômicos e do processo de ajuste macroeconômico em curso no país”. Nesse ambiente, o PIB nacional, que já não havia crescido em 2014, recuou 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016. Ao fim de 2016, o PIB nacional havia caído 7,23%, equivalente a R$ 488,3 bilhões a preços do ano, e a taxa de desemprego saltou de 6,8% para 11,5%.

Após anos de expansão econômica induzida em um cenário local e internacional favorável, com o dólar desvalorizado e a inflação controlada, o país esgotou o ciclo econômico com acúmulo de dívidas, inflação acima da meta e baixo crescimento. A deterioração das contas públicas, o endividamento de estatais e o crescimento da inflação tornaram o ajuste necessário, com medidas como a contenção da expansão dos gastos públicos e das estatais e a elevação do juro. O cenário de incerteza política e o ajuste econômico repercutiram na retração de 27,5% do investimento em novos imóveis comerciais, instalações industriais, máquinas, equipamentos, entre outros. O aumento do desemprego e a inflação implicaram na queda de 5,3% do consumo de bens e serviços e, seguindo uma queda nas receitas públicas, o gasto público caiu apenas 1,3%.

Os setores mais afetados

A compreensão da crise nos municípios, no entanto, parte do entendimento de quais indústrias foram mais afetadas e sua relevância para cada um deles. Comparando o ano de 2016 ao de 2014, a indústria mais afetada foi a extração de petróleo e gás com uma variação negativa de 85,5%, redução de R$ 129 bilhões, em repercussão à queda de 60% da cotação do petróleo (Brent) no mercado internacional e o início do processo de desalavancagem da Petrobrás com redução de R$ 60 bilhões em investimentos.

A queda do PIB nesta indústria representa 20,9% do efeito negativo da crise afetando o PIB dos municípios onde a atividade se instala, como os municípios da Bacia de Campos, no litoral do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, Coari, no Amazonas, e outros. Mas como o preço do combustível vendido nas refinarias da Petrobrás não caiu, parte dos valores perdidos nestas cidades foram contrabalanceados pelo aumento de R$ 90 bilhões no PIB de cidades como Paulínia, Canoas, Cubatão, Duque de Caxias, e outros onde há refinarias.

Plataforma P-62, da Petrobrás, no estaleiro Atlântico Sul, em Suape, em Pernambuco
Plataforma P-62, da Petrobrás, no estaleiro Atlântico Sul, em Suape, em Pernambuco. (Imagem: PAC/Flickr)

A segunda indústria mais afetada pela crise foi a construção e serviços relacionados, como atividades imobiliárias, de arquitetura, engenharia e outros que somados integram R$ 114 bilhões e explicam 18,3% da crise.

As atividades nesta indústria estão diretamente ligadas ao custo do capital e à demanda por imóveis, que cai com o aumento da taxa de juros, a queda do crédito e a queda do nível de empregos. O índice FipeZap indica que o preço de venda de imóveis estagnou nos principais centros urbanos como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte a partir de 2014.

Essa estagnação com queda real de preços demonstra a dificuldade na venda do estoque imobiliário e implica na postergação de novos empreendimentos. O nível de estoque de curto prazo de incorporadoras como Cyrela, MRV, Gafisa e Direcional cresceu entre 30% e 100% relativo a 2013 e, no ritmo de vendas corrente, seriam necessários mais de dois anos para sua liquidação. Em 2015, as incorporadoras de capital aberto já haviam cortado em média 60% do nível de lançamentos.

Seguindo a lista, a evolução do valor adicionado do comércio por atacado e varejo, excluindo comércio de veículos automotores, caiu em R$ 75 bilhões e reflete a tendência de queda da demanda como um todo, levando ao fechamento de 66 mil empresas, 226 mil lojas e 440 mil postos de trabalho no país.

Os índices elevados de endividamento e desemprego, e a manutenção dos altos preços do combustível pela Petrobrás mesmo com a queda do preço internacional do petróleo, esfriaram também a demanda por serviços de transporte, com retração de R$ 25 bilhões no transporte terrestre, assim como na fabricação de veículos automotores.

O transporte anual de passageiros pela frota municipal de ônibus em São Paulo, por exemplo, caiu em 8 milhões, e as receitas anuais da SP Transportes caíram 15%. O fluxo de veículos nas rodovias nacionais caiu 11% e a produção de veículos no país despencou de 3,17 milhões em 2014 para 2,15 milhões em 2016, impactando nas cidades produtoras como São Bernardo do Campo em São Paulo, São José dos Pinhais na região metropolitana de Curitiba e outras.

O mapa da crise

Variação percentual do PIB entre 2014–2016.
Variação percentual do PIB entre 2014–2016.

As capitais brasileiras, assim como os 20 municípios mais populosos, concentram 33% do PIB nacional e essa taxa passa para 51,4% ao se incluírem os municípios que compõem as regiões metropolitanas das capitais. Nas palavras de Edward Glaeser, estas taxas refletem o Triunfo das Cidades como centros provedores de renda, bens e serviços, o que reforça a relevância de uma análise do desempenho econômico no âmbito municipal.

O mapa da crise revela como foi o desempenho dos municípios durante a crise nacional. As manchas vermelhas no mapa, que indicam o percentual de queda do PIB do município, ocorreram em 2820 municípios de norte a sul do país.

Na região Sudeste, destacam-se os municípios do litoral do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, costeiros à Bacia de Campos, onde se encontra o Pré-Sal; Belo Horizonte (-13,4%) e municípios periféricos ligados a extração de minério; São Paulo (-5,5%) e sua microrregião que foram afetados pela queda generalizada na atividade industrial e nos serviços.

Na região Sul, destaca-se negativamente os municípios do estado de Santa Catarina. Na região Centro-Oeste do Brasil, a queda do PIB foi observada no município de Corumbá-MS (-27%), em Goiânia (-13,6%) e municípios ao centro-norte do estado de Goiás, contornando o Distrito Federal.

Várias manchas vermelhas se estendem nos grandes municípios da região do Jalapão, que fica na interseção entre Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia. No Nordeste, a crise se estende pelo litoral Baiano, atinge fortemente Recife (-16%) e municípios na região do Porto do Mangue-RN (-65%) no Rio Grande do Norte e Ceará.

Já ao Norte do país, destaca-se uma queda de 46% no PIB em Altamira no Pará sob efeito da usina de Belo Monte e uma crise generalizada no Amazonas com maior intensidade em Coari (-69%) devido à indústria extrativa de petróleo. O cinturão verde que se estende do Rio Grande do Sul, Paraná e passa pelo Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás, abrangendo parte do Pará, se refere na maioria dos casos ao desempenho positivo da agropecuária.

Em escala nacional, a variação do PIB em bilhões de reais demonstra que 80% da crise está associada ao desempenho negativo de apenas 50 municípios, e 20 municípios respondem a 50% da crise. Estes 20 municípios representaram 16% da população e 28% da economia nacional em 2014, mas o impacto em alguns foi severo.

Variação do PIB dos municípios 2014–2016 em bilhões de reais.

Municípios da Bacia de Campos

O mapa da variação do PIB em bilhões de reais revela que o maior impacto da crise sobre a produção está concentrado nos municípios costeiros à Bacia de Campos nos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, como Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro, Cabo Frio, Rio das Ostras, Macaé, São João da Barra, Niterói, Presidente Kennedy e Itapemirim.

Exceção ao Rio de Janeiro, que possui uma indústria diversificada, estas cidades foram diretamente impactadas pela queda do preço do petróleo, cessão de atividades de empresas do setor, desalavancagem da Petrobrás e queda dos valores de royalties transferidos pela União.

Plataforma P-58, em operação na Bacia de Campos, entre o Rio de Janeiro e Espírito Santo
Plataforma P-58, em operação na Bacia de Campos, entre o Rio de Janeiro e Espírito Santo. (Imagem: PAC/Flickr)

Em Campos dos Goytacazes, município mais populoso no centro da região, a redução de R$ 50 bilhões no PIB do município está associado 77% à queda na atividade industrial e 23% ao comércio e serviços em geral. Como a indústria extrativa é pouco intensiva em mão-de-obra e grande parte da renda produzida no local é transferida para a Petrobrás, a queda de 74,5% do PIB do município repercutiu em uma queda de apenas 15% do emprego formal, que condiz com a média nacional durante a crise.

Ao todo, 22 mil vínculos empregatícios foram extintos, sendo 5.700 na construção, 6.400 no comércio e 10.000 nas demais atividades. A queda de R$ 1,4 bilhões na arrecadação de royalties transferidos pela União afetou a manutenção dos serviços públicos, levando a prefeitura a solicitar antecipação de recursos e decretar estado de emergência.

São Paulo e microrregião

O PIB do município de São Paulo caiu apenas 5,5%, embora em termos absolutos isso corresponda a uma queda de R$ 40 bilhões disseminada entre a indústria, serviços e a geração de impostos sobre a produção com grande impacto sobre o emprego.

A crise em São Paulo levou a uma queda de um milhão de vínculos empregatícios formais (-12%), sendo 180 mil vínculos na construção, 150 mil na indústria de transformação, 160 mil no comércio e 280 mil em serviços prestados para empresas, principalmente em atividades imobiliárias e serviços voltados para a construção. Em 2014, sob a gestão de Fernando Haddad, foi aprovado um novo plano diretor que esfriou ainda mais a atividade no setor da construção.  

O impacto da crise também foi relevante em municípios próximos como São Bernardo do Campo, famoso pela indústria automobilística, além de Jundiaí e Barueri.

Belo Horizonte, Contagem e municípios do minério

Em Minas Gerais, a produção em Belo Horizonte e Nova Lima foi fortemente afetada pela queda de atividade na construção e de seus serviços associados, além do impacto oriundo da queda no valor do minério dos municípios periféricos como Itabirito, Ouro Preto, Mariana, Itabira e das indústrias em Contagem.

O PIB de Belo Horizonte caiu 13,4% e o emprego formal 16%, ou o equivalente a 350 mil vínculos sendo 150 mil na construção e atividades imobiliárias. Em Belo Horizonte, tramita na câmara dos vereadores um novo plano diretor similar ao de São Paulo, que se aprovado fomentará a expulsão de empreendimentos da cidade que já está em curso na cidade com o plano atual.

Outros municípios

Na região Norte do país se destaca o município de Altamira no Pará, que vive uma ressaca da usina de Belo Monte, e o município de Parauapebas também associado à indústria de extração de minério. O estado do Amazonas foi bastante afetado pela queda da produção e do comércio de produtos pela Zona Franca de Manaus e pelo valor da retração na extração de petróleo e gás em Coari.

Outros municípios e regiões do ranking que evidenciaram queda significativa da produção com a crise são: Curitiba e São José dos Pinhais no Paraná, terceiro polo automotivo do Brasil; Guarulhos, Jundiaí e Barueri em São Paulo; Goiânia, Recife e outros.

A evolução do PIB em algumas grandes cidades se destacaram por certa resiliência à crise como Maceió (-0.2%), Porto Velho (-1,4%), Porto Alegre (-1,8%), Uberlândia (-1,9%), Natal (-2,2%), Brasília (+2,0%), Osasco (+4,6%) e São José dos Campos (+5,2%). Mesmo assim, houve queda do emprego formal a taxas entre 5% e 18% nestas cidades. Apesar de apresentar queda de 8% no emprego formal, Brasília foi um dos poucos municípios com evolução positiva relevante do PIB durante a crise com crescimento de 2%. Este crescimento foi atingido devido ao aumento no valor de serviços públicos (+R$ 5.9 bilhões) e privados (+R$ 4 bilhões) que contrabalancearam perdas na indústria e na geração de impostos sobre a produção, adicionando um efeito líquido de R$ 4,7 bilhões ao PIB da cidade.

Contudo, a crise de 2015 e 2016 revela as consequências de uma política econômica que induziu a prosperidade ao longo de uma década com expansão de gastos e crédito em uma conjuntura macroeconômica local e internacional favorável, com dólar depreciado e inflação controlada.

O resultado de investimentos superfaturados, dos gastos mau executados e do crédito mau concedido foi o aumento da inflação e do endividamento do setor público e de suas estatais, principalmente a Petrobrás.

A indústria extrativa foi afetada pela combinação de fatores entre a queda do preço de commodities, o aumento do custo do capital, a desalavancagem da Petrobrás e a política federal de royalties. Já a construção civil, segunda indústria mais impactada, e demais indústrias foram afetadas pelo aumento do custo de financiamento e pela queda da demanda interna.

A queda do PIB da construção justifica 18% da crise e a perda de empregos formais no setor representa 25% da perda total de vínculos no país, afetando quase 2 milhões de cargos. Nesse mesmo período, legislações urbanas que restringem a otimização do uso do solo urbano foram aprovadas nos principais municípios brasileiros sob orientação do Ministério das Cidades. Estas legislações inviabilizam a expansão da oferta e a renovação do estoque imobiliário nas cidades, forçando a construção para áreas afastadas e municípios adjacentes prejudicando a mobilidade e a produtividade dos centros urbanos.

Um novo pacto federativo com a desconcentração dos recursos de Brasília, dando maior autonomia aos estados e municípios, contribuirá certamente para uma gestão mais equilibrada, contendo políticas discricionárias e os impactos de equívocos administrativos federais, tornando os estados e municípios mais resilientes.

Thiago Jardim é arquiteto, urbanista e economista, pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA.

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