Há transporte imune à destruição criativa?
Imagem: Wikipedia.

Há transporte imune à destruição criativa?

Por mais que o Juscelino Kubitschek sonhasse em ver todos os brasileiros dentro de um carro, sempre vai ter gente andando de ônibus.

9 de novembro de 2014

“Em muitas cidades o desmantelamento das redes de bondes foi um erro, que levou à diminuição da qualidade do transporte público.”Vukan Vuchic

Por mais que o Juscelino Kubitschek sonhasse em ver todos os brasileiros dentro de um carro, sempre vai ter gente andando de ônibus.

A humanidade se deixa levar cegamente pelas novas tecnologias. Muitos acham que os problemas vão se resolver com mais e mais tecnologia: a poluição, a ineficiência espacial e energética dos automóveis, a insegurança rodoviária, etc. Basta meia-dúzia de sensores aqui e ali, todos conectados e está tudo resolvido. Nosso comportamento não precisa mudar em absolutamente nada, a tecnologia vai nos salvar.

Essa crença, a salvação pela tecnologia, no entanto é válida, eu não sou Ludista e também acredito que uma nova invenção/produto/serviço definitivamente pode fazer melhor e mais barato que a invenção anterior. É a inevitável Destruição Criativa. O Anthony Ling explica o conceito:

“O conceito de destruição criativa normalmente é usado como referência a um processo de mercado onde inovações surgem por um processo natural de aumento da eficiência provocado pela concorrência.”

É importante notar que a destruição criativa substitui (quase) totalmente uma tecnologia antiga por outra mais nova. Um bom exemplo é a evolução dos sistemas de armazenamento de dados, passando pelo disquete, CD, pendrive, etc.

Mas até que ponto a destruição criativa pode ser aplicada nos transportes? Até que ponto uma nova tecnologia (automóvel) substitui uma antiga (bicicleta)?

A verdade é que a destruição criativa não funciona nos transportes exatamente como nas outras indústrias. O metrô de Londres tem 150 anos e ainda é uma parte fulcral da rede de transportes daquela cidade, sem ele a cidade simplesmente não funciona! E esta diferença não foi claramente percebida em alguns países, levando a crer que o automóvel era definitivamente a melhor tecnologia e invariavelmente, mais cedo ou mais tarde, iria substituir todas as outras: ônibus, bonde, trem, metrô, bicicleta, a pé, etc.

Tal confusão levou a que se tomassem decisões erradas e se gastasse muito dinheiro forçando a escolha de um modal que, supostamente, era mais “avançado” que os outros. Hoje vemos que as coisas não são bem assim. Talvez essa falta de entendimento não existiu em Zurique, Viena  ou mesmo Hong Kong, onde os governos perceberam que não valia a pena “forçar” a nova tecnologia (automóvel) e desprezar a antiga (bondes), pois sempre iria haver alguma demanda pelo sistema antigo, entre eles a caminhada, o mais antigo de todos!

transporte
Londres, evolução de veículos e das tecnologias mas com preservação dos sistemas de transporte.

Essa falta de percepção porém não aconteceu em outras indústrias. A construção civil é um bom exemplo: Apesar de ser uma indústria cada vez mais mecanizada, ferramentas simples e antigas como a colher de pedreiro ou profissões como o pedreiro em si ainda são necessárias. Os construtores e empreendedores imobiliários perceberam muito bem que alguns serviços e produtos são melhor executados recorrendo a tecnologias mais tradicionais.

Diferente de outras indústrias onde uma nova tecnologia substitui outra, nos transportes urbanos isso é pouco provável. A humanidade não é nômade, as cidades não mudam de lugar, elas expandem e comprimem mas os centros urbanos permanecem, não  mudam de posição geográfica. Por mais rápido e cômodo que o automóvel seja para nos levar longe, sempre vai existir alguma demanda de viagens de metrô ou ônibus, mesmo o transporte ferroviário sendo uma tecnologia com mais de 100 anos!

Mesmo surgindo uma nova tecnologia, um veículo mais rápido e confortável, a demanda de um sistema antigo não vai simplesmente desaparecer. Nunca vai haver uma substituição completa de um sistema pelo outro, talvez só com tele-transporte.

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  • Acessando pela primeira vez, lendo o primeiro artigo, e já posso afirmar que tem muita singularidade nesse blog.
    Ma ra vi lha! Em um mundo com tanto plural, ser singular e encontrar um singular é ótimo!
    Obrigada por compartilhar conhecimento 🙂

    Fernanda Araujo – Swing
    Analista de programação Swing no jornal do povo

  • ‘Tal confusão levou a que se tomassem decisões erradas e se gastasse muito dinheiro forçando a escolha de um modal que, supostamente, era mais “avançado” que os outros.’
    E esta escolha e imposição de modais não cessa jamais.