Explicando o paradoxo “quanto mais prédios, mais caros os imóveis”
Imagem: Zé Carlos Barretta/Folhapress SUP-IMOVEIS.

Explicando o paradoxo “quanto mais prédios, mais caros os imóveis”

O entendimento comum é de que o mercado imobiliário segue uma lógica paradoxal que independe de regras econômicas convencionais: aumento de oferta leva ao aumento de preços, e não o contrário, como pregam os economistas. Estariam todos eles errados?

30 de maio de 2016

Você já viu isso acontecer em um bairro da sua cidade: casas e pequenos prédios antigos são comprados por incorporadoras e substituídos por enormes torres residenciais e comerciais. A área construída pode ter dobrado, ou até triplicado.

Mas por maior que seja o aumento da oferta imobiliária, os preços no seu bairro não param de aumentar. A comunidade começa a se transformar e, junto com o preço dos imóveis, tudo fica mais caro: as lojas, os serviços, os restaurantes começam todos a atender o grupo de moradores mais ricos que se mudaram para o bairro — e que mudam o próprio bairro.

Alguns apontam para o desenvolvimento imobiliário desenfreado. Outros culpam a especulação imobiliária. Intelectuais dizem que é a gentrificação. Seja qual for o culpado, o entendimento comum é de que o mercado imobiliário segue uma lógica paradoxal que independe de regras econômicas convencionais: aumento de oferta leva ao aumento de preços, e não o contrário, como pregam os economistas. Estariam todos eles errados?

O fato é de que essa avaliação se trata de uma meia verdade, que merece explicação. É verdade que, em maioria dos casos, bairros antigos que sofrem uma transformação intensa ficam mais caros, mas não devido ao aumento da oferta.

Bairros antigos são mais acessíveis pelo simples fato de que eles são antigos: assim como outros bens que perdem valor ao envelhecerem, este é o caso de maioria dos imóveis. Do outro lado deste ponto de vista, bairros novos atendem moradores mais ricos pelo simples fato de que são novos. Assim como motoristas mais ricos são os compradores mais prováveis de carros novos, carros usados são comprados por motoristas menos ricos.

A exceção, tanto para edificações como para carros (ou qualquer outro bem), são casos onde o bem em questão se torna histórico ou colecionável, valorizando a partir de critérios subjetivos com o tempo, e não o contrário. Este é o caso de bairros tombados preservados adequadamente, carros de colecionadores e, é claro, de peças de museu.

De forma geral, no momento em que um bairro passa por tal “atualização imobiliária”, seus imóveis são ofertados a preços também atualizados. Ou seja, o fato do bairro ter encarecido não se deve ao fato de que a oferta aumentou, mas sim pela melhoria da qualidade dos imóveis — pelo menos aos olhos dos compradores, que são os que realmente dirigem o mercado imobiliário.

Prédios novos normalmente contam com plantas, instalações e amenidades mais adequadas às necessidades dos compradores atuais. Talvez um apartamento pequeno e novo possa ter um valor alto por metro quadrado, mas provavelmente conta com um tamanho e uma disposição difícil de encontrar em prédios antigos (aquele loft com cozinha integrada que, até pouco tempo atrás, não existia no mercado), atendendo melhor um público atual que até então não tinha essa alternativa.

Esses imóveis novos e mais caros, além de atrair públicos mais afluentes, também incentivam novos empreendimentos, retroalimentando esse processo.

No entanto, apesar do aumento local dos preços com os imóveis novos, o aumento da oferta pressiona os preços da cidade inteira para baixo. Uma forma de ilustrar este efeito é de levá-lo ao extremo: digamos que um bilhão de unidades fossem lançadas ao mercado simultaneamente, qualquer que seja o nicho de que estamos falando: comercial, residencial, alto padrão ou popular. Por mais novas ou luxuosas que elas fossem, a abundância de espaço construído seria tamanha que o único resultado plausível seria uma drástica queda nos preços.

Um exemplo prático recente seria o resultado do mercado comercial de alto padrão em São Paulo, que passou por uma sobreoferta após um período de euforia econômica, resultando em queda de até 27% no preço do aluguel em alguns bairros, apesar do aumento de preços local durante o período de lançamento.

É claro que, em curto prazo, o aumento da oferta em um bairro pode ter alto impacto local nos preços e pouco impacto nos preços da cidade como um todo, e é por isso mesmo que os efeitos de tal redesenvolvimento são tão odiados, principalmente pelos moradores originais e seus vizinhos. Economistas caracterizam esse tipo de mercado como “pouco elástico” a curto prazo. Para entender o conceito de “elasticidade de mercado”, imagine literalmente um elástico, e lembre de como ele reage rapidamente depois de puxarmos e soltarmos: elásticos são (por óbvio), elásticos.

O mercado imobiliário, a curto prazo, é pouco elástico, e frequentemente demora para reagir às pressões da demanda. Vale comentar que, eventualmente, o mercado imobiliário acaba reagindo. Mercados imobiliários podem ser considerados relativamente elásticos a longo prazo, onde o ajuste de preço ocorre atrasado mas em um curto período de tempo, como ilustra o caso dos imóveis comerciais de alto padrão em São Paulo.

É por esse motivo que, para um bom funcionamento do mercado imobiliário, é necessário um amplo e constante atendimento da oferta nas regiões demandadas da cidade ao longo de décadas, para que sempre haja regiões com grande número de imóveis envelhecendo e barateando, tornando bairros mais acessíveis com o tempo.

Esse processo possibilita que bairros antigos possam regenerar, aumentando os preços localmente, mas sem resultar em uma cidade excludente que não oferece alternativas para os moradores afetados negativamente por esse processo.

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  • Anthony, lembro-me que uma vez um professor meu(na época de escola) disse que o adensamento era ruim porque geraria ilhas de calor e que tem que haver um plano direto, existe alguma cidade que tenha crescido sem um plano diretor e tenha uma qualidade de vida boa?

    • Oi Rodrigo,
      O efeito negativo da ilha de calor é real mas deve ser balanceado contra os benefícios do adensamento. Acho difícil argumentar que, por causa de um efeito negativo isolado, é necessário limitar o adensamento por completo. Adensamento gera ganhos de escala de infraestrutura e diminuição de custos de deslocamento bastante claros e, considerando que as pessoas decidem se aglomerar mesmo com o aumento da temperatura, parece ser uma escolha racional dos usuários/cidadãos perante esse cálculo de custo-benefício.

      Quanto à pergunta do Plano Diretor, não sei até que ponto é viável ou desejável que não exista um plano diretor por completo, ou quais benefícios isso traria. No entanto, existem cidades que historicamente regularam pouco a construção em terrenos privados mas que mantiveram uma gestão clara do espaço público, como Nova York e Londres. É evidente que atualmente, em tais cidades, tal regulação em terrenos privados aumentou significativamente, mas a maior parte da estrutura construída existente de ambas cidades foi desenvolvida sob regras diferentes.

      Abs!

        • Oi Rodrigo, dependendo da variável e de forma geral, eu diria que sim. Mas é claro que nem todas as variáveis sendo flexibilizadas trariam resultados melhores. O Caos Planejado tem um arquivo muito rico de artigos sobre esses assuntos, se você se interessar sugiro a leitura!

          Abs