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Nos anos 80, o Japão era o fascínio do mundo, mostrando grandes evoluções em tecnologia e robotização. Foi o boom global de empresas como a Toyota, Nintendo e Sony. A reflexão cultural era imensa, sendo uma delas a consolidação da corrente arquitetônica do metabolismo com uma série de construções executadas nos anos 70, como a Nakagin Capsule Tower. Estas obras eram quase uma tentativa de realização da imagem fictícia da chamada Neo-Tóquio, versão futurista de Tóquio representada em jogos de videogame, animes e mangás, como o emblemático filme Akira de 1988, e recentemente analisada pelo jornal The Guardian. Quem cresceu nos anos 80 também deve lembrar dos super-heróis que usavam alguma tecnologia para salvar Tóquio de mais um episódio de destruição.
No entanto, para atingir este patamar, a década foi marcada pelo alto endividamento público e o aumento de gastos federais em grandes obras de infraestrutura, como pontes, avenidas e linhas do trem-bala Shinkansen. Ainda, estas obras eram comumente usadas para finalidades eleitoreiras para ganhar votos em determinados distritos em troca de obras. A corrupção sistêmica mediante superfaturamento de obras era comum, e obras eram propostas com benefícios marginais para a população. Uma delas foi o Aqualine, sistema de quase 10 quilômetros de túneis e 5 quilômetros de pontes que teria metade da demanda projetada décadas após sua conclusão. Como o próprio diretor da JHPC afirmou, “o objetivo do projeto não é atender a demanda”. A época foi marcada pelo crescimento econômico insustentável, em uma relação próxima entre empresas e setor público. Mesmo em um cenário de risco, crédito era barato e fácil, impulsionando uma gigantesca bolha especulativa de ativos no país.
No âmbito privado, foi iniciada uma série de edifícios que viriam a transformar a paisagem de Tóquio e, nos anos 90, dezenove edifícios com mais de 150 metros de altura ficaram prontos. Para se ter uma ideia de escala, a indústria da construção civil correspondia a 20% do PIB do país, aproximadamente o dobro comparado a outros países desenvolvidos. No ápice da bolha, estima-se que somente o Palácio Imperial de Tóquio teria valor imobiliário equivalente a todo estado da Califórnia, nos Estados Unidos.
Em 1987, o Japão também privatizou a sua maior empresa ferroviária, a JNR, quebrando-a em seis empresas diferentes. A decisão foi tomada dado que a JNR estava operando com déficits altíssimos em contraste a outras empresas ferroviárias privadas que já existiam e eram lucrativas. O caso de privatização japonesa é considerado um sucesso pelo desenho do seu formato, onde o sistema continua permitindo conexão entre linhas, empresas podem compartilhar certas infraestruturas e há paralelismo de linhas em algumas localidades, gerando um saudável ambiente de concorrência. Este sistema pode hoje ser experimentado não apenas nas linhas ferroviárias interurbanas mas também na própria rede de metrô de Tóquio: algumas estações possuem máquinas de bilhetagem de três ou quatro empresas diferentes, com seus próprios mapas de linhas.
A década de 90 é considerada para muitos a década perdida no Japão, um período de ressaca após o estouro da bolha especulativa estimulada por gastos públicos. A realidade é que, até hoje, ao visitar o Japão, realmente há um ambiente que ainda remete à década de 80, quando grande parte dos investimentos foram feitos e quando o Japão era a promessa de potência tecnológica mundial. A cultura japonesa da época também acreditava nessa promessa, tendo criado uma estética urbana futurista que, passadas três décadas, podemos enquadrar na categoria retrô-futurista. Impressiona a existência, em Tóquio, da maior loja de CDs e DVDs do mundo e da possibilidade de encontrar jogos de videogames que já não são mais fabricados com certa facilidade, sendo uma estranha viagem a um passado futurista recente.
Mesmo em um cenário de crise, o governo seguiu aumentando o seu percentual de gastos públicos, desta vez com a prerrogativa anti-cíclica e focada em infraestrutura. Tóquio seguiu crescendo: segundo Perez, “no início do século XX, o Urban Regeneration Act (Decreto de Regeneração Urbana) flexibilizou ainda mais os potenciais construtivos dos terrenos, iniciando um processo de transformação radical que levou ao estado atual da cidade. Nos doze anos seguintes, a cidade cresceu para cima com um total incrível de 73 edifícios ultrapassando 150 metros na área central de Tóquio. Ao final de 2010, além da Tokyo Tower e do Skytree, outros 566 edifícios com mais de 100 metros existiam na Zona Metropolitana de Tóquio, com 106 deles acima de 150 metros no centro da cidade. Isso torna Tóquio uma das cidades mais altas do mundo, apenas atrás de Nova York e Hong Kong.”
Naomi Pollock, arquiteta americana baseada em Tóquio, relata que o desenvolvimento imobiliário neste período é marcado pelo movimento em duas direções: no interior dos bairros, a ausência de tamanhos mínimos de lote permite que sejam subdivididos em lotes cada vez menores, mantendo o padrão residencial unifamiliar e permitindo que muitos morem em pequenas casas em regiões centrais. Ao mesmo tempo, grandes complexos de uso misto têm surgido em pontos diferentes da cidade, refletindo a necessidade de otimização do uso do solo e, como no caso de Roppongi Hills, consolidando inúmeros pequenos terrenos. Roppongi Hills transformou uma área calma e residencial em um centro comercial, e hoje o distrito é conhecido pela boemia de sua vida noturna.
Hoje o Japão possui, disparado, o maior estoque de infraestrutura per capita do mundo, grande parte focado no transporte ferroviário urbano e interurbano. Isso impacta diretamente na divisão modal de transportes de Tóquio que, embora seja extremamente espraiada, com um visual que, às vezes, lembra as periferias brasileiras, atinge mais de 40% das viagens na região metropolitana de Tóquio por ferrovia, seja ela metrô ou trem. Além disso, o número de carros por família vem diminuindo nos últimos anos. Sendo a maior zona urbana do mundo e mesmo sem um sistema de taxamento do trânsito, é raro ver longos congestionamentos em Tóquio.
Ainda, em uma cidade deste tamanho que continua crescendo a ritmos acelerados, tendo adicionado mais de 1,5 milhões de habitantes nos últimos 20 anos, Tóquio consegue se manter uma das metrópoles com moradia mais acessível do mundo. Tal fato é realizado pelos baixos padrões mínimos habitacionais e por legislações municipais que permitem uso intensivo do solo. Esta combinação permite que a oferta imobiliária atenda a demanda crescente, principalmente nas áreas mais atrativas. Conforme artigo recente de Robin Harding no Financial Times, Tóquio teve 142.417 lançamentos no ano de 2014, comparado com 137.010 de toda a Inglaterra, que possui uma população mais que o triplo de Tóquio. Como comparativo, Nova York, embora metade do tamanho de Tóquio, aprova apenas cerca de 20.000 unidades por ano, e São Paulo, uma média histórica de 30.000 unidades por ano.
Tóquio se desenvolveu com foco nos espaços públicos e em sua infraestrutura, apoiando o desenvolvimento privado que ocorreu de forma menos coordenada do que se imagina em termos de planejamento. A Tóquio contemporânea é uma cidade acessível, humana, dinâmica e diversa que, em termos globais, e principalmente pelo seu tamanho, pode servir como exemplo de gestão urbana para outras metrópoles do mundo.
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Mas então… Fiquei um tanto na expectativa, hehe
Vai ter uma quarta parte, falando da Tóquio do futuro?