Lições sobre mudar e construir novas capitais no Sul Global
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Precisa levar 4 milhões de pessoas para os seus escritórios todos os dias? Hong Kong resolve o seu problema.
4 de novembro de 2014A Mass Transit Railway (MTR) é a rede de ferrovia e metrô da cidade de Hong Kong, atualmente gerido pelo Mass Transit Railway Corporation Limited (MTRL). Ela abriu em 1979 e hoje opera cerca de 200 km de linhas assim como mais de 152 estações. As viagens custam entre U$0,50 e U$3,00 e o sistema recebe cerca de 186% do seu custo operacional só com a venda de passagens.
Grande parte do sucesso do sistema pode ser atribuído à densidade urbana. Um desenvolvimento urbano mais denso significa que mais pessoas vivem, trabalham e se divertem em uma área geográfica menor, transitando em um espaço reduzido. Isso é um enorme benefício para um sistema de rotas fixas como um metrô, e o MTR aproveita ativamente desse ambiente.
O MTR possui imóveis ao redor de cada estação da rede e integra ferrovia e planejamento imobiliário para que o desenvolvimento de um suporte o desenvolvimento do outro.
A construção ao redor de cada estação do MTR é incrivelmente densa para que ela possa colocar o maior número de passageiros o mais próximo da estação possível. Mais de 41% da população de Hong Kong (2,78 milhões de pessoas) moram a menos de 800 m de uma estação. Adicionalmente, a estratégia imobiliária da empresa é focada em walkability (ou “caminhabilidade”): alguns moradores de imóveis construídos pela MTR podem caminhar do seu apartamento para as estações sem nem mesmo pisar na rua. Aglomerando passageiros em potencial ao redor de cada estação — e tendo certeza de que passageiros consigam chegar lá com facilidade — ajuda a manter altos índices de uso do sistema.
Enquanto passagens cobrem os custos das operações, é o desenvolvimento imobiliário que paga pela manutenção e pela expansão da rede. A linha de metrô, em troca, aumenta o valor dos terrenos adjacentes à cada estação. Isso aumenta o valor dos aluguéis que são cobrados para cobrir custos de capital.
No fim, construir um sistema de transporte em massa tem tudo a ver com inserir o sistema em um ambiente urbano amigável para tal. Alta densidade populacional e uso misto de atividades é uma necessidade, mas também é a habilidade de valorizar terrenos como forma de financiar o investimento. Nos Estados Unidos, a coordenação entre autoridades de trânsito e incorporadoras tende a ser medíocre. Em Hong Kong, no entanto, o MTR é tanto autoridade do metrô quanto proprietária dos terrenos, e isso faz toda diferença.
Maior parte das tentativas de desenvolvimento orientado ao transporte público em massa envolve a negociação de múltiplas partes. A agência responsável pelo sistema de transporte negocia com diversos incorporadores que estão interessados em fazer projetos ao longo da linha.
Ao invés de implementar um plano unificado, a agência de transporte deve negociar arranjos específicos com cada incorporador. Como as prioridades da agência de transporte e dos incorporadores nem sempre são perfeitamente alinhados, os acordos devem chegar a um meio termo, raramente a melhor opção. Além disso, disputas que surgem depois de comprometer quantidades significativas de capital são custosas para serem resolvidas.
Esse arranjo também dificulta o processo de valorização de terrenos. Incorporadores frequentemente ganham isenções de impostos como um incentivo para realizar os projetos. Seja isenção de IPTU ou reduções diretas de impostos, incentivos fiscais normalmente impedem que a valorização da terra ajude a financiar o sistema de transporte.
Mesmo sem incentivos especiais, a maior parte dos proprietários que ganham com a proximidade de um sistema de transporte tem toda razão de resistir o aumento de impostos se existe a chance do almoço grátis.
O MTR, por outro lado, usa a integração entre o desenvolvimento imobiliário e o sistema de metrô, que combina os papéis de locatário e de desenvolvedor de transporte, respectivamente.
O MTR também não precisa pedir pela desapropriação dos terrenos, já que são do seu próprio estoque. Isso elimina a necessidade de negociações extensas e a possibilidade de parceiros abandonarem o projeto no meio do caminho. Assim, o MTR internaliza o valor dos terrenos: o metrô aumenta o valor das propriedades, que por sua vez cobre os custos de capital das linhas do MTR.
Em 1937 o economista Roland Coase questionou a existência de empresas já que trocas entre indivíduos no mercado alocam recursos de forma eficiente.
A versão resumida da resposta? Custos de transação.
Participar em um mercado tem custos e, em alguns casos, o custo da participação é maior do que ela própria. Quando custos de transação são altos demais, empresas internalizam funções específicas e alocam recursos através dos seus gestores. Este processo não é muito diferente da forma de alocação de recursos das economias socialistas planejadas, mas em uma escala muito menor e em uma organização que responde à informação dos preços, que inexistem em tais economias.
Em muitas indústrias a redução dos custos de transação trouxe uma onda de descentralização, substituindo o velho paradigma da integração vertical Fordista. Companhias mais novas hoje especializam em uma gama menor de competências centrais e terceirizam o resto. A Apple, por exemplo, é, na verdade, uma empresa de design que usa uma rede global de manufatura e logística para levar seus produtos até a mão dos consumidores.
Mas no caso de desenvolver uma rede de metrô, os custos de transação permanecem altos. A inovação tecnológica não diminuiu a intensidade de capital da construção nem diminuiu os horizontes de tempo do investimento.
O que o modelo integrando metrô e incorporação sugere, em teoria (e que o MTR demonstra na prática) é que um pouco de centralização pode evitar esses custos inteiramente. Parafraseando Coase, há um preço a pagar para usar os preços; no caso da construção de um metrô este preço ainda pode ser alto demais.
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