A mudança de uso é inevitável
Cidades são dinâmicas, e os tipos de uso do solo precisam acompanhar as mudanças pelas quais a cidade passa.
No Edifício JK, imóveis quase dobraram de valor em menos de 1 ano; pra entender o porquê é preciso avaliar tudo sob a ótica do marketing e as leis do mercado.
2 de novembro de 2023Falava outro dia que o Edifício JK tem apartamentos à venda “a preço de Minha Casa Minha Vida”. Falava não, registrava em dois ou três textos ao longo do último ano.
Tenho — agora — uma notícia boa e outra ruim.
A boa notícia é que o Centro de Belo Horizonte continua repleto de imóveis à venda “a preço de Minha Casa Minha Vida”. A ruim (para você) é que no Edifício JK, não tem mais.
No Edifício JK, os imóveis quase dobraram de valor em menos de 1 ano, e a explicação é bastante interessante, mas para entender precisa ter um olho no gato e outro no peixe. Ou melhor, um olhar para o mercado imobiliário, outro para a Arquitetura, e avaliar tudo sob a ótica do marketing e as leis da economia do mercado.
Um fato: o Edifício JK é único. Único na volumetria, único na abordagem, único na Arquitetura. Um projeto clássico e disruptivo ao mesmo tempo, e localizado numa região consolidada, rica em comércio, serviços, transporte público, infraestrutura, Como a cereja do bolo, a vista para a Praça Raul Soares.
Outro fato: com mais de mil unidades nos dois prédios que compõem o conjunto, a oferta de imóveis para venda sempre é muito grande.
Ou melhor era — até outro dia, mas a soma dos fatores acima (excesso de oferta, preço baixo, localização, a Arquitetura) atraiu um conjunto de investidores, muitos arquitetos, que compraram para reformar e fazer renda, através de aluguel de longo prazo ou por plataformas de aluguel de curta duração. Outros para morar, a um preço tão baixo que o dinheiro foi suficiente para reformar o apartamento por completo.
De repente, num curto espaço de tempo, o Edifício JK passou a contar com um conjunto de apartamentos revitalizados com muita qualidade e bom gosto, o que, por sua vez, atraiu um público que sabe valorizar o local onde — agora — moram e se hospedam.
O fenômeno aconteceu, muito possivelmente, de forma pontual e tímida por algum tempo, até atingir uma “massa crítica”, aquele ponto onde a dinâmica ganha vida própria e acelera os acontecimentos.
Vou explicar melhor: o ponto de “massa crítica” é aquele no qual muita gente se dá conta de um determinado fenômeno, uma marca ou um produto. É quando passa a ser percebido como tendência, e você fica se perguntando como não viu isso antes.
Se você está lendo esse texto e se perguntando o porquê de não ter levado a sério a discrepância entre o valor dos apartamentos do Edifício JK até outro dia, não se desespere: é assim mesmo. Esses fenômenos começam discretos e não emitem sinais, exceto para aquelas pessoas que estão sintonizadas naquele assunto, prédio, marca ou produto.
Por outro lado, se isso fez algum sentido e você está, agora, curioso para saber qual será a próxima oportunidade, o próximo grande negócio, a próxima tendência, eu tenho o “mapa da mina”.
De longe, diamantes são facilmente confundidos com o cascalho mais ordinário, e permanecem ali, jogados, à espera de um olhar mais treinado.
O mais importante, nesse caso, é saber reconhecer a diferença entre um prédio qualquer e um prédio que tenha uma expressão arquitetônica verdadeira. Só complicando? Eu explico: uma expressão arquitetônica verdadeira é aquilo que, quando a gente olha, a gente acha muito bonito, belíssimo, intrigante, interessante, enfim, aquilo que te faz deter o olhar e pensar um pouco.
É aquilo que foi ousado (ou audacioso) quando concebido, o que mudou a paisagem do quarteirão, o que propôs uma nova abordagem sobre o que seja um edifício, ou sobre a forma de morar, ou materiais e acabamentos originais.
Em resumo, aquilo que pareça digno de um registro na memória, um comentário, um entusiasmo, aquilo que, em sua avaliação, lhe pareça extraordinário. Você pode, claro, recorrer a quaisquer fontes nas quais confie, desde que o filtro final continue sendo a sua própria intuição.
Facilita muito quando uma incorporadora realmente ousada e disruptiva se engaja num empreendimento de retrofit (recuperação e remodelação de um prédio antigo). Ali, a curadoria da Arquitetura e a seleção já foram feitas, o que aumenta muito a chance que o prédio reúna as características que façam dele uma tendência, um empreendimento de referência que torna a compra ou o investimento um sucesso.
“Quem chega primeiro bebe água limpa”, diz o ditado e, nesse caso, a sabedoria popular vale ouro: quem chega primeiro sempre compra mais barato (muito mais, na maioria das vezes); em oposição, precisa ter mais paciência e aguardar um tempo maior até que o empreendimento atinja a “massa crítica”.
Há também os investidores que preferem aderir ao movimento quando o “barulho” já for audível e a tendência comece a tomar forma, mais facilmente percebida.
No segundo caso, qualquer erro de cálculo (ou um suspiro, um final de semana, a dúvida) podem reduzir drasticamente a vantagem do investimento: menor risco é sempre igual a menor ganho (ou rentabilidade).
Citei os investidores, mas não apenas; o Edifício JK está lotado de moradores que enxergaram a oportunidade e contribuíram para que o movimento se transformasse nessa tendência. Hoje, moram muito bem em imóveis pelos quais pagaram muito barato.
Quem nem se lembra que o Centro existe pode estar chutando diamante enquanto anda por aí, achando que é só cascalho.
E você?
Publicado originalmente em Geleia Urbana – O Estado de Minas em outubro de 2023.
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