10 cidades que estão projetando ruas para crianças
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Tem algo muito errado quando as ruas mais bonitas do Brasil seriam proibidas de serem construídas hoje em dia.
14 de fevereiro de 2022Tem algo muito errado quando as ruas mais bonitas do Brasil seriam proibidas de serem construídas hoje em dia. Isso mesmo, a quase totalidade dos Planos Diretores brasileiros proíbe qualquer um de nós de construir casas e prédios com as características que fizeram essas ruas serem eleitas as mais bonitas do Brasil.
A Revista Vogue elegeu em abril de 2021 as seis ruas mais bonitas do Brasil, conforme imagens abaixo:
Como vocês podem ver, são ruas realmente bonitas, agradáveis e amigáveis para os pedestres, apesar de que apenas uma delas é fechada aos automóveis.
Uma primeira pergunta que me veio à cabeça quando eu li a matéria foi “O que é que essas ruas têm em comum? ”.
Analisando as imagens, a gente percebe que cinco delas têm o seu caráter urbano como característica principal, enquanto que a Rua Gonçalo de Carvalho entra na lista apenas pela beleza e microambiente gerado pelo belíssimo corredor de árvores. Essa rua, inclusive, ganhou fama por ser considerada a mais bonita do mundo. O ponto a considerar, porém, é que ela não é assim avaliada em função da sua qualidade urbanística, mas sim pelas árvores que possui.
Já as demais cinco ruas são todas urbanas, sendo três remanescentes do nosso período colonial e duas localizadas em destinos turísticos de praia.
A primeira coisa que eu percebi é que as quatro ruas abertas aos automóveis são estreitas e possuem pavimentos que reduzem a velocidade dos carros. Ou seja, elas não seguem a regra geral em vigor nos últimos 100 anos de dar conforto para os automóveis trafegarem com a máxima velocidade entre o ponto A e o ponto B da cidade.
Se você quiser a receita para fazer uma rua que não seja amistosa aos pedestres é só construí-la larga e asfaltá-la. Essa rua será um deserto de vida e de pessoas.
O segundo e, para mim, mais importante ponto em comum entre essas ruas é o fato de nenhuma delas possuírem recuos frontais ou laterais. Um dos maiores crimes, senão o maior, que já ocorreu nas cidades brasileiras foi a obrigatoriedade de recuos laterais entre prédios e frontais em relação às calçadas.
Até então, todos os prédios eram construídos rentes às calçadas e sem distanciamento entre eles. Além de possibilitar um maior aproveitamento e otimização do solo urbano, esse tipo de solução vinha acompanhada de fachadas ativas formadas por residências ou lojas no térreo.
Se você reparar bem, as ruas mais famosas e atrativas do mundo possuem fachadas ativas no térreo e não possuem recuos entre as calçadas e os prédios. Aí você pode se perguntar: mas se é tão bom assim, porque hoje em dia é proibido construir ruas e edificações assim?
As cidades, antigamente, sempre foram focos de doenças e não possuíam saneamento adequado. No Séc. 19 isso se intensificou com a Revolução industrial. A partir dessa realidade, houve uma reação a partir de conceitos como as Cidades Jardim de Ebenezer Howard e as ideias modernistas de Le Corbusier que defendiam a adaptação das cidades aos automóveis e a construção de prédios isolados entre grandes áreas verdes e construídos sob pilotis.
No Brasil esses conceitos encontraram terreno fértil, sendo Brasília uma das duas únicas cidades do mundo construídas de acordo com essa receita. Todos os arquitetos e urbanistas formados nos últimos 60 anos foram catequizados segundos os princípios do urbanismo modernista, sempre priorizando os automóveis e demonizando o adensamento urbano.
No início da década de 70, houve a implantação da Nova Lei Geral de Zoneamento de São Paulo e a adoção da Fórmula de Adiron que estabelecia uma relação inversamente proporcional entre a taxa de ocupação do terreno e altura das edificações. Isso acabou gerando a má afamada “verticalização brasileira” com edifícios afastados das calçadas e ocupando a área central dos terrenos, gerando o famoso paliteiro urbano que vemos em nossas cidades.
Como tudo o que acontece em São Paulo acaba se replicando pelo resto do Brasil, hoje essa fórmula é regra em quase todos os nossos municípios, para prejuízo das cidades e das pessoas.
Além dos recuos obrigatórios e dos paliteiros, o modernismo urbanista também nos legou o tipo de zoneamento monofuncional, onde na grande maioria das vezes o uso misto era proibido. O maior exemplo disso é Brasília, com seus setores segregados, mas isso também aconteceu em boa parte de nossas cidades. A separação de usos passou a ser a regra no planejamento urbano, fazendo com que fosse cada vez mais difícil a existência de empreendimentos que possuíssem, ao mesmo tempo, uso residencial e comercial, por exemplo.
Além disso, esse tipo de ocupação do solo passou a gerar muros e grades onde antes haviam vitrines de lojas, bares e restaurantes. Claro, se antes o limite frontal do terreno era protegido pelas próprias fachadas, agora havia um vazio a ser preenchido. E os muros e grades foram a solução, prejudicando enormemente a segurança de nossas cidades.
Isso mesmo, ao contrário do que se pensa, os muros não protegem. Ao contrário, eles deixam as cidades mais perigosas. Você duvida? Então vou dar um exemplo concreto?
Essa é a rua onde mora a minha mãe em Maceió. Imagine você caminhando nessa rua durante a noite. De repente você vê uma pessoa “estranha” vindo em sua direção. A via está vazia, pois ninguém tem atrativo para passear por ela. Você ficaria receoso? Garanto a você que ficaria. Eu mesmo já passei por essa situação algumas vezes e dá medo.
Agora imagine você andando à noite nessa rua em Gramado, no Rio Grande do Sul? Tenho certeza de que além de não sentir medo, você estaria tendo um passeio muito agradável, vendo pessoas, olhando vitrines, parando aqui e acolá, com muitas coisas chamando a sua atenção e evitando que a sua caminhada seja monótona.
Acho que está na hora de declaramos guerra aos recuos e ao tipo de cidade que temos construídos desde Brasília nos anos 50. Até entendo que tenha sido uma ideia que fazia sentido naquela época e que as pessoas tenham tentado melhorar as cidades baseadas naqueles ideais.
O problema é que está muito claro que o resultado não foi positivo. Estragamos e enfeiamos nossas cidades. Afastamos as pessoas das ruas e das calçadas. Matamos a vida e a vibração urbana. Está na hora de virar a página e voltarmos a construir cidades boas para as pessoas e não para os automóveis.
Como diz o ditado: errar é humano, repetir o erro é burrice.
Artigo publicado originalmente em Fica a Dica em 29 de novembro de 2021.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarNo programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
O projeto Re-ciclo tem ajudado a melhorar a coleta seletiva de lixo e a rotina dos catadores na capital cearense.
Confira nossa conversa com Samira Elias e Rodrigo Fantinel sobre espraiamento, densidade e custos de infraestrutura.
A pedestrianização pode trazer benefícios econômicos, sociais e urbanos, como comprovam exemplos de sucesso em diferentes cidades.
Além de gerarem sombras e melhorarem a qualidade do ar, as árvores também podem contribuir para ruas mais duráveis, custos de energia mais baixos e redução do risco de enchentes.
Quando pensamos na reconstrução de bairros em regiões de informalidade, como os atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul, precisamos considerar a importância da densidade e da verticalização.
COMENTÁRIOS
Olá, prezado,
Descobri pelo Google Maps a cidade de Savannah, a mais antiga da Georgia, terra natal da escritora Flannery O’Connor. Não sei se os senhores conhecem, mas, se possível, deem uma olhada. E se o fizerem me digam: será que é possível repetir esse modelo no Brasil?
Atenciosamente,
Oi Alexandre, não conheço detalhes sobre Savannah, obrigado pela indicação!
Anthony
As ruas sem recuo lateral só são consideradas bonitas quando presente tbm a escala humana, sem ela geralmente ou sempre temos um ambiente de baixa qualidade, por isso temos hj em muitas legislações o limite mais restritivo para edifícios colados as divisas. Quanto ao recuo frontal, eles permitem a existência da varanda, tbm consideradas “bonitas”. A maior diferença entre as ruas bonitas e as ruas vazias que ninguém lembra da existência me parece ser exatamente a escala humana e a prioridade ao pedestre/ fachada ativa, independente dos recuos. Tendo sempre em mente que nas cidades com a escala que temos hj nem todas as ruas podem ser “bonitas” ou para pedestres mas sendo a maioria já seria suficiente. Parabéns pelo texto e pela repostagem, boa discussão.
Não acho que ruas bonitas são aquelas onde não há recuo. Acho que o recuo é interessante e tb pode proporciobar ruas bonitas e arborizadas, ajardinadas, com largas calçadas para os pedestres. Os muros sim, estes provocam o isolamento urbano. E ainda os paliteiros , com os prédios cada vez mais altos tb causam bloqueio da ventilação, densidade populacional, etc. Mas com bons arquitetos é possível conciliar o belo e o funcional. E termos cidades mais bonitas, adequadas ao pedestre e ao convívio social com praças e jardins, ciclovias e menos veículos sutomotores, é claro.