É hora de deixar refugiados construírem suas próprias cidades
Imagem: WorldBank/Flickr.

É hora de deixar refugiados construírem suas próprias cidades

A maior parte dos campos de refugiados não permite que seus habitantes trabalhem legalmente ou possuam propriedades. Cidades de refugiados, no entanto, permitiria que refugiados entrassem legalmente, trabalhassem e reconstruíssem suas vidas.

15 de dezembro de 2016

No Quênia, mais de 300 mil pessoas vivem hoje em uma cidade criada pela ONU composta de cabanas e tendas, sem energia, saneamento ou garantia legal de trabalho. Uma geração inteira de pessoas nasceu e cresceu nessa cidade, dependentes da escassa provisão de alimentos das Nações Unidas para sobreviver. A cidade em questão é Dabaad, o maior campo de refugiados do mundo.

Foi estabelecida em 1991 para os Somalis que fugiam da guerra civil. Desde então, cresceu até se tornar a terceira maior cidade do Quênia, na medida em que a instabilidade contínua da Somália gerava cada vez mais refugiados. No entanto, permanece hoje como um campo de refugiados, temporário, esperando até que seus habitantes possam voltar para casa.

Depois que Al-Shabaab matou 148 pessoas numa universidade de Garissa, o governo se prontificou a fechar Dadaab, temendo que o Al-Shabab estivesse usando a cidade para recrutar seguidores. Infelizmente, isso não é surpresa. Junte um grande número de homens jovens que foram expostos à violência durante seus anos de formação, tire deles qualquer oportunidade de se tornar um membro produtivo da sociedade e alguns certamente se inclinarão à violência.

O mundo modelou sua resposta à crise de refugiados no rescaldo da Segunda Guerra Mundial e, mais recentemente, após a queda da União Soviética. A ideia é que refugiados simplesmente têm de escapar da violência temporária, depois da qual podem retornar para viver suas vidas. Infelizmente, não vivemos mais naquele mundo. Hoje refugiados fogem de uma violência predominantemente incontrolável. As Nações Unidas reportam que mais da metade do total de refugiados estão exilados há mais de cinco anos. Como tal, é hora de pararmos de pensar em termos de campos de refugiados. A Europa, admiravelmente, tem tentado acolher imigrantes. No entanto, os ricochetes populistas sugerem que esta abordagem é insuficiente para lidar com a magnitude da crise. Ressentimento inevitavelmente acompanha grandes fluxos de população imigrante com culturas diversas.

Foto: oxfam @ Flickr
Visão aérea de Dabaad, Quênia, maior campo de refugiados do mundo. (Imagem: Oxfam/Flickr)

Cidades de refugiados podem ajudar. Uma cidade de refugiados é uma nova cidade construída para refugiados com certo grau de autonomia legal. A maior parte dos campos de refugiados não permite que seus habitantes trabalhem legalmente ou possuam propriedades. Cidades de refugiados, no entanto, permitiria que refugiados entrassem legalmente, trabalhassem e reconstruíssem suas vidas. Poucos investimentos são feitos nos acampamentos pois espera-se que seus habitantes voltem para suas casas. Os campos de refugiados funcionam como um ‘camping‘ extendido: sem água corrente, saneamento, estruturas permanentes ou a esperança de uma melhoria nas condições de vida.

Cidades de refugiados são inerentemente mais permanentes do que os campos. O direito legal de possuir propriedades levaria a maiores investimentos. Em vez de morar em barracas e tendas por décadas, refugiados poderiam construir casas. O direito legal ao trabalho permitiria que se incorporassem à economia global. Corporações multinacionais poderiam ali investir, criando empregos estáveis e bem pagos.

O segredo para uma cidade de refugiados é um ambiente regulatório favorável ao desenvolvimento econômico. O básico é garantir que refugiados tenham direito ao trabalho e à propriedade. Mais radicalmente, cidades de refugiados também poderiam importar boas instituições. Uma cidade de refugiados com Estado de direito, direitos de propriedade e liberdade econômica se tornaria uma referência para refugiados em todo o mundo.

Uma versão dessa ideia são as “charter cities”, ideia pioneira de Paul Romer, agora economista-chefe no Banco Mundial. Charter cities são novas cidades construídas nos países em desenvolvimento que importam instituições legais de países desenvolvidos. O Quênia, por exemplo, poderia pedir à Dinamarca para que governasse Dadaab. Governança dinamarquesa, então, incentivaria investimentos, criando empregos e levando ao desenvolvimento econômico. A chave é a importação de instituições bem sucedidas que são conhecidas por estimular o crescimento econômico.

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Hong Kong demonstrou como cidades com boas instituições podem rapidamente acomodar um grande número de refugiados. (Imagem: Neelaka/Flickr)

Alternativamente, cidades de refugiados poderiam ser empreendidas pela iniciativa privada. Naguib Sawiris, um bilionário egípcio, tentou adquirir uma ilha grega para abrigar refugiados. Hoje em dia, o setor privado frequentemente lidera a iniciativa de construir novas cidades. A governança seria fornecida juntamente pelas Nações Unidas, pelo Banco Mundial, o país-sede e o investidor. Hong Kong demonstrou como cidades com boas instituições podem rapidamente acomodar um grande número de refugiados. Nos anos finais da guerra civil chinesa, de 1946 a 1951, Hong Kong absorveu 1,5 milhão de refugiados, chegando a 100 mil por mês. Como Hong Kong era governado pela legislação britânica, geralmente considerado o melhor sistema legal para o crescimento econômico, refugiados foram capazes de se empregar e reconstruir suas vidas.

Cidades de refugiados também são uma solução política atraente. Como são em espacializadas no território, o país-sede teria oposição limitada. Os refugiados não ameaçariam empregos no restante do país, mas os proveriam na medida em que a cidade se desenvolve. Além disso, cidades de refugiados pagariam por si mesmas.

Cidades de refugiados criariam riqueza. Refugiados precisariam de assistência no primeiro ano após sua chegada. Isso provavelmente incluiria abrigo e alimentação. Teriam a propriedade do terreno abaixo e em torno de seus abrigos, mas seria esperado que pagassem impostos após determinado período de tempo.

Após a assistência inicial, refugiados encontrariam empregos produtivos. Isso aumentaria o valor da terra, pagando pelos investimentos em infraestrutura iniciais. Este modelo foi usado para gerar dezenas de bilhões em investimentos na construção de novas cidades privadas e se aplicaria da mesma maneira para uma cidade de refugiados.


Uma cidade de refugiados com Estado de direito, direitos de propriedade e liberdade econômica se tornaria uma referência para refugiados em todo o mundo.


A barreira primária para cidades de refugiados é a falta de imaginação. As elites políticas são adversas ao risco e evitam pensar fora da caixa. Por sorte, cidades de refugiados têm lentamente ganhado apoio e ainda não encontraram nenhuma objeção real.

Atualmente, a Jordânia tem sido o Estado mais corajoso. Muitos dos refugiados morando no campo de Zaatari em breve receberão autorização para trabalhar numa zona econômica especial próxima. O governo da Jordânia já investiu 100 milhões de dólares nesta zona. Os empregos provavelmente virão da indústria, uma vez que a rainha da Jordânia publicamente apoiou a ideia e diversos executivos industriais expressaram interesse.

No entanto, o mundo precisa agir mais rapidamente dada a escala que a crise dos refugiados tomou. Gordon Brown, George Soros e Ann-Marie Slaughter apoiaram a ideia de zonas econômicas especiais direcionadas a refugiados. As instituições Refugee Cities e Refugee Nation apoiam a criação de territórios com certo grau de autonomia legal para os refugiados.

A crise dos refugiados não mostra sinais de arrefecimento. As soluções atuais se mostraram insuficientes. Como tal, é hora de pensar de maneira mais ousada. Novas cidades com boas instituições podem absorver grandes números de refugiados enquanto dão a eles a oportunidade de terem vidas melhores. É hora de construir cidades de refugiados.


Este artigo foi originalmente publicado no site Fast Coexist em 27 de setembro de 2016. Foi traduzido por Lucas Magalhães, revisado por Anthony Ling e publicado neste site com autorização do autor.

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  • Uma alternativa bem interessante, o mais bacana é que este tipo de alternativa não está somente nos papeis. Estou muito feliz de ter encontrado este site, estou para terminar o meu TCC em geografia urbana (é difícil encontrar algo no Brasil que a referência não seja marxista). Como disse o amigo acima, tudo que tenha o Soros e importante ter prudência. E também recomendo modificar o campo de comentários para o DISQUS, muito mais eficaz.

  • a ideia é boa, mas uma dica: sempre desconfiem de TUDO que tenha o George Soros por trás. Esse cara é o maior patrocinador da agenda globalista que existe! agora uma sugestão: coloquem o DISQUS como plataforma de comentários!