A esquizofrenia do licenciamento ambiental no Brasil
O processo de licenciamento ambiental, necessário para a aprovação de projetos nas cidades brasileiras, apresenta diversos entraves na prática.
O que todas as cidades podem aprender com Paris e Porto — e por que o Brooklyn Bridge Park, em Nova York, deveria passar por uma transformação completa
18 de janeiro de 2024As cidades hoje estão ressurgindo em popularidade e crescimento populacional, então esse é o momento certo para explorar como podemos torná-las melhores. Em nossa experiência, observar de perto como as coisas são feitas em comunidades bem-sucedidas, bem como em comunidades que não atendem às expectativas, oferece lições claras.
A chave para garantir que os lugares prosperem está em atender às necessidades de todos que vivem lá, em vez de focar nas demandas de carros, engenheiros de tráfego e incorporadores imobiliários. A maneira de fazer isso é criando espaços públicos multiuso e multidimensionais — lugares atraentes e envolventes com muitas atividades para que pessoas de todas as idades e origens queiram se reunir.
As orlas são ótimos lugares para começar porque estão fortemente ligadas à identidade e história de uma cidade. Não haveria Estocolmo sem o porto, São Francisco sem a baía, Rio de Janeiro sem as praias. A maioria das cidades se desenvolveu ao redor da água, mas esses locais de nascimento mais tarde foram evitados por serem suspeitos, poluídos, lugares desacreditados.
Agora — de Abu Dhabi a Londres a Brisbane — as orlas foram reimaginadas como ativos cívicos vitais. Isso apresenta uma oportunidade ideal para lançar campanhas de placemaking, ou criação de lugares, que envolvam toda a comunidade na formação de espaços públicos que reflitam suas aspirações.
É importante lembrar que criar lugares significa mais do que apenas adicionar características distintivas ou “cool” a um lugar. Trata-se de criar um lugar que envolva as pessoas a fazerem algo mais do que simplesmente olhar. É sobre gerar atividades nas quais desejamos participar, conectando-nos com outras pessoas.
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As margens de rios em Paris, no Porto e no Brooklyn oferecem insights importantes sobre o que torna um lugar amado por aqueles que vivem, trabalham e se divertem lá — e o que não o faz. O segredo está em prestar atenção em como as pessoas realmente usam os espaços à beira do rio. Abaixo mostramos o que estimula a atividade social e a interação em Paris e Porto — e quão limitadas são as opções no Brooklyn Bridge Park em comparação.
Porto, a segunda maior cidade de Portugal, atravessa o rio Douro perto de sua junção com o Oceano Atlântico. A beira do rio é gloriosamente histórica. É fácil imaginar como era a vida aqui há 150 anos. O puro prazer de passear por essas ruas explica por que o Porto se tornou um local de peregrinação para viajantes que amam cidades.
A orla do Porto fomenta atividades durante todo o ano. As ruas descem das colinas até o passeio à beira do rio, que é cercado por cafés, lojas e assentos públicos que incentivam as pessoas a permanecer. Este distrito é reconhecido internacionalmente por seus espaços públicos movimentados que se estendem por uma ampla área geográfica, animados por três pontos de entrada que direcionam as pessoas para cada seção do passeio. A rica interação de todos esses elementos resulta em uma das melhores margens do mundo.
A “Cidade da Luz” às margens do rio Sena sempre representou o padrão pelo qual todas as outras cidades são medidas. Até recentemente, no entanto, o próprio Sena não era considerado um dos destaques de Paris. Na verdade, parecia uma cicatriz rasgando a cidade ao meio com amplas pistas para automóveis à beira do rio e tráfego estrondoso.
Isso mudou drasticamente nos últimos 15 anos, à medida que uma série de projetos transformou o rio e um canal no que acreditamos ser a melhor orla do mundo.
Por muitos anos, a autoestrada Georges Pompidou impedia o acesso público ao Sena na maioria dos lugares, até que o governo da cidade interveio para priorizar o prazer das pessoas sobre as necessidades dos carros. As faixas de rolamento ao longo do rio foram estreitadas, permitindo que pessoas a pé, de bicicleta e empurrando carrinhos de bebê se sentissem em casa ao longo do rio e das ruas da cidade acima dele.
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Uma praia de areia e restaurantes temporários mudaram completamente a sensação do Sena — inicialmente durante os meses de verão, mas agora durante todo o ano, graças a um passeio permanente e áreas de lazer. Atividades diversas e amigáveis para a família hoje fazem com que o rio pareça um zíper, unindo as margens esquerda e direita.
Paris Plage (“praia” em francês), uma audaciosa experiência para criar a atmosfera de um resort à beira-mar no coração da cidade, durou apenas 6 semanas em 2002. Mas sua enorme popularidade levou à pedestrianização de ambas as margens do Sena, devolvendo à orla seu papel legítimo de coração de Paris. A “Plage” tornou-se um modelo para um projeto de praia sazonal que recomendamos para Detroit, e que ajudou a recuperar o centro da cidade — um de muitos projetos ao redor do mundo inspirados na orla revigorada de Paris.
O Brooklyn Bridge Park é a face do Distrito do Brooklyn para o mundo, oferecendo ótimas vistas de atrações conhecidas internacionalmente como o horizonte de Manhattan, a Estátua da Liberdade e a própria Ponte do Brooklyn.
Paris e Porto oferecem exemplos instrutivos para melhorar o Brooklyn Bridge Park, assim como as orlas em Estocolmo, Londres, Barcelona, Cidade do Cabo, Singapura, São Francisco, Washington, Halifax e muitas outras cidades. Assim como outros lugares na beira do rio no Brooklyn, como Fulton Landing e Dumbo.
A boa notícia é que um renascimento da orla pode acontecer bastante rápido. Em apenas 15 anos, Paris foi de quase nada para a melhor do mundo. Washington, DC progrediu muito em 10 anos, e Halifax transformou a beira do seu porto em menos tempo. O Brooklyn pode alcançar isso.
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O primeiro passo para melhorar o Brooklyn Bridge Park é substituir as barreiras por espaços públicos utilizáveis que ofereçam comida e exibam arte e outras exposições culturais, semelhante ao Porto. O próximo passo é converter parte da vasta extensão de riprap em playgrounds e outros ímãs para atividades e interação social, como Paris fez. Halifax construiu sobre o riprap, adicionando uma quantidade significativa de espaços públicos. Tudo isso contribuiria enormemente para a crescente reputação de Brooklyn como uma grande cidade global.
Autores: Fred Kent, Kathy Madden and Jay Walljasper
Artigo originalmente publicado em Social Life Project, em fevereiro de 2020.
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