“Se uma estrutura cai pelo deliberado, frequentemente dramático, esforço humano ou pela longa e desconcertante gastura no uso natural, sua queda é uma decisão tão humana quanto a sua construção.” — Bill Millard
A arquitetura, como se conhece, é constantemente definida por sua durabilidade. Do ponto de vista artístico, isso implica em certa sobriedade por parte dos arquitetos — contrastante com a de designers gráficos e de moda por exemplo; a ideia de estilos sazonais é absolutamente abominada; aqui tudo parece levar mais tempo. A crença na longevidade também se materializa no poder público; de JK em Brasília às cidades projetadas por Albert Speer para o regime nazista, quase todo tipo de governo espera de alguma forma se eternizar em concreto. O mercado vê na durabilidade das edificações, apesar de cada vez mais haver uma redução nesta, a demanda por espaços que comportem diferentes e imprevisíveis programas, visto que o tempo das mesmas sempre os excederá. Permanência é tratada como a virtude máxima da disciplina.
A legislação caminha de mãos dadas com essa tendência. A preservação de paisagens cada vez mais extensas colabora com outro dos grandes valores da arquitetura, a crença em sua natureza invariavelmente aditiva. Para a maioria das pessoas, a demolição de espaços caracteriza quase sempre uma falha de projeto. Como resultado, cidades são construídas através da eterna expansão de sua poligonal, seja para a terra ou para o mar. Associada a sua (suposta) necessidade de permanência, as áreas expandidas são, sempre que possível, ocupadas por edifícios neutros — não apenas decorated-sheds —, mas casas e prédios residenciais nulos e indiferentes, supostamente mais fáceis de vender.
Seria possível atuar de outra maneira?
Desacreditar na longevidade da arquitetura só é produtivo até certo ponto. O conjunto construído não é um mercado de ações — grandes obras chegam a durar décadas entre idealização e execução; a realidade para a qual se projeta é muitas vezes completamente distinta daquela na qual a construção tem vida. Certa permanência é necessária, e até desejável, entretanto nós, arquitetos, fomos lobotomizados a pensar a mutação do espaço em uma única direção e sentido. Não diferente da escultura, espaços urbanos podem ser produzidos escavando, substituindo, ou adicionando ao tecido existente. Devemos entrar em contato com uma cultura da subtração e substituição.
Quem procurar encontrar o valor de uma arquitetura impermanente passará inevitavelmente pelo Japão. Apesar de uma modernidade claramente aditiva, caracterizada pelos projetos para a baía de Tokyo ou as megaestruturas de Arata Isosaki — edifícios suspensos, onde a preservação é respondida pela proposta de construir apenas acima da cota 30 — a atual redução populacional da cidade, que torna sistemas de metrô e de ônibus inviáveis, apresenta à cidade uma série de problemas que simplesmente não poderão ser solucionados pela soma. A impermanência, no país, também se apresenta como um motor central de sua qualidade arquitetônica residencial. Devido à peculiaridade de um mercado imobiliário onde casas perdem o valor de maneira similar a bens de consumo duráveis — raramente sendo vendidas a um segundo usuário — uma quantidade considerável de pessoas se sente confortável em ter uma residência arrojada, feita sob medida para as necessidades de sua família.
Las Vegas também se apresenta como um exemplo da metamorfose das cidades através da destruição. Restrita por uma localização onde o crescimento significaria uma relação ainda mais desigual com o abastecimento de água e recursos, potencializada por sua economia, a cidade se reconstrói quase completamente a cada década, de maneira a atender as demandas da indústria de jogos — pouco existe atualmente da cidade investigada por Venturi e Scott Brown. A cidade apresenta um ecossistema simultâneo de construções e demolições — o que caracteriza inclusive um evento em muitos dos hotéis; a permanência da cidade é imaterial.
Uma narrativa da impermanência passa ainda por Detroit, uma cidade que passou a tempos iguais encolhendo e em expansão, Rotterdam e a destruição de seu centro durante a Segunda Guerra Mundial, Berlin e a espacialidade produzida pela queda do muro. Cidades onde os vazios criados, mesmo que tragicamente, possibilitaram uma mudança total nas relações entre o construído e o pedestre, o contemporâneo e o patrimônio. Mencionando ainda arquiteturas específicas, tal narrativa passaria inevitavelmente pelos parques infantis de Aldo van Eyck — em terrenos bombardeados da Alemanha e Holanda — e pela grande praça originada no terreno das Torres Gêmeas do World Trade Center (ainda que com diversas ressalvas, pois neste caso o vazio central contrastou com a ocupação — exibicionista — de quase todos os terrenos perimetrais ao terreno em downtown, e à espalhafatosa construção de uma torre ainda maior que as anteriores). Aprender que tais reduções não sempre precisam resultar de desastres, e como negociar as mesmas, é essencial a novas arquiteturas.
Subtrair, principalmente de seu tecido planejado, é sempre o último recurso do arquiteto, entretanto é frequentemente o mais indicado. Processos de tamponamento de rios para implantar corredores de ônibus ou aterros do mar para produzir uma nova pista costeira são característicos desta mentalidade, que considera o vazio urbano como algo destinado ao preenchimento. Negar a subtração é ignorar o fato de que cidades, bairros ou ruas têm marés de crescimento ou abandono guiadas por fatores externos; suburbanização, populações em redução, migrações ou apenas a busca de cidades mais compactas apresentam um chamado à demolição. Bons desenhos urbanos não precisam aparecer em fotos, é preciso reconhecer no “tirar” seu verdadeiro valor.
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