Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Diferente de outras cidades em rápido crescimento, Miami não regula a altura das edificações.
6 de julho de 2015Cidades em crescimento podem evitar a gentrificação simplesmente construindo arranhas-céus? Edward Glaesar, economista de Harvard, pensa que sim. No seu livro Trimph of the City (Os Centros Urbanos), de 2012, ele notoriamente argumenta que para enfrentar a escassez de habitação, cidades precisam crescer verticalmente. Se não fizerem isso, ele alerta, as pessoas ricas que comprariam unidades em arranha-céus irão, em vez disso, comprar casas mais antigas, deslocando moradores e comerciantes antigos. A teoria de Glaeser, na maior parte das vezes, não tem sido testada, uma vez que as cidade que mais sofrem com a gentrificação no país — como Nova York, San Francisco e Washington, D.C. — ainda controlam fortemente as altura das edificações. Entretanto, uma área próxima ao centro de Miami pode finalmente oferecer algum apoio à premissa de Glaeser.
Não muito distante da classe trabalhadora, encontrada em bairros étnicos como Little Havana e Overtown, Brickell é lar da crescente indústria bancária de Miami. Próximo ao centro da cidade, é um dos bairros mais caminháveis da cidade. O seu centro está repleto de restaurantes, bares e boutiques de alto padrão. Em outras cidades, a riqueza de Brickell poderia estimular a gentrificação nas áreas pobres adjacentes. Porém, as políticas de uso do solo em Miami não são as mesmas que as usadas em outros lugares.
Em vez de controlar a densidade regulando a altura de edificações, Miami deixou empreendedores construírem para cima: 53 dos 64 edifícios acima de 122 metros de altura foram concluídos após 2000. Muitos desses arranha-céus estão em Brickell, construídos para acomodar uma população residencial abastada, que dobrou para 28.000 ao longo dos últimos 15 anos.
Ao contrário de muitas outras cidades que se têm visto rápido crescimento semelhante — onde a chegada da classe profissional promoveu deslocamento para bairros étnicos como o Mission em San Francisco ou o U Street Corridor em Washington — Miami não tem testemunhado um alastramento da classe bancária nos bairros de Little Havana ou Overtown. De acordo com o site de imóveis Zillow, o valor médio das casas em ambos os bairros está cerca de metade do encontrado no resto da cidade e aproximadamente um terço do de Brickell. Embora ambas as áreas possuam novos condomínios, elas ainda são predominantemente históricas e de baixa altura. O mais importante, as pessoas permaneceram lá. Little Havana e Overtown permaneceram com 95% da população não-americana, com renda média menor que $24.000.
Isso, é claro, não significa que Overtown e Little Havana não vão acabar gentrificando; já houveram pedidos para se fazer um novo zoneamento com uso mais intensivo em Little Havana. Se eles gentrificarem, alguns irão argumentar que isso foi resultado da permissão do crescimento de um bairro com arranha-céus nas proximidades. Ainda assim, Glaeser pode ter alguma razão. Autorizando crescimento vertical, Miami conteve a entrada de ricos para certas áreas e ajudou a preservar outras — pelo menos por algum tempo.
Este artigo foi publicado originalmente no site Governing em 25 de junho de 2015. Foi traduzido por Matheus Sperry.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarAs mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.
Confira nossa conversa com Diogo Lemos sobre segurança viária e motocicletas.
Ricky Ribeiro, fundador do Mobilize Brasil, descreve sua aventura para percorrer 1 km e chegar até a seção eleitoral: postes, falta de rampas, calçadas estreitas, entulhos...
Conhecida por seu inovador sistema de transportes, Curitiba apresenta hoje dados que não refletem essa reputação. Neste artigo, procuramos entender o porquê.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
Algumas medidas que têm como objetivo a “proteção” do pedestre na verdade desincentivam esse modal e o torna mais hostil na cidade.
A Roma Antiga já possuía maneiras de combater o efeito de ilha de calor urbana. Com a mudança climática elevando as temperaturas globais, será que urbanistas podem aplicar alguma dessas lições às cidades hoje?
Joinville tem se destacado, há décadas, por um alto uso das bicicletas nos deslocamentos da população.
COMENTÁRIOS