Colocando o Rio de Janeiro no mapa
Imagem: Alexandre Macieira/Riotur.

Colocando o Rio de Janeiro no mapa

Novas tecnologias de mapeamento oferecem possibilidades de conectar os moradores informais do Rio de Janeiro à infraestrutura urbana.

10 de fevereiro de 2022

O futuro do planejamento urbano pode estar na segunda maior cidade do Brasil: o Rio de Janeiro. Mas não é ao longo da brilhante orla de Ipanema, negligenciada por abrigar alguns dos imóveis mais caros da América Latina. Tampouco está no Centro, reformado para as Olimpíadas de 2016 e agora foco de um grande plano de revitalização urbana. Para vislumbrar o futuro das cidades, deve-se passar pela Lagoa Rodrigo de Freitas até chegar ao bairro do Jardim Botânico e depois olhar para os morros, onde o imenso bairro da Rocinha está perigosamente empoleirado nas encostas.

O ritmo da urbanização em todo o mundo se acelerou drasticamente nos últimos anos. Em todo o planeta, o equivalente a uma nova Londres é construída a cada sete semanas. Esse crescimento explosivo consiste principalmente em “bairros informais”. No Brasil, são chamadas de favelas. A Rocinha é a maior das muitas favelas que pontilham o irregular terreno do Rio de Janeiro, com 100.000 a 200.000 habitantes, dependendo da estimativa em que se confie.

As favelas surgiram no final do século 19. Após a abolição da escravatura em 1888, multidões de libertos e soldados dispensados ​​começaram a construir suas casas com materiais improvisados ​​nas periferias das cidades brasileiras. Os bairros resultantes receberam o nome do tipo de árvore que os cercava por todos os lados. Hoje, cerca de 12 milhões de brasileiros vivem em favelas, onde o acesso dos moradores a serviços essenciais, como água e eletricidade, é limitado, e os riscos à saúde, incluindo tuberculose e hanseníase, são graves.

Por décadas, políticos e urbanistas concordaram com uma solução simples e brutal para as favelas: demoli-las e reconstruí-las do zero. Esse método de limpeza de bairros informais tem uma longa história — e não apenas no Brasil. Antes das demolições do Barão Haussmann no século 19, Paris fervilhava com construções informais — arquitetura sem arquitetos que remontava à Idade Média. Até Nova York já foi o lar da maior favela dos Estados Unidos, famosamente retratada em Gangues de Nova York, de Martin Scorsese.

Em 2003, a cidade de Medellín, na Colômbia, foi pioneira em uma nova abordagem às favelas. Em vez de sucumbir à tentação de uma tabula rasa, os urbanistas se guiaram por três princípios. Primeiro, preservariam o tecido urbano dos bairros informais sempre que possível. Em segundo lugar, criariam novos espaços públicos, como uma praça, uma biblioteca ou um campo de futebol. E, terceiro, estabeleceriam novas conexões entre os distritos não planejados e planejados da cidade, como a construção de uma rede de teleféricos para trafegar acima do perigoso e traiçoeiro terreno.

Teleférico em Medellín. (Imagem: Metro de Medellín)

Os benefícios da nova fórmula rapidamente se tornaram evidentes. Há muito estigmatizada por crimes violentos nas ruas, Medellín logo foi reconhecida pelo sucesso de sua revitalização urbana. Em 2013, o Wall Street Journal concedeu-lhe o título de “Cidade Inovadora do Ano”. A partir dessas experiências de apoio e incorporação de bairros informais, nasceu uma nova e inclusiva forma de planejamento urbano.

Vinte anos após o sucesso do “modelo de Medellín”, o comissário de planejamento urbano do Rio, Washington Fajardo, começou a se perguntar se seria possível desenvolver um “modelo carioca” para o século 21. Iniciou, então, um projeto de modernização da Rocinha que utiliza a tecnologia digital para melhorar a relação entre as pessoas e as cidades.

A ideia baseia-se na aplicação da tecnologia de digitalização 3D, cada vez mais utilizada nos setores de urbanismo e construção, para criar os primeiros mapas precisos da Rocinha. O traçado complexo e irregular da favela tornaria essa tarefa impossível para as tradicionais ferramentas cartográficas. Mas a varredura a laser LiDAR e os bancos de dados digitais podem medir centenas de milhares de pontos por segundo, cada um com precisão de milímetros.

Mapear a Rocinha é o primeiro passo crítico para uma série de projetos de revitalização urbana. Entender exatamente o qual é e onde está um pré-requisito para conectar a área à infraestrutura urbana, como eletricidade, água encanada e esgoto. Esses mapas também permitem intervenções direcionadas que podem mitigar os riscos à saúde pública, facilitar os deslocamentos ou simplesmente permitir um fluxo mais constante de ar e luz solar.

Os planos para mapear a Rocinha também podem ajudar a garantir que seus moradores sejam reconhecidos como cidadãos de direito pleno. Moradores de favelas vivem há muito tempo como brasileiros de segunda classe, morando em bairros invisíveis e desconhecidos com acesso limitado aos benefícios e proteção das instituições públicas. Um mapa pode fornecer o ponto de partida para que esses moradores obtenham o registro oficial das propriedades que mantêm há muito tempo. Em suma, a digitalização 3D poderia trazer as favelas, com todas as suas armadilhas e potencial, para fora das sombras.

O experimento está em andamento e seus efeitos só se tornarão claros com o tempo. Mas se for bem-sucedido, o programa oferecerá novas possibilidades para as cidades de amanhã. A renovação da Rocinha poderia demonstrar o potencial para uma síntese de dois modos atemporais de urbanização: planejamento de cima para baixo por profissionais e construção descentralizada de baixo para cima pelos esperançosos e trabalhadores moradores. Um dia, essas forças poderão se reforçar a si mesmas, nas encostas ensolaradas do Rio de Janeiro, onde as favelas — tanto árvores quanto bairros — criaram profundas raízes.

Publicado originalmente em Project Syndicate em 18 de janeiro de 2022. Traduzido por Anna Maria Dalle Luche.

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