Christopher Alexander: o legado de um urbanista visionário
Imagem: Peter Morville/Flickr.

Christopher Alexander: o legado de um urbanista visionário

Christopher Alexander buscava entender a natureza, o lugar da arquitetura e do ambiente construído — e re-situar nossa presença nela.

25 de abril de 2022

Um dos grandes teóricos da arquitetura, cidade e natureza faleceu recentemente, dia 17 de março de 2022, aos 85 anos. Nascido em Viena em 4 de outubro de 1936, Christopher Alexander viveu uma longa vida de contribuições e singularidades, com proposições visionárias sobre cidades e, ao mesmo tempo, subversivas ao mainstream da prática arquitetural.

Christopher Alexander nadou contra a corrente ao longo de sua trajetória como arquiteto e teórico — desde os anos 1960, em sua ruptura com o movimento moderno. Pouco antes, Jane Jacobs publicava seu Death and Life of Great American Cities (1961), um ataque devastador às tendências visualistas e o desconhecimento das conexões entre edifícios e a vida social das ruas nas teorias normativas do modernismo — em si, um movimento revolucionário, com inovações tecnológicas e compositivas, mas profundamente desenraizado da relação entre ambiente construído e vida social que cidades tradicionalmente traziam.

Christopher Alexander
“Ele queria identificar a ordem que está por trás da beleza e do significado no mundo construído, e então aprender, como arquiteto e construtor, como fazê-lo”, segundo Howard Davis. Nascido na Austria, Alexander viveu nos Estados Unidos e Inglaterra, onde passou seus últimos anos. (Imagem: Sophie Alexander)

Alexander identificou as razões da desconexão — cognitiva, espacial, genética (e esse termo merece atenção). Sua crítica foi de grande precisão e lançou as fundações de uma nova visão sobre cidades. Sua principal pergunta era sobre a gênese — da forma, da cidade, da natureza — e seu enraizamento na prática humana e nas soluções que criamos historicamente como cultura.

Um prodígio, Christopher Alexander fez arquitetura e obteve um mestrado em matemática no Trinity College, Cambridge. Doutorou-se em Harvard em 1962 — o primeiro doutorado em arquitetura concedido naquela universidade. Trabalhou no MIT e em Harvard, com foco em estudos cognitivos. Sua tese, premiada com a American Institute of Architects Gold Medal, virou seu primeiro livro, Notes on the Synthesis of Form. Em 1963, iniciou a lecionar em Berkeley, California, onde fundou o Center for Environmental Structure e trabalhou até 2002, quando se aposentou. Seguiu escrevendo, ensinando e fazendo arquitetura.

Ele foi um arquiteto com extensa produção: mais de 200 edificações, do Eishin Campus, nas proximidades de Tóquio, à habitação popular no Peru, uma escola na Índia e abrigo a sem-tetos na Califórnia.

Atuou fora do star system porque rejeitava as visões que pautam projetos pensados como abstrações, em condições isoladas e artificiais, nas quais arquitetos lidam de forma autoconsciente com problemas que se encontrariam melhor resolvidos inconscientemente, na cultura acumulada no tempo. Ele desenvolveu seu próprio sistema construtivo de blocos de concreto encaixados como legos, e projetava in loco, nem sempre no papel, frequentemente junto aos futuros usuários.

Escola Eishin
Escola secundária Eishin, nos arredores de Tóquio, Japão, projetado por Christopher Alexander na década de 1980. (Imagem: Higashino High School) 

Alexander distinguiu diferentes culturas de construção. Culturas inconscientes realizam a adaptação da forma através de processos de aprendizagem nos quais as regras não são explicitadas mas reveladas na prática, através da correção progressiva de erros reconhecidos, junto à reprodução natural dos acertos.

As correções, uma vez reconhecidas na prática, passam a ser incorporadas ao conhecimento e às técnicas de produção de formas. Em culturas inconscientes, os padrões emergem de processos de tentativa e erro, e adaptação que mudam lentamente, evoluindo para formas adequadas. Já as culturas autoconscientes reagiriam menos sistemicamente, por dependerem do trabalho de especialistas no processo de criação da forma.

“Conseguir em poucas horas na prancheta o que antes levava séculos de adaptação e desenvolvimento, inventar de repente uma forma que se encaixe claramente em seu contexto — a extensão da invenção necessária está além do designer mediano.” — Alexander, 1964:59

Daí sua crítica e rejeição profunda ao modernismo: para ele, o modernismo rompia esse “modo de construir”.

“Existe uma forma intemporal de construir. Tem mil anos e é a mesma hoje como sempre foi. As grandes construções tradicionais do passado, as aldeias, tendas e templos em que o homem [sic] se sente em casa, sempre foram feitas por pessoas que estavam muito perto do centro desta forma.”

O foco em tipos de estruturas capazes ou não de replicar naturalmente nossas práticas marca também seu artigo premiado de 1965, “The City is Not a Tree”. Um clássico instantâneo, esse texto inovou em ao menos duas frentes.

Primeiro, relacionou a visão do espaço urbano na modernidade a uma forma de organização mental elementar: o projeto desenhado por poucos e executado para muitos (top-down) replica recursos (e limitações) do raciocínio analítico baseados na compartimentação, separação e hierarquias simples (como os zoneamentos rígidos de usos do solo), desmantelando as redes e tramas complexas dos usos misturados, aparentemente bagunçados, mas naturalmente complementares que cidades que crescem bottom-up naturalmente criam.

A City is Not a Tree
A City is Not a Tree: um artigo premiado em 1965 ganha edição comemorativa em livro.

Christopher Alexander deu as razões cognitivas para os problemas que Jacobs denunciava na prática de projeto e nos ambientes urbanos, e chamava “complexidade organizada”. A complexidade do labirinto de inter-relações na cidade só encontraria um aparente sentido de ordem uma vez dividida em pedaços reconhecíveis, classificados por semelhanças, diferenças ou implicações diretas. Nossas mentes são máquinas de separar partes para entender e, ao fazê-lo, desfazem os arranjos complexos de relações que cidades alcançam por si.

Segundo, propôs uma visão de pura topologia da estrutura de cidades como redes, ao dizer que cidades não são sistemas hierárquicos como árvores, mas redes integradas internamente, como tramas (semi-lattices).

Portanto, impor topologias de árvores a cidades, como inconscientemente, ou não, vinha acontecendo em projetos urbanos como Chandigarh ou Brasília (e suas replicações em escalas menores), gerava grandes impactos sobre a proximidade, a complementaridade natural entre atividades e seu desempenho.

Adiante, Alexander não perseguiu essa visão topológica pioneira da cidade. Antes disso, fez uma virada iconográfica em seu trabalho, visualizando conjuntos de propriedades em arranjos elementares aos quais chamou “padrões”.

Ironicamente, seu brilhante insight topológico se tornou o coração de outras abordagens, que sistematizaram a leitura das tramas urbanas via teoria dos grafos para descrever redes espaciais em edifícios e cidades. Conhecidas como estudos configuracionais e sintaxe espacial, essas abordagens moldaram nossa visão do ambiente construído e suas conexões com a vida social, das experiências cotidianas ao modo como organizamos cidades e sociedades.

Publicado em 1977, A Pattern Language teve impacto para além da prática da arquitetura: sua “linguagem de padrões” foi um conceito influente na Ciência da Computação e no desenvolvimento de software.

Por exemplo, o criador da tecnologia Wiki (que alimentaria a Wikipedia), Ward Cunningham, reconheceu que o trabalho de Christopher Alexander o ajudou a imaginar a estrutura da ferramenta. Curiosamente, a abordagem combinatória aparenta remeter a ideias de hierarquia cuja estrutura Alexander antes criticara — mas, na verdade, a abordagem aqui é de sobreposição bottom-up, ao invés da separação top-down da topologia em árvores.

A Pattern Language
Livro A Pattern Language, de 1977.

Como teórico, Alexander se dedicou a entender como cidades emergem em caminhos de estruturação. Esses termos soam incomuns porque não costumamos pensar sobre esse processo, mas onde quer que formas tenham emergido e onde quer que haja vida, há gênese de estruturas.

A Pattern Language

Uma gramática de arquitetura e composição de lugares a partir de 253 padrões.

Organismos, nossos corpos, nossas obras são exemplos — fenômenos improváveis de estruturação. Alexander buscou descrever esse fluxo. Ele entendia que humanos realizam essa construção naturalmente em seu ambiente — desde que o façam coletivamente, pacientemente, geração após geração, sofisticando o “encaixe” entre forma (arquitetônica, urbana), contexto e função — as práticas da vida ao redor.

Essa é uma teoria de contornos darwinianos — dos edifícios às práticas humanas, sua versão sofisticada de uma teoria da relação entre sociedade e espaço. Alexander entende a adequação (fit) da forma urbana como a “ausência de desajustes”: as formas construídas que expressam e estimulam nossas práticas continuariam a ser reproduzidas, mudando ao longo do tempo de acordo com as mudanças nas práticas em si. Alexander descreveu por décadas esse processo de encaixe, que garantiria que formas criadas coletivamente atingiriam essa adequação:

“Como pode um sistema complexo encontrar o seu caminho para uma boa configuração? Teoricamente, podemos dizer que o sistema caminha pelo espaço de configuração, dando viradas e sempre chegando a uma configuração bem adaptada. A grande questão, claro, é como essa caminhada é controlada: quais são suas regras que a levam a uma boa adaptação? Embora algumas respostas muito preliminares tenham sido dadas a essa pergunta, nenhuma foi suficiente ainda. Esta é talvez a questão científica da nossa era.” — Christopher Alexander, 2003:19.

Alexander focou nesses processos de criação — incluindo a tentativa e o erro, a aleatoriedade e a necessidade, as mudanças nas nossas interações e o papel do contexto e das idiossincrasias das nossas práticas nas “transformações que preservam estrutura”.

Sobretudo, Christopher Alexander buscava entender a natureza, o lugar da arquitetura e do ambiente construído — e re-situar nossa presença nela. A motivação e ambição eram filosóficas, e em sua obra mais ambiciosa mostrava claramente isso: The Nature of Order: An Essay on the Art of Building and the Nature of the Universe, em 4 volumes.

Os conceitos que Alexander explorava aqui, por vias não usuais, são eloquentes: ideias de totalidade, beleza e as condições de emergência da vida. Ele ainda deixaria uma obra, inacabada, até onde temos informação, centrada na sustentabilidade e morfogênese. Alexander puxou a teoria urbana para as fronteiras da teoria da estruturação do mundo ao nosso redor. Foi um dos pensadores mais originais que tivemos nas últimas décadas. Suas ideias seguirão reverberando por outras tantas por vir.

Os trabalhos publicados de Alexander e colegas incluem:

• Community and Privacy, with Serge Chermayeff (1963)

• Notes on the Synthesis of Form (1964)

• A city is not a tree (1965)

• The Atoms of Environmental Structure (1967)

• A Pattern Language which Generates Multi-service Centers, with Ishikawa and Silverstein (1968)

• Houses Generated by Patterns (1969)

• The Grass Roots Housing Process (1973)

• The Oregon Experiment (1975)

• A Pattern Language, with Ishikawa and Silverstein (1977)

• The Timeless Way of Building (1979)

• The Linz Cafe (1981)

• The Production of Houses, with Davis, Martinez, and Corner (1985)

• A New Theory of Urban Design, with Neis, Anninou, and King (1987)

• Foreshadowing of 21st Century Art: The Color and Geometry of Very Early Turkish Carpets (1993)

• The Mary Rose Museum, with Black and Tsutsui (1995)

• The Nature of Order Book 1: The Phenomenon of Life (2002)

• The Nature of Order Book 2: The Process of Creating Life (2002)

• The Nature of Order Book 3: A Vision of a Living World (2005)

• The Nature of Order Book 4: The Luminous Ground (2004)

• The Battle for the Life and Beauty of the Earth: A Struggle Between Two World-Systems, with Hans Joachim Neis and Maggie More Alexander (2012)

A publicar:

• New Concepts in Complexity Theory: Arising from Studies

• Sustainability and Morphogenesis (working title)

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