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Ceticismo em relação à oferta de moradia | Entrevista com Ingrid Gould Ellen
Conversamos com a professora Ingrid Gould Ellen, coautora do artigo "Supply Skepticism Revisted", sobre a relação entre a oferta de moradia e os preços.
Ingrid Gould Ellen é professora de planejamento urbano na Universidade de Nova York (NYU) e coautora do artigo Supply Skepticism Revisted (Ceticismo em relação à oferta, revisitado) ao lado de Vicki Been e Katherine O’Regan. A pesquisa busca analisar e responder às preocupações dos que acreditam que um aumento na oferta de moradia não diminui o crescimento dos preços dos aluguéis, e foi o tema de um artigo anterior do Caos Planejado.
Nesta entrevista exclusiva, conversamos com Ingrid sobre os assuntos abordados em seu artigo, o processo de pesquisa, as conclusões e como podemos aplicá-las ao contexto brasileiro.
Caos Planejado: Seu artigo analisa os argumentos apresentados pelos “céticos em relação à oferta” sobre o impacto da oferta de moradia na acessibilidade. Quais foram os principais desafios que você enfrentou em fornecer evidências sobre as preocupações deles?
Ingrid Gould Ellen: Os céticos em relação à oferta argumentam que novas habitações não desaceleram o crescimento dos preços dos aluguéis. Portanto, nossa pergunta central foi: o que as pesquisas nos dizem sobre como o aumento da oferta de habitação afeta os bairros e cidades onde ela é adicionada?
Muitos fatores diferentes podem influenciar os custos habitacionais e as mudanças num bairro, então isolar especificamente os efeitos da nova oferta é difícil. Mas esta revisão inclui trabalhos que fazem isso de maneiras criativas – por exemplo, um artigo de 2021 de Kate Pennington utiliza novas construções após grandes incêndios como um experimento natural que permite ao pesquisador tirar conclusões sobre como os novos prédios afetam os custos no bairro.
De forma mais ampla, o corpo de pesquisa sobre esse tema ainda está crescendo. Acreditamos que a coleção de pesquisas que revisamos em Supply Skepticism Revisited é robusta o suficiente para sustentar as conclusões que tiramos, mas também oferecemos sugestões para investigações adicionais. Gostaríamos de saber mais sobre as circunstâncias em que os residentes existentes podem ser deslocados pelas transformações no bairro e sobre quais reformas de uso do solo são mais eficazes.
Caos Planejado:Supply Skepticism Revisited destaca o impacto positivo que a oferta adicional de moradia pode ter na acessibilidade habitacional, citando evidências de estudos recentes. Quantos estudos você levou em consideração? Qual deles tinha os resultados mais surpreendentes, na sua opinião?
Ingrid Gould Ellen: Tentamos examinar o máximo possível das novas pesquisas. Alguns dos artigos que mais nos entusiasmam não necessariamente têm resultados surpreendentes, mas usam técnicas ou dados surpreendentes para encontrar explicações causais para fenômenos que já tínhamos identificado de maneiras menos formais. Um exemplo disso é a pesquisa sobre cadeias de mudanças. Cristina Bratu, Oskari Harjunen e Tuukka Saarimaa usaram dados populacionais de Helsinque e descobriram que, embora as novas habitações construídas em áreas caras da cidade abrigassem principalmente pessoas de maior renda, as cadeias de mudanças engatilhadas por essas novas unidades rapidamente atingiam bairros de renda média e baixa, liberando apartamentos para os quais pessoas com renda mais baixa poderiam se mudar. Esse é o tipo de nova evidência que nos ajuda a entender como uma nova oferta de moradia pode fazer a diferença.
Caos Planejado: Por que você acha que o ceticismo persiste, mesmo à luz dessas evidências? Houve diferentes evidências no passado, ou as preocupações em relação à oferta vêm de percepções pessoais sobre o desenvolvimento urbano?
Ingrid Gould Ellen: Primeiro, as pessoas têm apegos compreensíveis aos seus bairros. Especialmente em grandes cidades como Nova York, nossos bairros muitas vezes se tornam parte de nossas identidades pessoais. Sentir que a forma desse bairro está mudando, especialmente se estiver mudando sem sua contribuição, é naturalmente desconcertante e pode levar à resistência ao desenvolvimento.
Em seguida, existe outro conjunto de argumentos contra a oferta que sugere que o que precisamos não é de mais habitação, mas sim de mais habitação de interesse social, especificamente. E na superfície isso faz sentido, porque muitas pessoas estão procurando unidades com baixo aluguel, e quando uma unidade de preço de mercado aparece em seu bairro, ela pode não ser diretamente útil para elas. Mas, embora novas moradias a preço de mercado possam não atender diretamente às necessidades dos locatários de renda mais baixa, elas parecem aliviar a valorização do aluguel para um amplo conjunto de locatários. Ao considerar cidades e mercados de forma holística, vemos que um aumento da oferta tem efeitos amplamente benéficos, e é assim que enquadramos a nossa análise.
Caos Planejado: Quais medidas específicas você acredita que são mais eficazes para aumentar a produção habitacional e responder às desigualdades na distribuição de habitação?
Ingrid Gould Ellen: Uma das principais conclusões aqui é que diferentes estratégias funcionam melhor em diferentes cidades. Na verdade, esse é o desafio para muitos lugares que buscam resolver seus problemas de acessibilidade habitacional: selecionar as melhores políticas é difícil. (O laboratório de soluções habitacionais locais do Furman Center tem recursos disponíveis para ajudar as cidades a resolver esses problemas).
Nossa revisão da literatura em Supply Skepticism Revisited conclui que reformas na regulação de uso do solo, como flexibilização do zoneamento, podem ser uma forma eficaz de aumentar a oferta habitacional, mas que outros fatores como demanda, financiamento, mão de obra e restrições de oferta podem reduzir o impacto das mudanças regulatórias. Em alguns casos, são necessárias medidas mais proativas, como isenções fiscais para desenvolvedores que constroem unidades acessíveis.
Aumentar a produção habitacional e enfrentar as desigualdades na distribuição habitacional são objetivos relacionados, mas podem não ter as mesmas soluções políticas. Para endereçar as desigualdades, é importante considerar políticas que combatam ativamente a segregação e a discriminação. Criar bairros de renda mista para diminuir a segregação residencial e garantir que os locadores não discriminem potenciais inquilinos que desejam pagar com auxílio moradia são exemplos de objetivos políticos que podem reduzir algumas das desigualdades.
Caos Planejado: Como os legisladores e os incorporadores podem se envolver efetivamente com as comunidades para construir confiança e garantir que o desenvolvimento habitacional beneficie todos os residentes?
Ingrid Gould Ellen: É importante levar as preocupações das pessoas a sério. Muitas vezes, a resistência das pessoas às novas moradias vem de lugares compreensíveis e expressa algum desconforto genuíno. Os legisladores têm que encontrar as pessoas onde elas estão.
A maioria das pessoas não são acadêmicas, e a maioria das pessoas não se anima com resultados como, por exemplo, “Auckland aumentou em 75% sua área para construção e aumentou seu estoque de habitação em 4,11% em 5 anos” – mesmo que os pesquisadores possam achar esse resultado convincente (Greenaway-McGrevy e Phillips, 2023). A elaboração de políticas habitacionais e econômicas requer algum nível de expertise técnica, e é fácil para especialistas em políticas cair em jargões acadêmicos ou linguagem condescendente ao falar sobre esses assuntos. Desenfatizar um pouco esses dados e contar diferentes histórias sobre os efeitos dessas políticas pode ser eficaz. Se um proprietário mais velho está nervoso com as implicações de um novo prédio, podemos lembrá-lo de que mais oferta de apartamentos permitiria que seus filhos adultos encontrassem um lugar acessível para morar nas proximidades, em vez de serem forçados a se mudar para outra cidade, por exemplo.
Os legisladores também devem entender que existem maneiras de aumentar a densidade mesmo em bairros com forte resistência a novas construções. Se um pouco de moradia é criada em cada bairro através da construção de edifícios em lotes ainda não desenvolvidos, de unidades habitacionais acessórias e aumentos modestos nos potenciais construtivos, isso pode resultar em um número substancial de novas moradias.
Caos Planejado: O estudo mostra pesquisas de diferentes países com resultados semelhantes. Como as pessoas de países em desenvolvimento podem interpretar os resultados de Supply Skepticism Revisited em seu contexto? O artigo Estimating the Economic Value of Zoning Reform(Estimando o Valor Econômico da Reforma do Zoneamento), de Santosh Anagol, Fernando V. Ferreira e Jonah M. Rexer foi uma referência para seu estudo? Você conhece outros estudos em países em desenvolvimento?
Ingrid Gould Ellen: O artigo de Anagol, Ferreira e Rexer é um dos mais interessantes que citamos na revisão e mostra resultados que podem fornecer lições para cidades em todo o mundo. Eles descobriram que quando a cidade de São Paulo aumentou a quantidade máxima de área construída permitida em determinados quarteirões, a flexibilização da regulação levou a novas construções e maior densidade. Seis anos após São Paulo instituir a mudança, os pesquisadores descobriram que o total de unidades habitacionais à venda aumentou em 10% nos quarteirões onde a política foi aplicada. É fácil imaginar esse fenômeno ocorrendo em outras cidades também.
Caos Planejado: Sua pesquisa se baseou em lugares com alta demanda por habitação. Mas você conhece algum estudo que analise os impactos da oferta adicional de moradia em cidades ou bairros onde a demanda está diminuindo? Você acha que novos prédios podem ajudar a revitalizar esses lugares ou podem piorar a situação?
Ingrid Gould Ellen: Cidades enfrentando uma redução geral na demanda ainda podem precisar de investimentos em habitação, mas pode ser mais apropriado que isso se manifeste na forma de renovação e reparos. Cidades com uma demanda decrescente podem precisar de estratégias para ajudá-las a lidar com habitações vagas, prédios abandonados e propriedades com impostos atrasados. Ferramentas como land banks (bancos de terrenos), registros de propriedades vagas e reformas nas regulações de moradias podem ser úteis. Nosso site localhousingsolutions.org apresenta um grande conjunto de ferramentas de políticas habitacionais para cidades que estão enfrentando diferentes condições de mercado.
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