A frase do título é atribuída a muitos mas, no mundo da administração pública, ficou famosa na boca de Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York (entre 2002–2013). Bilionário e fundador da empresa que leva seu sobrenome, fez fortuna vendendo e analisando dados e informações para o mercado financeiro. Muito antes de assumir a prefeitura nova-iorquina, ele sabia da importância de tomar decisões com base em fatos e evidências. Quando chegou lá, formou um secretariado bastante técnico e, não sem controvérsia, mudou a cara da principal cidade norte-americana. “Quem não mede, não gere” virou um mote na maneira de fazer política pública. No Brasil, caminhamos no sentido inverso: os cortes no Censo e o desprezo pelos fatos e pela ciência são exemplos clarividentes do atraso. Pior, seu impacto será duradouro e afetará principalmente as cidades mais pobres do país, aumentando nossa crônica desigualdade.
Feito a cada dez anos, a próxima edição do Censo nacional sairá em 2020, mas sua preparação já começou. Dada a dramática crise fiscal brasileira, a Gestão Bolsonaro se propôs a cortar 26% de recursos previamente orçados, estimados agora em R$ 2,3 bilhões (ante R$ 3,1 bilhões anteriormente). Para isso, irá reduzir em 35 a quantidade total de perguntas em ambos os questionários (veja matéria do Nexo para conhecer mais sobre o Censo). Assim, diminuiria o tempo de cada entrevista e o número de pesquisadores contratados. Custos menores, mas informações e dados também muito piores.
Precisando economizar, o Governo Federal escolheu simplesmente a pior estratégia. Primeiro porque o corte no Censo representa menos de 0,1% do orçamento, uma pechincha. É pouco, inclusive, comparado ao gasto dos Estados Unidos: lá, o Censo de 2020 custará mais de R$ 60 bilhões (ou 25 vezes o total brasileiro, com um PIB per capita “só” seis vezes maior). Segundo, porque a ordem política solapou a técnica, e a remontagem do questionário do principal estudo do país se resumiu a quatro meses de trabalho, quando, idealmente, seria trabalhado por um ano e meio. Não há técnica que resista — e técnicos da diretoria do IBGE, revoltados, pediram demissão. O principal estrago, no entanto, se dará na formulação de políticas públicas em pequenas cidades brasileiras.
Precisando economizar, o Governo Federal escolheu simplesmente a pior estratégia.
As grandes metrópoles até podem contar com outras pesquisas, como a PNAD Contínua. Mas, aparte o Censo, esses estudos não alcançam municípios de até 20.000 habitantes, uma realidade em mais de 70% das cidades. Se a gestão municipal já é difícil com um Censo forte, será pior com os cortes, como Bloomberg explica. Os efeitos práticos vão de limitações na melhor compreensão da realidade habitacional ao transporte. Não saberemos com precisão, por exemplo, qual o meio de transporte das crianças para a escola, ou o valor do aluguel pago pelas famílias.
Nesse sentido, a falta dos dados afetará análises como o tamanho do déficit habitacional brasileiro, que inclui o ônus excessivo com aluguel. Se a locação representa mais de 30% do rendimento total da família (outro dado excluído do questionário básico), faltam moradias. De acordo com a Fundação João Pinheiro, responsável pelo cálculo no Brasil, essa proporção representa 50% do déficit habitacional no país, ou mais de três milhões de imóveis. Ainda será possível estimar, mas não teremos o dado preciso, só obtido pelo Censo.
Obviamente, não é só a política pública direta a ser afetada. Pesquisadores, empresas ou a mídia também perderão material de trabalho. Mesmo se, no futuro, o governo voltar a decidir investir com seriedade no Censo, ficará um buraco nas séries históricas, irreparavelmente perdidos.
Acima de tudo e para além do Censo, o mais lamentável é o desprezo do Governo Bolsonaro pelo embasamento técnico. Paulo Guedes, em certo tom de brincadeira, disse o seguinte sobre o corte no Censo: “se perguntar demais você vai acabar descobrindo coisas que nem queria saber”. Isso poderia ser bastante bom, Ministro. Sem bons dados e muito embasamento em evidências, a já desafiadora gestão pública brasileira será ainda mais complexa. Especialmente em um cenário de crise financeira, precisando melhorar a eficiência do gasto público, deveríamos gastar mais em pesquisa, e não menos. O barato sairá caro.
João Melhado é economista, mestrando em administração pública, com foco em política urbana, pela Universidade Columbia.
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