Bicicletas em climas quentes: superando desafios e promovendo a mobilidade sustentável
Foto: Wikimedia Commons

Bicicletas em climas quentes: superando desafios e promovendo a mobilidade sustentável

Condições climáticas quentes podem desestimular os moradores da cidade a pedalarem. Conheça abordagens inspiradoras de cidades que promovem o ciclismo, apesar dos obstáculos enfrentados.

23 de dezembro de 2024

À medida que as temperaturas aumentam e eventos climáticos extremos se tornam mais frequentes devido às mudanças climáticas, pedalar em climas quentes traz um conjunto único de desafios. Assim como o frio extremo pode desmotivar ciclistas, ondas de calor também podem desencorajar as pessoas a utilizarem suas bicicletas. No entanto, cidades ao redor do mundo estão provando que o ciclismo pode continuar sendo uma escolha viável e racional, mesmo diante de condições climáticas adversas.

Desafios do ciclismo no verão

Os desafios físicos, urbanos e de infraestrutura do ciclismo no verão são numerosos. Os ciclistas enfrentam o esforço físico de pedalar sob altas temperaturas, lidando com suor excessivo, desidratação, aumento da frequência cardíaca, estresse no corpo, queimaduras de sol e até insolação. Esses obstáculos, semelhantes aos enfrentados pelos “ciclistas de inverno”, podem desmotivar as pessoas a pedalar durante os meses mais quentes.

A infraestrutura também desempenha um papel crucial em facilitar ou dificultar o ciclismo no verão. A arborização e sombras insuficientes nas cidades são um problema significativo, assim como a ausência de infraestrutura verde e azul, como superfícies permeáveis, áreas de infiltração de água ou vegetação urbana. Além disso, muitas ciclovias não são devidamente separadas do tráfego de veículos. Dessa forma, os ciclistas acabam expostos não apenas aos raios solares intensos, mas também aos gases tóxicos dos escapamentos e às superfícies de ruas quentes e desconfortáveis.

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Além disso, a ausência de instalações para banho, troca de roupas e armazenamento em escritórios e edifícios desestimula ainda mais o uso da bicicleta para ir ao trabalho. O ambiente construído intensifica esses desafios por meio do efeito de ilha de calor urbana, onde pavimentos e edifícios que absorvem calor substituem a cobertura vegetal natural, gerando temperaturas mais altas em áreas densamente urbanizadas. Poeira, irritação nos olhos e garganta e um ambiente desagradável também desmotivam os ciclistas. O efeito cumulativo dessas condições desfavoráveis representa desafios significativos ao ciclismo no verão, especialmente para trajetos mais longos.

Promovendo o ciclismo em climas quentes: Singapura, Los Angeles, Cidade do México, Sevilha

Apesar desses obstáculos, cidades ao redor do mundo têm demonstrado que o clima não precisa ditar a qualidade da experiência dos ciclistas. Em Singapura, por exemplo, há planos para construir 700 km de novas ciclovias até 2030. Essas vias cicláveis dentro da cidade, muitas das quais atravessarão parques sombreados, buscam atender tanto ciclistas recreativos quanto os que fazem deslocamentos curtos. Com aproximadamente metade dessas vias já concluídas, Singapura também está intensificando os esforços para oferecer instalações de banho e vestiários em edifícios comerciais, incentivando mais trabalhadores de escritórios a adotarem o ciclismo.

Ciclovia em Singapura. Foto: Singapore Land Transport Authority

Los Angeles, onde as temperaturas no verão recentemente alcançaram valores máximos escaldantes de 40°C ou mais, priorizou o resfriamento da cidade como um objetivo central. A prefeitura pretende reduzir as temperaturas médias em 1,7°C até 2025, e em ambiciosos 3°C até 2035. Para alcançar essa meta, Los Angeles está aumentando sua cobertura verde e implementando superfícies inovadoras de resfriamento em ruas e ciclovias. Essas superfícies possuem revestimentos altamente reflexivos e, em alguns casos, materiais de resfriamento, minimizando de forma eficaz o calor irradiado das superfícies de concreto. A introdução de um revestimento refletor de luz solar, de cor mais clara, demonstra grande potencial no combate ao efeito de ilha de calor urbana.

A Cidade do México, embora geralmente desfrute de um clima ameno, enfrenta desafios únicos devido ao efeito de ilha de calor urbana, à altitude e à poluição do ar. Nos últimos 15 anos, a cidade tem feito esforços substanciais para desenvolver infraestrutura cicloviária e expandir os serviços de compartilhamento de bicicletas. Durante a pandemia, a instalação de ciclovias temporárias resultou em um aumento notável de até 275% nas viagens diárias de bicicleta. Muitas dessas ciclovias agora se tornaram permanentes e foram estrategicamente posicionadas ao longo de avenidas principais que já possuem cobertura arbórea. Além disso, a Cidade do México fechou a Avenida Reforma – um de seus maiores espaços viários – para carros todos os domingos, tornando-a exclusivamente acessível para ciclistas, pedestres e outras formas de transporte não motorizado.

Sevilha, localizada no escaldante sul da Espanha, é outro exemplo de sucesso do ciclismo urbano em climas quentes. Há apenas alguns anos, as bicicletas representavam uma parcela ínfima de 0,5% das viagens. No entanto, a construção de ciclovias protegidas, orientada por pesquisas com os moradores sobre as necessidades dos ciclistas, resultou em um aumento exponencial no número de usuários de bicicleta. A conversão de espaços de estacionamento de carros em ciclovias bem conectadas foi crucial para incentivar os residentes a adotarem a bicicleta como meio de transporte preferido. Atualmente, Sevilha registra impressionantes 70.000 viagens de bicicleta por dia (onze vezes mais do que antes), transformando a mobilidade da cidade.

Ciclovia protegida e arborizada em Sevilla. Foto: adrimcm/Flickr

Desmistificando o calor como uma barreira ao ciclismo

Evidentemente, criar um ambiente atrativo para o ciclismo em climas tropicais ou quentes depende mais da oferta de infraestrutura adequada do que de fatores climáticos incontroláveis. Um estudo destaca que o clima local e as condições meteorológicas são menos inibidores para os habitantes das cidades acostumados com os seus respectivos climas. Em vez disso, sua insatisfação está relacionada à falta de infraestrutura essencial, como a ausência de chuveiros em prédios comerciais ou de ciclovias e sistemas de compartilhamento de bicicletas. Ao adotar modelos cicloviários semelhantes aos empregados em climas temperados, as cidades podem promover o crescimento da cultura do ciclismo mesmo em condições climáticas desafiadoras.

Além disso, as bicicletas elétricas oferecem uma alternativa que demanda menos fisicamente, atraindo indivíduos que podem evitar o esforço físico em altas temperaturas. Empresas visionárias em cidades como São Francisco já começaram a fornecer vouchers para bicicletas comuns ou elétricas gratuitas para os funcionários, acompanhados de estações de carregamento e instalações seguras para estacionamento de bicicletas.

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O que podemos aprender com esses exemplos reais?

Prioridade 1 | Fornecer informações

Os ciclistas podem se beneficiar de conselhos práticos adaptados ao ciclismo em climas quentes. Recomendações para pedalar nessas condições incluem a adaptação do equipamento – uso de roupas leves e de manga longa, protetor solar, óculos de sol e suporte para garrafas de água nas bicicletas – o que pode melhorar significativamente a experiência. Além disso, devem ser promovidas oportunidades para combinações de viagens multimodais. Esquemas de compartilhamento e estacionamento de bicicletas, bem como transporte público de alta qualidade, permitem aos usuários pedalar em parte do trajeto e utilizar um ônibus ou trem climatizado no retorno ou para percorrer os quilômetros restantes.

Prioridade 2 | Uma abordagem centrada no usuário

Consultar o público sobre preferências de rotas e padrões de uso de bicicletas pode orientar as decisões de planejamento ao projetar infraestrutura cicloviária, ruas e espaços públicos. Essa abordagem baseada em dados coloca o usuário no centro do processo de decisão, permitindo aos planejadores entender por que certos corredores cicloviários são mais atrativos que outros. Por exemplo, os ciclistas tendem a escolher naturalmente horários mais frescos do dia e rotas sombreadas para suas viagens, mesmo que essas não sejam necessariamente as mais curtas ou rápidas. Além disso, pesquisas e análises de dados ajudam a identificar rotas com menos fatores de estresse relacionados ao clima.

Prioridade 3 | Planejamento urbano

Aderir ao desenvolvimento do uso misto do solo representa uma estratégia eficiente para incentivar caminhadas e uso de bicicletas. Essa abordagem envolve evitar a construção de grandes pontos de interesse, como shoppings, fora das áreas urbanizadas, pois isso exige acesso por carro e impacta negativamente negócios menores e descentralizados. Além disso, reduzir as distâncias de viagem é um fator decisivo. Objetivos de longo prazo devem incluir tornar a maioria das comodidades urbanas acessíveis em um percurso de 5 minutos de bicicleta ou 15 minutos a pé. Ao criar bairros compactos, caminháveis e amigáveis para ciclistas, os modais ativos tornam-se a escolha preferida, independente do clima.

Estratégias de adaptação às mudanças climáticas, como Planos de Calor Urbano, podem endereçar os desafios do ciclismo em altas temperaturas, destacando a responsabilidade das cidades em criar um ambiente favorável ao ciclismo.

Prioridade 4 | Adaptação da infraestrutura viária para reduzir o estresse climático para os ciclistas

Integrar a adaptação climática em projetos cicloviários apresenta uma oportunidade prática e econômica para aumentar a resiliência de uma cidade. Construir e aprimorar a infraestrutura cicloviária pode, ao mesmo tempo, melhorar a permeabilidade urbana, reduzir os riscos de enchentes e contribuir para o conceito de uma “cidade-esponja”. Além disso, expandir a cobertura arbórea não apenas beneficia os ciclistas ao proporcionar sombra, mas também mitiga o efeito de ilha de calor urbana e contribui com a biodiversidade.

Adaptações de infraestrutura são cruciais para tornar o ciclismo mais atraente em climas quentes. Isso inclui plantar árvores, instalar estações de água potável e oferecer sombra perto de estacionamentos e pontos de aluguel de bicicletas. Adicionalmente, o uso de pavimentação com maior reflexão solar, a redução da exposição ao sol por meio de sinalização prioritária e a oferta de instalações para lavagem, troca e armazenamento de roupas podem melhorar significativamente a experiência do ciclista, mesmo em temperaturas mais altas.

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Em suma, infraestruturas cicloviárias adequadas desempenham um papel vital na promoção do ciclismo em altas temperaturas, assim como em climas mais amenos. Ao implementar essas prioridades, as cidades podem superar os desafios do ciclismo no verão, criar ambientes atrativos para ciclistas e promover a mobilidade sustentável, independentemente das condições climáticas.

Artigo originalmente publicado em Urbanet, em outubro de 2023.

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