Belo Horizonte: o caminho para a recuperação
Foto: winkipédia.

Belo Horizonte: o caminho para a recuperação

Por três décadas, BH sofreu com migração de investimentos, empresas e população para áreas afastadas ou municípios periféricos em detrimento do seu núcleo central. Mesmo assim, há motivos para ser otimista.

26 de fevereiro de 2024

Há cinco anos, escrevi um artigo apontando uma perspectiva pessimista para Belo Horizonte, na iminência da aprovação de um novo plano diretor. O artigo apresentou um diagnóstico do padrão de desenvolvimento da capital e sua tese sustentou importantes alterações no projeto de lei em tramitação – um plano de transição de 3 anos com a manutenção de índices de aproveitamento básico do plano de 2010 e ampliação do índice máximo em 47% nas áreas centrais, de 3,4 para 5. Cinco anos depois, podemos fazer um diagnóstico mais otimista após o despertar de segmentos importantes da sociedade e de novos empreendimentos que surgiram na cidade.

Por três décadas, a estrutura urbana de BH sofreu um processo de descentralização, com migração de investimentos, empresas e população para áreas afastadas ou municípios periféricos em detrimento do seu núcleo central, que deprecia e desvaloriza. A perda de 60 mil habitantes no município entre 2010 e 2022, segundo dados do último Censo realizado pelo IBGE, é o resultado de uma política urbana deliberada. Leis de uso do solo restringem o potencial de construção dos terrenos, inviabilizando a ampliação do estoque imobiliário para sustentar a demanda de crescimento populacional e renda, principalmente nas áreas centrais, causando a dispersão da população e a planificação do seu perfil de densidade.

Na maioria das cidades, a densidade populacional decresce conforme nos afastamos no Centro. Mas em Belo Horizonte, a densidade se mantém constante, em média, até mesmo nos bairros localizados a mais de dez quilômetros do Centro Histórico.

Leia mais: O que a ciência diz sobre a regulação do uso do solo no Brasil?

Belo Horizonte exportou crescimento populacional e econômico e perdeu habitantes para outros municípios. O espraiamento urbano é nocivo e antagônico à agenda ambiental dos que promoveram os últimos planos diretores. 

Em notícia veiculada no MG TV, planejadores e ambientalistas criticam a forma como a expansão urbana tem tomado o Vale do Sereno  – área de Nova Lima às margens de Belo Horizonte. As edificações de médio e alto porte, elaboradas sobre caixas de estacionamento e espaços de lazer acopladas nas encostas da Serra do Curral, de fato depredam a robusta vegetação e, de acordo com eles, interrompem as correntes de ar fresco em direção a Belo Horizonte, elevando a temperatura da cidade. Houvessem apoiado leis menos restritivas em BH, grandes edifícios permaneceriam próximos ao Centro de BH e o Vale do Sereno poderia ter sido tomado por edificações mais elegantes de pequeno e médio porte, típicas de vales. 

Vista do Vale do Sereno, em Nova Lima. Do lado direito da foto, podemos observar o padrão de desenvolvimento de prédios altos sobre caixas de estacionamento, acopladas no relevo acidentado com vegetação robusta.

Hoje, cerca de 40 mil belo-horizontinos habitam os vales de Nova Lima, tornando ele o município mais rico do Brasil. Mas a intensidade de uso do solo no relevo acidentado, frente a uma estrutura viária e sanitária precária, aponta sinais de limite ao desenvolvimento. Outra área de Nova Lima, mais plana, na Lagoa dos Ingleses, configura-se como uma nova ameaça à capital. A área de 2.700 hectares adquirida pela CSul está a 32 km do centro de BH e já possui um masterplan de R$ 2,5 bilhões em investimentos para 109 mil habitantes.

Novas áreas de desenvolvimento urbano na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A área 1 representa o Centro da capital mineira (a área planejada interna à Av. do Contorno), a área 2 a região central de Nova Lima, a área 3 os empreendimentos imobiliários do Vale do Sereno, e a área 4 a Lagoa dos Ingleses, nova frente de desenvolvimento imobiliário localizada a 32km do centro de BH.

Plano de desenvolvimento imobiliário para a área da Lagoa dos Ingleses.

Se não houver mudanças políticas, a escolha da classe afluente e das futuras gerações será entre um Centro novo e tecnológico ou um Centro antigo e depreciado. Cidades ainda mais antigas como Chicago, com menos restrição ao uso do solo na região central, mantiveram o desenvolvimento no local, preservando sua relevância. O que fizemos do nosso Centro?

Belo Horizonte corre contra o tempo. Mas o despertar de segmentos da sociedade, as iniciativas de revitalização do Centro e os novos empreendimentos dentro da Av. do Contorno são motivos para um otimismo moderado. 

Topo do Museu de Artes e Ofícios no Centro de Belo Horizonte. Foto: flickr.


Centro de Chicago, EUA. Foto: flickr.

O prédio do antigo Bemge, na Praça Sete, ao lado do espetacular Cineteatro Brasil, cede espaço ao P7 criativo – Agência de Desenvolvimento da Indústria Criativa de MG. O edifício Soul, da Construtora Caparaó, será um dos mais altos da cidade, e ajudará a recuperar valor na região central. O edifício ocupará uma área de 2.760 m² onde havia lotes com edificações de 2 a 4 andares. A aquisição dos pequenos edifícios para demolição e construção do novo só foi viável devido à possibilidade de se atingir o Coeficiente de Aproveitamento (CA) máximo de 5 vezes a área do terreno durante o plano de transição, quando o CA básico era 2,7. A construtora adquiriu direitos de construção adicionais de imóveis tombados no mercado privado – cujos preços eram inferiores aos da Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC) ofertada pela prefeitura. 

O pedaço de terra ofertará 13,8 mil metros quadrados de área líquida residencial com valor médio de R$22.000,00 por metro quadrado. A base do edifício possui sete lojas voltadas para a rua, cuja área construída não foi computada no cálculo do índice de aproveitamento, conforme o incentivo da Prefeitura para edifícios com fachada ativa. Esse incentivo possibilitou que o edifício atingisse uma área construída maior do que 5 vezes a área do terreno.

O preço astronômico por metro quadrado é resultante dos custos associados à compra das propriedades, do limite ao aproveitamento do terreno e da escassez de novos empreendimentos residenciais na localização central. Mas entre 2019 e 2023 tramitaram na prefeitura vinte e um novos empreendimentos residenciais e três comerciais com coeficientes máximos superiores ao da lei passada, – aproximadamente R$ 1,2 bilhões em investimentos residenciais que expandirão a oferta local em mais ou menos 80 mil m². Houve também a tramitação de outra dezena de novos empreendimentos com CA entre 2 e 3,4, incluindo o History Funcionários, mais robusto empreendimento em construção na cidade. Já é visível a elevação da atividade social e econômica em áreas da região central, mas há espaço para muito mais.

Novos empreendimentos imobiliários previstos para a região central de Belo Horizonte, com coeficiente de aproveitamento entre 3,5 e 5.

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O edifício Soul deve ser o primeiro empreendimento com CA superior a 5 em Belo Horizonte desde a década de 90. Com um VGV estimado em R$ 320 milhões, o empreendimento levantará cerca de R$ 5 milhões por ano em IPTU, onde se arrecadava menos de R$ 1 milhão – sem que os custos públicos aumentem proporcionalmente. Os estabelecimentos comerciais e de serviços locais irão faturar mais com a nova clientela, ampliando a utilização da sua capacidade instalada. Este fenômeno de ampliação de receitas e redução de custos marginais é chamado economias de escala da aglomeração, um dos fenômenos que justificam a existência das cidades e o seu poder de fomentar a produtividade. 

Entendidas como motores de prosperidade, as cidades podem ser economicamente definidas pelo acúmulo de capital humano e capital físico – como máquinas e edificações – em uma área. As empresas e as pessoas se beneficiam da difusão de ideias, da concentração de empresas e insumos que necessitam, e de grupos de trabalho especializados que promovem variedade de bens e serviços e ampliam a qualidade de vida. Não houvesse economias de aglomeração, as pessoas e empresas poderiam espalhar-se pelo território homogeneamente sem que houvesse perdas econômicas. Não haveria cidades! Portanto, a estratégia de restringir o potencial de uso do solo e dispersar a população não é apenas prejudicial ambientalmente e economicamente, como representa a negação da função social e econômica da cidade e sua própria existência. 

Em uma análise das regiões metropolitanas europeias, um estudo publicado recentemente na revista européia “Regional Studies” reafirma a noção básica de que uma população urbana maior afeta positivamente a produtividade regional, mas a interação entre a tamanho e a multicentralidade tem um efeito negativo na produtividade. A fragmentação da cidade em multicentros parcialmente integrados gera deseconomias quando as múltiplas partes da cidade passam a se comportar como pequenos municípios. 

Já no Relatório de Desenvolvimento Mundial (WDR-2009) do Banco Mundial, relevante para cidades de países em desenvolvimento, consta: “A principal mensagem do relatório é que o crescimento econômico será desequilibrado. Tentar espalhar a atividade econômica é desencorajá-la.” 

Edifício History, em construção no bairro Funcionários, também na região central. Esse complexo multifuncional, idealizado pela construtora Canopus em um terreno de 7.394 m², dialoga com o passado e presente de Belo Horizonte.

Um dos autores do relatório do Banco Mundial, o urbanista francês Alain Bertaud, esteve em Belo Horizonte para o lançamento do seu livro. Alain ficou perplexo com o argumento usado pelo jurista José Afonso Silva para justificar a restrição de potencial de uso do solo em cidades brasileiras citado no meu artigo de 2018. Normalmente as cidades restringem o CA para limitar o “congestionamento” ou para preservar a “luz”. Com toda sua experiência internacional, Bertaud nunca viu uma restrição de CA para promover a equalização dos preços da terra, impedindo o melhor aproveitamento das terras desejadas. Ao analisar os perfis de densidade das cidades brasileiras que embasaram o artigo, Bertaud constatou também que poucas cidades, com exceção da antiga União Soviética, têm perfis de densidade tão erráticos como as principais cidades brasileiras – entre elas, Belo Horizonte.

O Plano Diretor de transição expirou no início de 2023 e o CA básico foi reduzido a 1 em toda a cidade até 2028. Com a perspectiva de queda da atividade imobiliária, a nova prefeitura de BH, em consenso com a CMBH, reduziu o preço da OODC em 50% nas áreas de ocupação preferencial, e introduziu desconto de 30% para pagamentos à vista. Esta é uma iniciativa importante para a viabilidade de empreendimentos na Zona Central, porém ainda muito tímida.

O custo de se ofertar área construída em BH, é superior ao de Nova Lima e, com o limite de aproveitamento do solo, o preço exigido de venda será alto. Para tornar a capital mais atrativa e acessível, portanto, será preciso elevar os incentivos à construção como elevar os coeficientes de aproveitamento;  ajustar regras de afastamentos obrigatórios para permitir a melhor utilização de terrenos urbanos e  reduzir o preço da OODC. Nesse sentido, é bem-vindo o plano da CODESE-BH de reviver o Centro elevando o coeficiente no hipercentro, mas é possível ser insuficiente para atração de investimentos e a recuperação da área em maior escala e velocidade. 

A gestão pública que assumir a cidade em 2024, deve incumbir-se de tornar o serviço público mais eficiente, aprimorando seus carentes sistemas de gestão e informação públicas para desenvolver índices vitais de monitoramento urbano, facilitar o empreendedorismo e preparar a cidade para um plano diretor mais versátil e inteligente. 

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