Desde que em meados de 2015 os shoppings de Salvador passaram a cobrar pelo uso do estacionamento em suas dependências, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) passou a ser provavelmente o único polo gerador de tráfego entre o Farol da Barra e a avenida Paralela que oferece esse serviço com gratuidade integral. Um polo gerador de tráfego é um equipamento urbano que, sendo destino de trânsito de um número considerável de pessoas, através de veículos coletivos ou individuais, gera impactos ambientais, econômicos e sociais, medidos a partir da capacidade efetiva da malha viária que o atende e as características dos modais de transporte que são utilizados.
O momento da cobrança pelo uso do estacionamento dos shoppings coincide com uma mudança nos modos de locomoção na cidade: são abertas as linhas de metrô, os aplicativos de transporte revolucionaram o serviço tradicionalmente oferecido pelos táxis ao ampliar exponencialmente a capacidade, há mais gente usando a bicicleta em um território cujo adensamento construtivo limita radicalmente a estratégia de ampliação de vias. Ainda que não se tenha feito a opção impopular pelo pedágio urbano, é evidente que a cidade está atenta à necessidade de se limitar o emprego do automóvel individual como meio de transporte.
Nesse quadro urbano geral, a UFBA começa a destoar, perfilando-se como uma incentivadora do uso do transporte individual, ao oferecer gratuitamente uma área de 5,5 ha destinada pura e simplesmente a estacionamentos. Essas áreas praticamente não têm outros usos durante todo o ano e consomem verbas em forma de manutenção (jardins e iluminação) e pessoal (limpeza, portaria e segurança). Será que ainda faz sentido destinar uma parte do solo e dos escassos recursos da universidade para o estacionamento de automóveis?
Como instituição de produção de conhecimento, compromissada criticamente com os valores da coletividade, ela não deveria servir de exemplo e apresentar à cidade uma proposta de uso do solo que avance na perspectiva da melhoria da qualidade de vida, ao menos como exemplo ao minimizar os impactos sobre sua vizinhança?
A partir de um levantamento no Google Earth, somadas as áreas hoje destinadas a estacionamento no campus do Canela — da Escola de Belas Artes à Faculdade de Direito — e no campus de Ondina — da Faculdade de Ciências Humanas até a de Arquitetura —, chega-se a um valor aproximado de 55.500 m² ou 2.200 vagas de veículos. E isso sem considerar o efetivo uso da faixa ao longo das calçadas, em toda a extensão das ruas internas ao campus, também como área de estacionamento.
A partir de um levantamento no Google Earth, somadas as áreas hoje destinadas a estacionamento no campus do Canela — da Escola de Belas Artes à Faculdade de Direito — e no campus de Ondina — da Faculdade de Ciências Humanas até a de Arquitetura —, chega-se a um valor aproximado de 55.500 m² ou 2.200 vagas de veículos.
Se estipularmos, bem realisticamente, que cada uma destas vagas é usada por dois ou três veículos por dia, por um período de 9 ou 10 meses por ano, e considerando que a universidade poderia cobrar pelo uso da vaga o valor exato de uma passagem de ônibus, ou seja, R$ 3,40, garantindo assim a escolha do meio de transporte ao seu estudante, funcionário ou professor sem qualquer prejuízo financeiro, uma vez que esse seria o valor de custo básico para o estudante ir e vir à universidade usufruindo da meia passagem, a universidade teria à disposição um montante anual entre R$ 4 e 5 milhões.
Esses valores, feito obviamente um detalhado estudo de viabilidade, deveriam ter condição não somente de cobrir a manutenção dessas áreas de estacionamento, senão deveriam financiar a médio e longo prazo um plano alternativo de mobilidade, que viesse a ter como meta a minimização do impacto do tráfego de veículo automotor, tornando cada vez menos atrativo o deslocamento até a universidade através de automóveis: por exemplo, medidas como planos inclinados, bicicletários, qualificação contínua da malha para pedestres, levariam a universidade a dar continuidade a ações como a que transformou em praça uma grande área do campus de Ondina, diante da Biblioteca Central, que antes era usada para estacionamento. Trata-se, portanto, de avaliar e dar continuidade a aspectos dessa intervenção tão bem sucedida. Ao final, mais espaço de convívio e recuperação de áreas verdes são exatamente o tipo de resultado com o qual a universidade pode demonstrar à sociedade sua função social.
Da mesma forma que outros serviços que hoje já são regulamentados através de processo de licitação, como é o caso das cantinas ou da segurança, a administração das áreas de estacionamento pode muito bem seguir este modelo de contratação. Mesmo o RU, o restaurante universitário, é administrado nessa modalidade. O RU aliás deveria ser a medida exata da discussão sobre as vagas de estacionamento: se o estudante, em alimentação subsidiada pela universidade, paga R$ 2,50 por uma refeição, porque a universidade deveria subsidiar integralmente, como faz hoje, em uma cidade muito densa e com sérios problemas de tráfego, o serviço de disponibilizar estacionamento de veículos individuais automotores para seus estudantes, funcionários e professores?
Texto publicado originalmente no Teatro Nu em 30 de novembro de 2017.
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Boa análise.
Só uma correção, o custo do estacionamento deveria considerar ainda o valor do terreno que ficou fora de sua conta.
Realmente não faz sentido que recursos da universidade sejam usados para subsidiar estacionamento em detrimento de investimentos na educação e pesquisa.