Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Por incrível que pareça, carros estacionados são um dos maiores problemas para a mobilidade urbana.
9 de outubro de 2013A dificuldade de estacionar o carro é um problema pouco falado quando o assunto é trânsito. Com vagas públicas de estacionamento, na maioria, grátis, ou com tarifas fixas que independem da demanda, tentamos forçadamente estacionar justamente em frente do nosso destino: raramente saímos de casa com o endereço de onde vamos guardar o carro. Podemos até achar vagas na quadra ao lado, mas sabemos que se dermos algumas voltas talvez possamos conseguir a vaga perfeita.
Esta ação aparentemente inofensiva tem consequências terríveis para o trânsito, apenas recentemente identificadas e estudadas. O economista Donald Shoup em seu livro “O Alto Custo do Estacionamento Grátis” (sem tradução para português) calcula que cerca de 30% do trânsito no centro de grandes cidades, como Los Angeles, é gerado por motoristas procurando uma vaga para estacionar.
Para resolver este problema, a medida tomada por muitas prefeituras brasileiras hoje é o estabelecimento de vagas mínimas de garagem para toda nova construção, quase sempre acima da oferta natural que o proprietário ou empreendedor acharia relevante. Mas garagens hoje já representam um quarto da área construída de cidades como São Paulo, sendo uma infraestrutura subutilizada já que cada carro nunca ocupará mais de uma vaga simultaneamente, nas múltiplas que ele precisará ao longo do dia. Ainda, carros ficam estacionados cerca de 95% da sua vida útil, ocupando valioso espaço urbano desnecessariamente.
Em São Paulo a legislação atual (que agora está sob revisão) exige 1 vaga para cada 35–50m² em projetos não-residenciais, e um número chocante de 3 vagas por habitação caso a área tenha mais de 500m². Além disso, quando grandes empreendimentos são construídos eles são denominados “pólos geradores de tráfego”, sendo obrigados a construir um número maior ainda de vagas de estacionamento — sem contar obras viárias em seu redor. Estas regras incentivam artificialmente o uso do automóvel individual em detrimento dos outros modais de transporte, já que o número de vagas construídas é maior que a demanda dos seus clientes. Assim, a longo prazo a regra tenderá a produzir ainda mais trânsito e maiores custos de construção, enquanto há infraestrutura ociosa para estacionamento que não é identificada pelos usuários.
A tecnologia de Smart Parking criada para resolver este problema são sensores em vagas de estacionamento, identificando qual a frequência de ocupação em cada quadra em diferentes horários do dia. Assim, é possível ajustar periodicamente o preço das vagas e estabelecer, por exemplo, o objetivo para que tenha sempre uma ou duas vagas livres por trecho de quadra. Isto não só possibilita que o motorista sempre tenha uma vaga disponível, tirando seu carro da rua o quanto antes, mas também permite que qualquer um veja, através de aplicativos online, onde estão as vagas disponíveis e qual o preço delas mesmo antes de sair de casa. Além disso, redistribuindo a demanda por vagas de forma mais eficiente gradualmente aumentará o uso de vagas em quadras adjacentes, valorizando-as e tornando mais seguras áreas vazias mas próximas às mais frequentadas simplesmente por ter mais motoristas usando-as como estacionamento. Nas cidades onde isto foi implementado, como o SFPark em San Francisco, os aplicativos ainda permitem traçar a rota diretamente à vaga ao invés do local de destino propriamente dito. Lá, diferente do que alguns previam, o preço médio das vagas diminuiu ao invés de aumentar, pois o preço de muitos parquímetros estava alto demais para determinadas quadras ou faixas de horário, consequentemente tendo seu preço diminuído para aliviar a demanda excessiva de outros lugares.
A tecnologia busca utilizar a infraestrutura pública existente porém ociosa ao invés de criar mais demanda para garagens privadas, que tem aumentado seus preços na ausência de alternativas aos motoristas. Isto permite uma arrecadação maior para a cidade, cobrindo os custos de implementação da tecnologia a médio prazo, e uma diminuição de gastos do motorista, que não precisaria mais depender das garagens privadas para estacionar.
Pessoalmente, ainda desconfio do objetivo final de deixar sempre uma vaga livre usado pelos programas que já foram implementados. O modelo atinge um bom resultado para o uso da infraestrutura, atacando diretamente o trânsito gerado pelos usuários, mas acaba não abordando o problema de se aquela infraestrutura deveria ser ocupada por carros estacionados em primeiro lugar. Além da vaga, uma determinada infraestrutura pública pode ser usada tanto como via de tráfego de veículos como também de pedestres — a calçada — além da possibilidade de ser convertido para uma estação de bikesharing; um espaço de permanência, como um quiosque; um espaço público de estar; simplesmente uma área verde; ou qualquer outra ideia interessante para aquele determinado espaço.
Se pensássemos o uso da infraestrutura sob a ótica de uma gestão empresarial talvez o critério de cobrança do parquímetro fosse a maximização da receita gerada por eles. Isso levaria à uma observação global daquela infraestrutura, verificando se as vagas realmente estão gerando valor para a população — os clientes do gestor público ou do administrador de um loteamento ou bairro planejado. Assim, o objetivo final em relação àquela infraestrutura seria constantemente reavaliado e provavelmente algumas regiões teriam mudanças em relação à forma de uso do espaço, adaptando-o para atender melhor a demanda pelo espaço.
Apesar da dificuldade de comprovar uma correlação direta, a recente mudança de uso das ruas junto ao Times Square em Nova Iorque, para calçadas, por exemplo, ajudou no aumento de 50% nas vendas das lojas e no valor dos imóveis adjacentes, com pouca repercussão negativa para o trânsito da cidade, onde é fácil de se deslocar a pé. Isso produz uma série de benefícios, desde os que vimos no Times Square até a diminuição da poluição e o aumento da atratividade da cidade como um todo, resultados melhores para a cidade do que simplesmente ocupar aquelas áreas como um espaço de estacionamento.
Infelizmente este modelo não é bem visto na esfera pública, distante de tudo relacionado à eficiência econômica, apesar de se tratar, ao meu ver, da maximização das vontades humanas relativas aos recursos existentes. De qualquer forma, a tecnologia de Smart Parking já consegue avançar a solução dos problemas gerados pelo estacionamento grátis, prática que deve ser abolida o quanto antes, principalmente nos grandes centros urbanos mais afetados pelo problema.
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