Podcast #106 | Centro de Operações do Rio de Janeiro
Confira nossa conversa com Alexandre Cardeman, responsável pela implantação do Centro de Operações do Rio de Janeiro.
A redução do congestionamento não é o argumento mais convincente para a implantação de uma infraestrutura para bicicletas, mas existem muitas razões para construí-las.
12 de dezembro de 2024A lógica de muitos defensores da infraestrutura cicloviária é a seguinte: se mais pessoas usarem bicicletas em vez de carros, haverá menos veículos nas ruas, o que reduziria o congestionamento.
Por outro lado, aqueles que se opõem às ciclovias argumentam que, ao retirar espaço dos veículos, elas acabam gerando congestionamento.
Então qual é a verdade? Tenho refletido sobre isso há algum tempo e cheguei à conclusão de que perguntar se as ciclovias reduzem o congestionamento é fazer a pergunta errada.
Isso pode soar contraintuitivo, mas acompanhe meu raciocínio: a maioria de nós pensa no congestionamento como um problema que deve ser eliminado, mas há uma maneira diferente de enxergá-lo.
O congestionamento é um subproduto do fato de as pessoas irem aos lugares onde desejam e precisam estar. Um relatório recente da Transportation for America descreve assim:
“O congestionamento é um problema a ser tratado, mas também é um sintoma de sucesso — um sinal de que o lugar é atraente. Focar na mitigação do congestionamento é perder a visão do todo. Ao invés disso, devemos nos concentrar no objetivo de fornecer e melhorar o acesso. O propósito central da infraestrutura de transporte é oferecer acesso: ao trabalho, à educação, à saúde, aos mercados, ao lazer e a outras necessidades diárias. Devemos estar priorizando investimentos com base no quanto eles conectam as pessoas aos empregos e serviços, e não em quão rapidamente os carros podem se deslocar em determinado trecho de rodovia.”
Sei que essa avaliação pode não ser muito satisfatória. Seja no próprio carro, no táxi ou no ônibus, ficar preso no trânsito deixa todos nós frustrados. No entanto, a única forma real de combater o congestionamento é tornar o sistema de transporte mais eficiente. E isso se faz priorizando os modos de transporte mais eficientes — ou seja, aqueles que ocupam menos espaço.
Leia mais: As ciclovias são culpadas pelo congestionamento urbano?
Quando argumentamos que ciclovias reduzirão o congestionamento, a visão que vem à mente é uma conversão perfeita de carros para bicicletas. Menos carros entupindo as vias, um fluxo livre de tráfego nas ciclovias… problema resolvido! Mas essa previsão é simplista. Os seres humanos e suas escolhas de transporte são muito mais complexos e imprevisíveis do que isso.
Já ouviu falar em evaporação de tráfego? Esse termo explica por que o caos de longo prazo raramente ocorre quando ruas são fechadas ou espaços são redistribuídos para outros modais, como caminhadas, bicicletas ou transporte público. As pessoas se adaptam de muitas formas diferentes: mudam suas rotas, destinos, horários de viagem etc. Elas lidam com a nova realidade e não acabam presas em um apocalipse de tráfego!
Não podemos prever com precisão como as pessoas adaptarão seus planos de deslocamento ou quais mudanças ambientais ocorrerão na área circundante. E essa é uma das razões por que a modelagem de tráfego é uma prática notoriamente falha e pouco confiável.
Por outro lado, sabemos com certeza, graças à ampla pesquisa sobre demanda induzida, que adicionar capacidade às vias não resolve o congestionamento; na verdade, geralmente o agrava.
Dado que o congestionamento é tão cheio de nuances, escorregadio e difícil de definir, enquadrar a infraestrutura cicloviária como uma ferramenta primária para combatê-lo é uma perda de foco. Mas existem muitas outras razões convincentes para construir ciclovias!
A objeção mais comum às ciclovias é que elas vão resultar na perda de faixas para carros, piorando assim a situação para quem dirige. Mas esse nem sempre é o caso. Muitos projetos bem-sucedidos de ciclovias preservam as faixas existentes, apenas estreitando-as para abrir espaço para bicicletas.
Além de manter essas faixas, reduzir sua largura traz benefícios significativos de segurança às ruas.
No ano passado, pesquisadores da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins, da Bloomberg, divulgaram algumas descobertas incríveis: faixas de veículos mais estreitas têm significativamente menos acidentes fora de interseções do que faixas mais largas. (Confira este podcast da Strong Towns com a pesquisadora principal do estudo, Shima Hamidi.)
Embora o objetivo inicial possa ter sido apenas acomodar a ciclovia, isso é uma excelente forma de realizar dois objetivos ao mesmo tempo, gerando benefícios financeiros e de segurança.
“As ciclovias estão sempre vazias, mas as ruas estão abarrotadas.” Todos já ouvimos isso ou pensamos algo semelhante. Mas há uma razão para as ciclovias parecerem vazias: é uma questão simples de geometria. Ciclovias têm uma capacidade muito maior do que faixas para carros porque bicicletas ocupam muito menos espaço.
Provavelmente você já viu gráficos mostrando o espaço ocupado por diferentes modos de transporte. Mesmo uma ciclovia bem utilizada vai parecer subutilizada em comparação a uma faixa de carros. Elas simplesmente são mais eficientes.
Ciclovias subutilizadas (que realmente estão vazias) existem? É possível. Mas isso geralmente se deve à falta de conexão com outras infraestruturas seguras.
Se o objetivo é aumentar a capacidade de uma rua, há várias formas de fazer isso priorizando os meios de transporte mais eficientes, que são aqueles que movem um maior número de pessoas em um espaço menor: transporte público, bicicletas e o andar a pé.
Mesmo que as faixas de veículos sejam reduzidas (o que não é garantido), um aumento geral na capacidade pode ser alcançado com ciclovias, justamente porque elas acomodam muito mais pessoas em um espaço relativamente pequeno.
Você já ouviu dizer que ciclovias são uma sentença de morte para pequenos negócios, geralmente devido à perda de estacionamento próximo. Mas, na maioria das vezes, o oposto é verdade. Bicicletas são um benefício para os negócios, com várias pesquisas mostrando que clientes que chegam de bicicleta gastam tanto quanto os que chegam de carro, e alguns estudos apontando que ciclistas compram mais frequentemente, gastando mais no total, em uma determinada área comercial.
Se manter estacionamentos for considerado importante, isso pode ser integrado ao novo desenho das ruas, com ciclovias protegidas por vagas de estacionamento, por exemplo.
O artigo “How Bike Lanes Benefit Businesses” (“Como as ciclovias beneficiam aos negócios”), de Rachel Quednau, inclui diversos exemplos de cidades na América do Norte.
Construir e manter uma infraestrutura de transporte é geralmente um dos maiores itens do orçamento de uma cidade. Ciclovias são mais baratas de construir, custam (muito) menos para manter e, como mencionado, são boas para os negócios (o que significa mais receita para os cofres públicos).
Talvez você já tenha ouvido a famosa história de Copenhagen: a cidade estava à beira da falência e, querendo promover o desenvolvimento, optou por investir na infraestrutura mais barata possível: ciclovias. Como disse o ex-vereador Morten Kabell: “Quando prefeitos de outras cidades me perguntam como Copenhagen conseguiu investir em ciclovias, eu pergunto como eles conseguem arcar com projetos de rodovias. … Investimos em ciclovias porque era a opção mais barata.”
Essa decisão ajudou a fazer de Copenhague um lugar onde 62% dos cidadãos usam bicicleta para ir à escola ou ao trabalho diariamente. E o resultado financeiro é positivo: esses projetos se pagam rapidamente. Kabell menciona uma ponte para ciclistas e pedestres que “se pagou” em menos de sete anos.
Leia mais: Buenos Aires um ano após novas ciclovias
Pesquisas recentes de Wesley Marshall e Nicholas Ferenchak mostram que a atividade ciclística está associada a melhores níveis de segurança para todos os usuários das vias. Em outras palavras, cidades com uma alta taxa de ciclistas tendem a ter melhores resultados de segurança para motoristas e pedestres.
Parte disso se deve ao fator “segurança nos números” — quanto mais ciclistas houver, mais visíveis e esperados eles serão pelos motoristas. Mas os fatores físicos que tornam o ciclismo seguro e confortável também desempenham um papel fundamental. Uma boa infraestrutura cicloviária tem uma dupla função: ela não apenas protege os ciclistas, mas também atua como uma forma de acalmamento do tráfego, beneficiando todos os usuários (motoristas, pedestres, passageiros de transporte público e ciclistas) contra os perigos de altas velocidades em ambientes urbanos complexos.
Como disse David Zipper, pesquisador do MIT Mobility Initiative: “Ciclistas são uma espécie indicadora da segurança geral das ruas (entre motoristas, pedestres etc.). Se você vê muitas pessoas pedalando, as ruas da cidade provavelmente são seguras. Se não, há um problema.”
Quando uma cidade decide instalar uma infraestrutura cicloviária protegida, não se trata apenas de oferecer uma rota mais segura para os ciclistas existentes. Normalmente, o objetivo também é incentivar mais pessoas a fazer viagens de bicicleta. Em outras palavras, ciclovias não dizem respeito apenas ao presente, mas ao futuro e aos tipos de comportamento em relação ao transporte que a cidade está tentando incentivar. Nesse sentido, construir infraestrutura cicloviária é uma forma de induzir a demanda por viagens não veiculares.
Aquela imagem de um motorista preso no trânsito vendo pessoas passando rapidamente nas ciclovias e pensando “eu deveria ir de bicicleta da próxima vez” pode ser uma grande simplificação, mas o princípio é válido. Dê às pessoas uma forma mais eficiente de se deslocar, e algumas delas aceitarão a sua proposta.
Quando fazemos do combate ao congestionamento a nossa prioridade acima de tudo, perdemos o verdadeiro objetivo do transporte: levar as pessoas de e para os lugares onde vivem, trabalham e se divertem. Combater o congestionamento é endereçar os sintomas (ou seja, tentar melhorar o transporte pelo bem dele mesmo), enquanto adicionar ciclovias significa fornecer acesso para mais pessoas, que é o objetivo primário do transporte.
Leia mais: Sistema cicloviário brasileiro apresenta um cenário de desigualdade e ineficiência
Cidades são lugares complexos, e nossa atenção e esforços devem ser direcionados para questões como sustentabilidade financeira e ambiental, habitabilidade e prosperidade para todos. Nossas escolhas de infraestrutura, especialmente na forma como projetamos ruas e rodovias, têm uma influência enorme nessas qualidades. Na minha opinião, entre todas as razões excelentes para construir ciclovias, reduzir o congestionamento é a menos convincente.
Artigo originalmente publicado em Strong Towns, em outubro de 2024.
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