10 maneiras de trabalhar com urbanismo
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Cabo Verde, na África, tinha uma política habitacional muito voltada para a construção de novas moradias, mas reconheceu que era necessária uma nova abordagem com outras linhas de atuação. O que o Brasil pode aprender com esse modelo?
17 de fevereiro de 2025Como um brasileiro que trabalha com políticas de desenvolvimento urbano em outros países, uma pergunta recorrente que eu recebo é o que se pode aprender das experiências internacionais e trazer ao Brasil. A resposta não é tão simples, já que cada contexto é diferente e, independente dos problemas que ainda se enfrentam no Brasil, muita coisa já se tentou e ainda se tenta, com os sucessos e desafios associados. De maneira geral, porém, vejo que certos elementos do processo de elaboração e implementação de políticas, que reconheço que não são os mais atrativos à primeira vista, já que não se tratam de soluções prontas, são os que oferecem uma maior possibilidade de transferência de um contexto ao outro.
Vejamos o caso de Cabo Verde, antiga colônia portuguesa, assim como o Brasil. É um país insular (10 ilhas no total, sendo 9 habitadas) localizado no oeste do continente africano, com uma população de aproximadamente 550 mil habitantes. Cerca de dois terços da população vive em áreas urbanas, e o arquipélago apresenta uma economia de rendimento médio, fortemente orientada para o setor de serviços, que representa mais de 70% do PIB, com destaque para o turismo (nota do autor: visitem!).
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Cabo Verde, como praticamente todos os países que já realizaram algum tipo de intervenção habitacional, tinha uma política muito focada na construção de novas moradias, mais concretamente através do Programa Casa Para Todos (CPT). O Programa, iniciado em 2010 e financiado, entre outros, pelo Governo de Portugal em 200 milhões de euros, tinha como eixo principal a construção de conjuntos habitacionais para diferentes faixas de renda, nos mesmos moldes e influenciado – nas boas e más práticas – pelo Minha Casa, Minha Vida (MCMV) brasileiro. Apesar de ter uma escala menor (mais ou menos 5 mil unidades foram construídas ao todo) e de certamente ter impactado positivamente grande parte dos beneficiários, o Programa padeceu de muitos problemas que também vemos no MCMV, como falta de conexão com o tecido urbano em muitos casos (apesar de incluir uma importante componente de planejamento urbanístico) e uma flexibilidade limitada à vasta gama de tipologias e dinâmicas familiares que acedeu ao programa.
A partir de 2015, porém, a abordagem do Governo tem se ajustado com base nas lições aprendidas a partir da experiência do CPT. Por um lado, devido às dificuldades de implementação do CPT, que incluíram desafios na alocação de unidades, especialmente aquelas destinadas às classes mais baixas, e o pagamento da dívida resultante com o governo português. Por outro, devido ao trabalho de investigação e consequente advocacy realizado como parte de uma série de iniciativas no setor habitacional e urbano, em especial através do Programa Participativo de Melhoria dos Assentamentos Informais (PSUP na sua sigla em inglês), implementado pelo ONU-Habitat com financiamento da União Europeia. Entre outros, foram elaborados Perfis Urbanos para todos os municípios do país, bem como um Perfil do Setor da Habitação a nível nacional, documentos que deram base à Política Nacional da Habitação e Política Nacional do Ordenamento do Território, ambas aprovadas no início de 2020.
Gosto de dizer que uma boa política já nasce sendo implementada, já que o seu processo de elaboração em si é o que deve incitar as mudanças almejadas no setor em questão. Foi o que aconteceu em Cabo Verde: a partir do reconhecimento de que uma alternativa à abordagem tradicional de construção de novas unidades era necessária, o Governo lançou o Programa de Requalificação, Reabilitação e Acessibilidade (PRRA). Iniciado em 2018, o PRRA atua em uma série de linhas de ação, como a requalificação de centros urbanos e bairros e a reabilitação de habitações (um elemento que já estava presente no CPT, porém de maneira ainda tímida).
Os dados mais recentes (2024) indicam que o PRRA apoiou a reabilitação de cerca de 4 mil habitações. O valor correspondente, que é desembolsado mediante contratos de programa com as câmaras municipais, é um investimento de cerca de 12 milhões de euros – ou seja, uma fração do valor desembolsado para o CPT (6%) para uma quantidade não muito diferente de unidades beneficiadas. O valor médio aplicado por unidade é de 3 mil dólares, com o foco em melhorias estruturais e pintura das casas.
Outra componente importante do PRRA é a promoção do desenvolvimento local. Ou seja, aproveitar a construção como um meio de impulsionar a indústria local, seja através de materiais de construção locais ou da preferência pela contratação de micro e pequenas empresas dos municípios onde a intervenção será realizada. Como parte desses esforços, facilitou-se a formalização de pequenos empreiteiros, beneficiando mais de 50 indivíduos.
Em resumo, o sucesso da abordagem do PRRA advém de um conjunto de medidas a nível nacional e local, baseadas em evidências coletadas por meio de investigações e refletidas, através de processos colaborativos, em políticas correspondentes. É um caso clássico em que o processo é tão importante quanto o resultado: somente através do engajamento efetivo das partes é que as políticas serão implementadas (eu inclusive conheço casos que instrumentos nunca promulgados estão em implementação, como a Política Nacional de Habitação em Angola, e estratégias similares em Moçambique). Por outro lado, ressalta a importância de se pensar em habitação além da construção ou melhoria das edificações: há um componente de desenvolvimento social e econômico que deve ser considerado e o seu potencial catalisado através das intervenções no setor, tanto no caso de melhorias habitacionais ou a nível de bairro, quanto no caso de novas construções.
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