A nova sede do governo de São Paulo não resolverá o centro da cidade
Foto: Prefeitura de São Paulo

A nova sede do governo de São Paulo não resolverá o centro da cidade

Com o objetivo de impulsionar a revitalização do centro, o governo de São Paulo anunciou a transferência da sua sede do Morumbi para Campos Elíseos. Apesar de ter pontos positivos, a ideia apresenta equívocos.

21 de outubro de 2024

No início de 2024, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, anunciou o investimento de R$ 4 bilhões para a construção de um centro administrativo do governo estadual em Campos Elíseos, na região central da cidade. Hoje, além do Palácio dos Bandeirantes, no Morumbi, onde trabalham cerca de 1900 funcionários, os 27 mil funcionários do governo estadual trabalham em 60 prédios espalhados por São Paulo, gerando enormes custos de deslocamento. Além de melhorar a coordenação da administração pública, a mudança pode ser considerada uma correção histórica da transferência da sede administrativa em 1965, indo justamente de Campos Elíseos para o Palácio dos Bandeirantes. Era a época de glória do automóvel e, consequentemente, do Morumbi, hoje isolado pelos congestionamentos, sem acesso ao metrô e com poucas opções de comércio e serviços para os funcionários do estado.

O centro de São Paulo continua sendo a região com maior acesso a oportunidades e conta com ampla conectividade de transportes, comércio e serviços. Mesmo com altas taxas de vacância, o distrito de Santa Cecília, que compreende Campos Elíseos, é um dos mais densos da capital paulista, com 215 hab/ha, mais que o dobro do Itaim Bibi. Ter os órgãos públicos no coração da cidade, além de aproximar o estado da população, também ajudaria a aproximar a gestão pública de um espaço negligenciado nas últimas gestões a despeito de planos para sua qualificação. O megainvestimento daria o empurrão necessário para regenerar o Centro, reocupando moradias vagas e atraindo novos investimentos.

A sua execução, no entanto, tem um lado sombrio. O concurso lançado pelo governo paulista para a nova sede determinou que os 450.000 m² previstos seriam alocados em quarteirões no entorno do parque Princesa Isabel, área já consolidada por prédios. Cerca de 230 imóveis devem ser desapropriados, em quadras onde vivem hoje cerca de 800 pessoas, muitas em pensões e cortiços, ou seja, de baixíssima renda. As áreas também são demarcadas parcialmente como Zonas Especiais de Interesse Social pelo Plano Diretor, ou seja, descumprindo a própria legislação urbanística municipal. O destino desses moradores não foi mencionado no projeto nem no edital do concurso, como denuncia a nota técnica publicada pelo Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (LabCidade FAU/USP). 

A imagem mostra o projeto vencedor do concurso para a nova sede
Projeto vencedor do concurso para a nova sede. Imagem: Prefeitura de São Paulo

Este movimento repete erros do passado. Em 1894, o Código Sanitário do Estado de São Paulo proibiu a construção de cortiços e recomendou a sua destruição. Centenas de pessoas foram despejadas. A Reforma Passos, no Rio de Janeiro do início do século 20, fez o mesmo para “embelezar” o Centro da cidade. No Recife, a estigmatização e destruição dos “mocambos” acompanhou seu desenvolvimento na primeira metade do século 20, assim como a demolição de “malocas” em Porto Alegre. A relativização dos direitos de propriedade dos pobres é histórica no nosso país, com o agravante de não endereçar adequadamente os deslocados. Mesmo com 130 anos de proibição de cortiços, hoje cerca de 500 mil paulistanos moram em cortiços e 1 milhão moram em favelas. 

Logo depois do anúncio da nova sede, o governo anunciou a construção de mais de 6 mil moradias no Centro, das quais mais da metade seriam destinadas a pessoas de baixa renda. O investimento de R$2,6 bilhões seria também usado para reformar edifícios da região. No entanto, não há informação se a mesma população deslocada seria atendida pelo novo investimento, ou como ou quando seria feita a realocação.

Leia mais: São Paulo: o que dizem os dados sobre o acesso a oportunidades no Plano Diretor

Os problemas do Centro de São Paulo são comuns a outros centros urbanos do Brasil e da América Latina: imóveis vazios, população de rua e falta de zeladoria. A nova sede administrativa e as novas unidades habitacionais não endereçam a origem desses problemas.

Imóveis vazios não decorrem somente da falta de investimentos. A dificuldade, na maioria das vezes, é destravar imóveis emperrados por motivos diferentes. São conflitos na adequação de edifícios antigos a novas regulações como patrimônio histórico, bombeiros, acessibilidade e zoneamento; imóveis em disputas judiciais eternas; ou simplesmente condomínios depreciados de propriedade pulverizada e de impossível coordenação entre os proprietários. Dinheiro, sozinho, não resolve. Uma grande parcela também é compreendida por imóveis públicos – das três esferas federativas – que mereceriam leilões, dando usos de mercado e gerando caixa para os investimentos públicos necessários.

A foto mostra edifícios abandonados na Rua do Carmo, na Sé, em São Paulo.
Edifícios abandonados na Rua do Carmo, na Sé, em São Paulo. Foto: Google Earth

Enquanto a lógica proposta é demolir construções existentes para construir novas, dados do Censo 2022 mostram que 20% dos imóveis do centro de São Paulo estão desocupados. O problema não é a oferta de novas moradias, mas a falta de um uso adequado do estoque existente. O caminho correto seria realizar um levantamento dos imóveis vagos, identificando os proprietários e os motivos de vacância, com políticas diferentes endereçando cada um deles. A ferramenta para desapropriação de imóveis vazios, o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios, ou PEUC, já existe, embora seja tímida na sua aplicação. Secretarias estaduais poderiam se encaixar nos imóveis mais adequados, como a administração municipal fez nos anos 1980 ocupando o Edifício Martinelli, que até então estava abandonado. Com mais unidades disponíveis, uma política séria de aluguel social ajudaria na sua ocupação e na mitigação da população em déficit habitacional. Exemplo recente de sucesso é o Reviver Centro, no Rio de Janeiro, que desde o ano de 2021 permitiu o lançamento de 1.104 mil unidades no Centro da cidade. 

Leia mais: Reviver Centro: a ocupação e a relação com o tempo

Para a população de rua, uma das medidas que tem se mostrado efetivas é a “Housing First”, ou “Moradia Primeiro”, que concede moradias simples entendendo que não apenas o custo social, mas também financeiro, de manter gente na rua é inferior ao custo de atendê-las com moradia adequada. Em Denver, um programa de 2016 com essa abordagem mostrou que, após 3 anos, houve uma redução de 40% em prisões dos participantes, em comparação com o grupo que era atendido pelos serviços tradicionais. Um conjunto de estudos em cidades americanas revelou que os programas “Housing First” economizam U$1,44 para cada U$1,00 investido. Em São Paulo, entre os mais de R$6 bilhões investidos pelos dois programas anunciados – de transferência da sede administrativa e construção de novas moradias no Centro –, não está claro qual será a política para endereçar a sua população de rua.

Os problemas enfrentados pelos nossos centros históricos são complexos, de origem multifatorial e levarão anos para serem resolvidos. Megaprojetos urbanos, embora sedutores, apresentando renderizações higienizadas de uma realidade utópica, acabam sendo ferramentas simplistas e caras que não endereçam a origem dos problemas, podendo, inclusive, agravá-los. É o que indica, até o momento, a iniciativa do governo do estado para o centro de São Paulo. O Palácio dos Bandeirantes seguirá como a mansão do governador no Morumbi. Simbolicamente, o Museu das Favelas, hoje instalado no Palácio Campos Elíseos, também será deslocado. Seu destino ainda é incerto.

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