A mudança de uso é inevitável
Foto: Google Earth

A mudança de uso é inevitável

Cidades são dinâmicas, e os tipos de uso do solo precisam acompanhar as mudanças pelas quais a cidade passa.

18 de agosto de 2025

Você já viu na sua cidade galpões, barracões, casarões, prédios e terrenos que antigamente abrigavam diversas atividades e hoje estão abandonados e desocupados? Muitas dessas áreas possuem entraves que acabam imobilizando o uso desses imóveis, tirando o incentivo ao investimento e aproveitamento dessas edificações.

São problemas na justiça, com imóveis envolvidos em processos longos que impedem seu uso pleno ou sua comercialização. A lista de motivos para esses imóveis estarem “judicialmente paralisados” é extensa: inventário, desapropriação, penhora, falência, recuperação judicial, tombamento, dívidas, embargos de obra, usucapião, disputa pela posse — como no caso do Palácio Guanabara, no Rio de Janeiro, cujo processo durou 125 anos —, imóvel sem registro ou com registro irregular, restrições ambientais, etc.

Além de todos esses possíveis imbróglios judiciais, os imóveis que pertencem ao poder público também sofrem com restrições financeiras e administrativas. Sem dinheiro para reformar o prédio ou sem capacidade administrativa para transformar o seu uso em algo diferente de mais uma sede de algum órgão público ou um museu, é comum presenciarmos imóveis públicos ociosos. Muitos são destruídos pelo tempo e pelas intempéries, escondidos pelo lixo e pelo mato alto. Imóveis que não são utilizados acabam também trazendo insegurança para quem transita ou mora perto desses locais.

Leia mais: Curtos-circuitos da regulação do uso do solo

Outro ponto importante, como cita o ex-secretário de planejamento urbano do Rio de Janeiro, Washington Fajardo, é que “a melhor cidade é aquela que já existe”. Os prédios abandonados muitas vezes estão em locais que já têm infraestrutura construída, com ruas, calçadas, instalações de água, esgoto e energia elétrica. Essa infraestrutura demanda um custo muito menor para entrar em operação e ser mantida, porque não necessariamente precisa de ampliação. Os prédios precisam basicamente passar por um retrofit ou uma reforma para serem colocados em uso.

Timidamente, a ideia de aproveitar a cidade já construída vai se espalhando Brasil afora, como nos programas Reviver Centro, no Rio de Janeiro, e Requalifica Centro, em São Paulo. Mas existe potencial a ser explorado em muitas outras cidades de diferentes tamanhos. A minha cidade, Limeira, no interior de São Paulo, é uma cidade média com cerca de 300 mil habitantes. E consigo listar vários locais da cidade que estão abandonados e poderiam ser reocupados com usos diferentes dos que tinham antigamente.

Machinas São Paulo

A antiga sede das Machinas São Paulo, a primeira indústria da cidade de Limeira, é um prédio que teve seu interesse histórico declarado em 2007, sendo finalmente tombado em 2020. Fundada em 1914, a indústria funcionou até 1958 e foi vendida em 1962 para a Mercedes-Benz, que alugava os imóveis para empresas e oficinas menores. Em 2005, o prédio foi desapropriado pela Prefeitura de Limeira, posteriormente sediando o Centro de Promoção Social (órgão gestor da política municipal da Assistência Social) entre 2014 e 2022. Sua desocupação ocorreu após a criação do NAC – Núcleo de Atendimento ao Cidadão, em um imóvel bem maior que agora abriga diversos serviços públicos, dentre eles o Centro de Promoção Social.

Galpão abandonado da Machinas São Paulo. Foto: Prefeitura de Limeira

Uma parte do complexo acabou desmoronando após uma forte tempestade em 2010, restando apenas uma única parede e o espelho d’água. Porém, os galpões que ainda existem poderiam abrigar outras empresas, órgãos públicos ou mesmo ser remodelado para ter algum uso diferente, como moradia, instituição de ensino, comércio ou serviços. No entanto, por se tratar de um imóvel público, sua destinação esbarra em entraves administrativos e na ausência de definições claras sobre seu futuro uso.

Na própria cidade existem casos de sucesso: o antigo prédio das Indústrias Prada, fabricante de chapéus, hoje abriga o Paço Municipal, trazendo movimento para a região central da cidade e ocupando um grande imóvel tombado. Outro exemplo é a Indústria Bassinello, fabricante da cachaça Limeirinha. Sua usina agora é uma das escolas do Sesi em Limeira, com o prédio da fábrica tendo sido adaptado para seu novo uso.

Cidadela União

Esse é um projeto já antigo, mas que ainda está no mesmo local que dezenas de outros projetos: o papel. É uma área que abrigou a antiga fábrica de açúcar da União, que encerrou as atividades na cidade em 2007. Desde então, a região continua vazia. O projeto denominado Cidadela União visa construir edifícios comerciais e residenciais na região, mas até agora o local segue abandonado, juntando mato alto, lixo e insegurança no entorno. Segundo as notícias na mídia local, a empresa responsável pelo projeto alegou que a pandemia atrasou o processo de aprovação dos projetos e a burocracia adjacente, assim como também afetou a previsão de custos do empreendimento, necessitando que a empresa reavaliasse a viabilidade do projeto.

A Lei Complementar municipal que aprovou a intervenção na área foi publicada em 2018. Ela prevê a realização de contrapartidas pelo empreendedor como a construção de uma nova rodoviária, um parque linear e pelo menos 100 unidades de Habitação de Interesse Social. Uma vez que o projeto e suas contrapartidas beneficiariam o entorno da região e a cidade toda, esse atraso só prejudica a população. 

Área da antiga fábrica de açúcar da União. Foto: Google Earth

Antiga Estação Ferroviária

Desde que acabou o transporte de passageiros por trens na cidade — a última viagem foi em 2001 —  a antiga estação já teve outros usos e foi diversas vezes restaurada. 

Desde sua desativação como estação, a edificação ficou sem uso por cerca de cinco anos e passou a ser utilizada como depósito do Museu Major José Levy Sobrinho durante a sua reforma. Ainda guardando parte do acervo do museu, em 2014 abrigou a Guarda Civil Municipal, sendo essa sua última ocupação. Ter a sede da GCM ali melhorou tanto o uso do prédio como a segurança da região, mas a ocupação durou apenas alguns anos.

Já sem uso pela prefeitura, em novembro de 2018 o galpão da estação ferroviária pegou fogo, e teve o telhado e parte do cômodo bastante danificados.  O prédio foi novamente restaurado em 2024, e existem negociações para que o espaço seja utilizado pelo Senai – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, mas o imóvel segue desocupado até o momento.

Prédio da antiga Estação Ferroviária de Limeira. Foto: Google Earth

Leia mais: O que a ciência diz sobre a regulação do uso do solo no Brasil?

Antigo Campo de Aviação

Outro imenso vazio urbano da cidade de Limeira é o antigo Campo de Aviação. Situado na Zona Sul, ele é cercado de bairros consolidados por todos os lados, e já existe outro aeroporto em construção na cidade, na zona rural. É uma área que pertence à prefeitura da cidade e que poderia ser preenchida por outros usos, como novos loteamentos, habitação popular, parques ou praças. É comum nas faculdades de arquitetura da cidade que os alunos elaborem projetos para a região. Ideias não faltam, mas é preciso investimento. 

A própria prefeitura chegou a desenvolver um projeto chamado Bairro da Gente, em 2016. Era um grande masterplan, com participação da equipe do Jan Gehl, que previa uma parceria público-privada para sua implantação, que demoraria cerca de 10 anos. Mas após nove anos, o masterplan continua no papel.

Se concretizada, a flexibilização do uso do terreno para alocar moradias seria positiva para a cidade, considerando a sua localização. A nova oferta habitacional já estaria melhor localizada do que a maioria dos conjuntos habitacionais, que é construída distante da cidade, sem nenhum tipo de comércio ou serviço no entorno, fazendo a população depender de longos trajetos de ônibus ou veículos particulares.

Vista aérea do antigo campo de aviação, cercado de cidade por todos os lados. Foto: Google Earth

Todas essas áreas constituem grandes vazios urbanos e já não têm como ser utilizadas para a mesma atividade que um dia tiveram. É preciso flexibilizar o uso e simplificar os processos de aprovação para que elas sejam aproveitadas e possam gerar benefícios para a população da cidade, principalmente quem mora ou trabalha no entorno desses locais.

Para saber mais sobre as consequências indesejadas da falta de flexibilização e mistura de usos nas cidades, conheça o curso “Do Planejamento ao Caos“, que explica o urbanismo das cidades brasileiras e como podemos construir caminhos melhores.

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