Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
A questão do zoneamento no planejamento urbano é sempre um tema que gera debate. Como e onde determinar usos de ocupação do solo? O que é Zoneamento?
5 de setembro de 2019Em seu livro “Direito Urbanístico Brasileiro”, José de Afonso da Silva define este conceito como “a repartição do território municipal à vista da destinação da terra, do uso do solo ou das características arquitetônicas”. Já na antiguidade praticou-se o zoneamento, como no antigo Oriente Médio com seus Palácios dos Faraós, suas pirâmides e seus templos. Selinunte, na costa meridional da Sicília, apresentava uma divisão funcional: zonas religiosas, com seus templos; comercial e política, como a infalível ágora e o mercado, além das zonas de moradia e de abastecimento. Assim, o zoneamento remonta aos tempos antigos; novos, portanto, são os princípios filosóficos que o norteiam.
Na história do Rio de Janeiro, no Brasil Imperial, já haviam as ruas especializadas: dos Latoeiros, dos Ourives, da Quitanda, do Mercado e do Ouvidor. Após a Proclamação da República, o Decreto Nº 391 de 1903, determinava que os novos prédios não deveriam apresentar altura superior a uma vez a largura das ruas. Era um princípio de ordem estética e sanitária, não havendo ainda a criação das zonas de uso.
A partir de janeiro de 1925, o decreto Nº 2.087 foi o primeiro a dividir a cidade em zonas (Primeira Zona ou Central — dividida em uma área a partir do mar em Parte Comercial —, Segunda ou Urbana, Terceira ou Suburbana e Quarta ou Rural), prescrevendo alturas máximas para as construções, seus afastamentos e demais condições para construção de prédios no então Distrito Federal. Da divisão em zonas, ficaram excluídos os morros. Nas zonas Primeira, Segunda e Terceira, nenhuma construção poderia ser feita em terreno não arruado. Este Código de Obras, que não apresentou plantas com as zonas de usos, durou até 1937, quando entrou em vigor o famoso Decreto Nº 6.000.
O Código de Obras do Distrito Federal, aprovado pelo Decreto Nº 6.000, instituiu em seu capítulo II o Zoneamento, dividido em Zona Comercial (ZC1, com subzonas ZE e ZC2), Zona Portuária (ZP), Zona Industrial (ZI) — composta por duas partes, sendo uma contínua e outra descontínua —, Zona Residencial (ZR — ZR1 na parte sul da cidade e um trecho da Tijuca, ZR2 e ZR3) e Zona Rural ou Agrícola (ZA), constituída por toda a área não compreendida nas demais zonas.
Em 1960, com a inauguração de Brasília, o Rio de Janeiro passa a se constituir no Estado da Guanabara. E em 1967, a Lei Nº 1.574 estabelece normas para o desenvolvimento urbano e regional do estado, que seria dividido em zonas a serem delimitadas e indicadas por simbologia adequada no mapa de zoneamento, fazendo parte da regulamentação desta lei, obedecidas as adequações, tolerâncias e inadequações constantes de um “Quadro Geral de Uso da Terra” (art. 16).
Em abril de 1970, o Governador do Estado aprovou pelo Decreto Nº 3.800 cinco regulamentos: Zoneamento, Parcelamento da Terra, Edificações e Construções, Licenciamento e Fiscalização e Assentamento de Máquinas e Motores — muitos deles ainda em vigor. O estado ficou dividido nas Zonas: Área Central (AC1 e AC2), Zona Portuária (ZP), Centros de Bairro (CB1, CB2 e CB3), Zona Industrial (ZI1 e ZI2), Zona Turística (ZT1 e ZT2), Zona Residencial (ZR1, ZR2, ZR3, ZR4, ZR5 e ZR6) e Zonas Especiais (ZE).
Após a fusão dos Estados do Rio e Guanabara, o Prefeito Marcos Tamoyo aprovou um novo decreto de Zoneamento, Nº 322, em 1976. Ele manteve a metodologia de planejamento adotado na cidade — que se estende até os dias de hoje —, o plano que define grandes manchas de uso do solo e determina seus índices através de decretos e leis onde nenhum gráfico é produzido. Mesmo após a publicação do decreto que instituiu o Plano Urbanístico Básico de 1977 — que determinava que se fizessem os Projetos de Estruturação Urbana (PEU) para as 55 Unidades Espacias de Planejamento (UEP) e que abordassem temas como mobilidade e desenho urbano —, os PEUs eram uma continuação da metodologia dos anos 1970.
Com a publicação de novos PEUs a partir da década de 1980, começam a surgir novas nomenclaturas. Aparecem, por exemplo, as ZRMs (zona residencial multifamiliar), enquanto os ZRs do Decreto 322/76 continuam em vigor para outras áreas. Isso dificultava e ainda dificulta o entendimento do zoneamento por arquitetos menos experientes, restringindo a atuação destes. A falta de uma Lei de Uso e Ocupação do Solo que trate deste tema é uma lacuna em nosso planejamento. Outro fator observado é o de que os usos previstos não acompanham as mudanças da vida atual.
As grandes mudanças de nossa contemporaneidade, como as novas tecnologias, trazem um novo modo de viver que deve ser refletido em como pensamos o planejamento. É provável que a maneira como praticamos o zoneamento em nossas cidades, deve ser repensado em modelos que atendam as novas vocações das cidades. Podemos perguntar também se esta palavra, zoneamento, ainda caberá nos próximos anos.
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Olá.
Sou leigo no assunto, e fiquei com uma dúvida referente a questão do zoneamento e as leis que ditam o urbanismo de uma cidade. Sei também que o assunto é complexo e uma situação pode ser vista sobre diversos pontos de vista, exigindo então muito debate.
Como podemos flexibilizar as leis que regram a construção de edifícios, em especial as que ditam sua altura, sem que possamos vir a ter prejuízos paisagísticos ou arquitetônicos, que apesar de ser uma preocupação estética isso vem a contar para a qualidade de vida e para a economia turística? Isso não exigiria um regramento da ocupação do solo e de como se viria a construir nesse determinado terreno?
Cito como exemplo o Morro da Viúva, uma colina no Rio de janeiro, que foi encoberta por prédios.