Por que excluímos crianças da vida urbana?
Na tentativa de proteger as crianças, mantendo-as dentro dos muros e dos carros, acabamos prejudicando o seu próprio desenvolvimento e contribuindo para o abandono dos espaços públicos nas cidades.
A cidade não resolve problemas, ela promove o ambiente para que se resolva uma diversidade infinita de pequenos problemas que o ser humano enfrenta.
21 de janeiro de 2016No século XX, o movimento moderno da arquitetura desenhou grandes planos para refazer as cidades para a era das máquinas. Le Corbusier, líder do movimento, concedeu seu plano a Cidade Radiante. Desenhou cada parte para que funcionasse como ele quisesse. Sua máquina fornecia a solução para quatro problemas: habitação, trabalho, recreação e circulação. Todo o resto foi removido.
A ideia de uma cidade máquina expressava três pressupostos que levaram aos resultados catastróficos do urbanismo:
1º — A cidade é uma máquina que resolve o problema. Desse modo, pode ser desenhada como uma ferramenta;
2º — O desejo de um desenhista pode ser imposto na escala da cidade;
3º — A forma de uma cidade, sua morfologia, pode ser concebida anteriormente ao seu desenvolvimento (“planejada”).
Depois de uma luta titânica sobre o futuro de Nova York, Jane Jacobs explicou esse erro no capítulo final de Morte e Vida nas Grandes Cidades. O “tipo de problema que a cidade é” não possui nada em comum com as ciências da física e engenharia. É como as ciências biológicas, o problema da complexidade organizada.
A cidade não resolve um problema ou alguns, ela promove o ambiente para que se resolva uma diversidade infinita de pequenos problemas que o ser humano enfrenta. É tão complexa que não há uma pessoa que possa esperar entende-la por completo. Sua morfologia deve ser definida pelo seu processo de crescimento à medida que se adapta às mudanças do desejo e da necessidade humana.
A cidade não pode ter um designer. Não pode ser construída de acordo com uma descrição finamente sintonizada com a perfeição. Isso se tornou óbvio para praticamente todo mundo, apesar do urbanismo no mundo anglófono ainda estar associado ao título “planejador urbano” mesmo com as evidências de que planejamento não faz diferença alguma. Ainda assim a prática do zoneamento em larga escala e planejamento local continua.
O problema foi a ausência de teoria alternativa. Hoje essa teoria existe. Pesquisas sobre DNA e automação celular mostrou como sistemas em transformação, ao contrário das descrições, criam complexidade na natureza através da emergência. Células que se multiplicam e interagem seguindo séries simples de regras de transformação produzem formas de complexidade inacreditável.
Um sistema de transformações é similar a uma receita. É uma lista de ações que se deve seguir, comparado a um sistema descritivo que dá uma imagem de objeto terminado. Imagine tentar fazer um bolo de chocolate sem nada além de uma foto. Agora tente novamente com nenhuma imagem, mas uma receita completa. Ao se seguir a receita, você terá um bolo gostoso, não importa qual forma ou tamanho seu bolo tomar. Se errar na receita, seu bolo não vai ser bem sucedido.
A definição de emergência é a seguinte: a forma obtida resultante de seguir determinados processos. O oposto da emergência é o design: a forma concebida por um desenhista que será usada como modelo para sua realização. Na emergente, a forma é o resultado. No design, a forma é o ponto de partida.
O paradigma urbanístico do século XXI é descobrir e aplicar a receita certa, DNA, série de transformações, para construir uma cidade, de qualquer tamanho, forma ou ponto de partida, de modo que vá sempre funcionar, se adaptar e estar sempre cheia de vida.
Este artigo foi originalmente publicado no site Emergent Urbanism em outubro de 2007. Foi traduzido por Lucas Magalhães, revisado por Anthony Ling e publicado neste site com autorização do autor.
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