Como Copenhagen se tornou a joia do urbanismo mundial | Parte 2
Copenhagen se tornou uma referência mundial ao abraçar um conjunto de princípios e estratégias para sair de uma crise. Essas soluções podem inspirar outras cidades pelo mundo.
Todo projeto de rede cicloviária deve ser conectado, direto, seguro, confortável e atrativo.
25 de agosto de 2025Os holandeses sabem muito bem como construir uma rede de ciclovias. Todo esse conhecimento foi sistematizado no Manual de Desenho de Tráfego Cicloviário da CROW.
Esse manual se tornou a principal referência internacional para o desenho de redes cicloviárias. Ele estabelece 5 princípios que toda rede — em qualquer lugar do mundo — deve seguir:
Conectada. Direta. Segura. Confortável. Atrativa.
Em todos os países, precisamos garantir que nossas ciclovias estejam alinhadas com esses princípios. Vamos analisá-los mais profundamente.
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Uma corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco. O mesmo vale para o deslocamento com bicicleta.
Uma cidade pode ter quilômetros de ciclovias protegidas, mas se essas vias terminam de forma abrupta e jogam os ciclistas de volta para o tráfego motorizado, muita gente simplesmente não vai usar a rede cicloviária.
Por isso, cada projeto cicloviário precisa se conectar a outras infraestruturas seguras para a bicicleta. Isso é óbvio para qualquer pessoa que já tenha pedalado em uma cidade.
O manual da CROW chama esse princípio de coesão, no sentido de permitir deslocamentos “de qualquer lugar e para qualquer lugar”, incluindo também a integração com o transporte coletivo.
Para cidades que ainda estão implantando apenas trechos isolados de ciclovias protegidas, recomenda-se ao menos informar o público sobre os planos futuros para completar essas lacunas. Além disso, é importante instalar sinalização que indique conexões próximas com outras vias seguras.
Pedalar exige esforço. Ninguém em uma bicicleta quer — ou merece — um trajeto cheio de desvios desnecessários.
Todas as redes cicloviárias devem ser projetadas para oferecer o caminho mais direto possível. Se a infraestrutura segura for muito inconveniente, as pessoas não vão utilizá-la.
Além disso, é fundamental que o deslocamento com bicicleta seja o mais competitivo possível em termos de tempo de viagem em relação ao carro e ao transporte público. Isso requer rotas diretas que deem prioridade aos modos de transporte sustentáveis. Os urbanistas nem sempre gostam de ouvir isso, mas as redes viárias devem ser projetadas de forma que a bicicleta e o transporte coletivo sejam as formas mais rápidas e mais convenientes de acessar áreas urbanas congestionadas.
Se pensarmos na rede de transportes de uma cidade como uma malha, oferecer percursos diretos significa que corredores cicloviários paralelos devem estar separados por, no máximo, 300 a 500 metros.
Você já deve ter ouvido a frase “pintura não é infraestrutura”. Garantir segurança para a bicicleta significa separação física dos carros sempre que possível.
A infraestrutura cicloviária também tem um efeito de acalmamento de tráfego, reduzindo a velocidade dos veículos e tornando as ruas mais seguras para todos. Ela reduz as fatalidades de todos os usuários da via — motoristas, pedestres e ciclistas.
Com a construção de novas ciclovias, pesquisadores verificaram reduções expressivas nas taxas de mortalidade no trânsito nos Estados Unidos: 75% em Portland, 61% em Seattle, 49% em São Francisco, 40% em Denver e 38% em Chicago.
Já as pinturas no asfalto, no melhor cenário, não têm efeito algum. No pior, aumentam os índices de acidentes ao transmitir uma falsa sensação de segurança para os ciclistas.
Quanto mais confortável for a experiência de pedalar, maior será o uso da infraestrutura cicloviária.
Fazer com que a ciclovia seja confortável começa por minimizar interrupções e obstáculos. Isso significa uma pavimentação lisa, rotas contínuas e evitar paradas desnecessárias. Significa reduzir ao mínimo as placas de “desça da bicicleta”. Significa uma sinalização clara, que permita que as pessoas se desloquem de forma eficiente, sem desvios desnecessários nem risco de se perder.
Uma rede cicloviária confortável também deve ter largura suficiente, de modo que os ciclistas não precisem se preocupar em esbarrar nos outros e possam pedalar lado a lado quando desejarem.
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As pessoas tendem a usar mais aquilo que parece agradável. Então, para incentivar o uso da infraestrutura cicloviária, ela deve ter atrativos. Vegetação, espaços abertos, arte urbana, boa iluminação — tudo isso contribui para tornar o ambiente mais convidativo.
Alguns podem argumentar que não há recursos para investir em tornar uma ciclovia atrativa. Isso não faz nenhum sentido. Criar atratividade é justamente uma forma de aumentar o uso da infraestrutura já financiada com dinheiro público.
Conectada. Direta. Segura. Confortável. Atrativa.
Esses cinco princípios oferecem um modelo claro para avaliar projetos cicloviários e estimar o quanto eles serão efetivamente utilizados.
Quantos dos projetos de ciclovias da sua cidade — existentes e planejados — seguem esses princípios?
Artigo publicado originalmente em Fix Your City, em agosto de 2023.
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