Curitiba: 50 anos de lições do primeiro BRT do mundo
O famoso BRT de Curitiba serviu como referência para outras cidades do mundo, mas também teve que enfrentar desafios e atualizações ao longo dos anos.
No programa Street for Kids, várias cidades ao redor do mundo implementaram projetos de intervenção para tornar ruas mais seguras e convidativas para as crianças.
10 de outubro de 2024A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que 99% da população global atualmente respira ar poluído, mais de 80% dos adolescentes não atingem os níveis recomendados de atividade física e os acidentes de trânsito são a principal causa de morte de jovens entre 5 e 29 anos. Esses são lembretes contundentes de que as decisões sobre como configuramos nossas cidades e ruas têm um impacto profundo nas pessoas, especialmente nas crianças. Desde 2018, o GDCI (Global Designing Cities Initiative) tem trabalhado com cidades que querem mudar essas tendências e colocar as crianças em primeiro lugar ao projetar suas ruas.
Em 2022, o programa Street for Kids (“Rua para Crianças”) lançou seu primeiro curso intensivo, reunindo 60 líderes de cidades de 20 países para um treinamento de seis meses. Após a conclusão do intensivo, o GDCI convidou as equipes a se candidatarem para uma bolsa de $20.000 dólares e uma assistência técnica de um ano para implementar sua visão de criação de ruas seguras, atrativas e inspiradoras para crianças em suas cidades.
Em abril de 2023, dez cidades em quatro continentes foram selecionadas e começaram a trabalhar para dar vida às suas visões: Abuja, na Nigéria; Cuenca, no Equador; Istambul, na Turquia; León, no México; Lima, no Peru; Lusaka, na Zâmbia; Recife, no Brasil; Santiago, no Chile; Solo, na Indonésia; e Tiro, no Líbano. Seus projetos são tão inspiradores quanto são diversos, oferecendo uma ampla gama de exemplos de engajamento e sensibilização, melhores práticas de projeto e visões ousadas para ruas que promovem segurança viária, mobilidade ativa, brincadeiras ao ar livre e conexões sociais.
Em conjunto, a turma de 2023 reivindicou mais de 40.000 m² de espaço público que prioriza crianças e cuidadores, envolveu mais de 4.000 crianças no processo e treinou 140 profissionais. Em média, as transformações reduziram a velocidade do tráfego em 37% e o número de veículos que excedem os limites de velocidade em 53%. Embora estejamos orgulhosos do impacto coletivo, estamos ainda mais animados para compartilhar algumas de suas histórias individuais.
Leia mais: Como criar cidades acessíveis para crianças
Em Abuja, Nigéria, a organização sem fins lucrativos Ochenuell Mobility fez uma parceria com a Diretoria de Serviços de Trânsito Rodoviário para implementar uma campanha de conscientização de seis meses, incluindo um evento com a rua aberta para crianças e cuidadores, envolvendo mais de dez escolas de diferentes partes da cidade. Para demonstrar o que é possível, eles doaram 20 bicicletas à comunidade e instalaram bicicletários perto da escola. A campanha alcançou mais de 2.000 pessoas e mais de 400 alunos foram consultados durante o processo.
Em Cuenca, Equador, a organização Huasipichanga fez uma parceria com o Município de Cuenca e a Empresa Municipal de Mobilidade, Trânsito e Transporte (EMOV) para implementar uma transformação temporária de rua que conecta uma escola primária a um parque próximo. Como parte do processo, mais de 60 crianças participaram de atividades de engajamento sobre o projeto da rua. A transformação reduziu a velocidade do tráfego em 36% e aumentou o volume de pedestres em 118%. Observou-se que as crianças brincavam mais na rua e relataram que se sentiam mais seguras ao caminhar e atravessar a via.
Em Istambul, Turquia, o estúdio de design Superpool fez uma parceria com a agência de planejamento de Istambul e o Município de Maltepe para implementar uma transformação temporária na rua que conecta uma escola primária e uma creche, reivindicando o espaço como parte da estratégia de brincadeiras da cidade. Para engajar a comunidade, a equipe realizou um evento de inauguração alcançando mais de 400 crianças. A transformação reduziu o número de veículos que excedem o limite de velocidade em 55% e aumentou o volume de pedestres em 49%. Após a transformação, 51% mais pessoas estavam socializando na nova praça e sete vezes mais crianças foram observadas brincando.
Leia mais sobre a transformação anterior da Praça Zümrütevler na cidade e assista os vídeos sobre como Istambul está incentivando brincadeiras saudáveis e segurança viária por meio de transformações nas ruas.
Em León, México, o Município de León fez uma parceria com a Agência de Serviços Familiares do Governo (DIF) e a organização sem fins lucrativos Colectivo Tomate para implementar uma transformação temporária na rua que conecta um clube infantil, uma creche e duas escolas de ensino fundamental que atendem quase 1.000 crianças. O projeto incluiu um processo de engajamento de dois meses no local, com mais de 350 crianças e adolescentes participando de atividades. Após a transformação, o volume de veículos durante a semana diminuiu em um terço, 82% menos veículos excediam 30 km/h e as atividades de brincadeiras triplicaram. 75% dos pais relataram que se sentiam seguros em deixar seus filhos brincarem e andarem de bicicleta na rua de forma independente.
Em Cerrillos, Chile, a organização sem fins lucrativos Ciudad Emergente fez uma parceria com o Município de Cerrillos para conectar uma escola local e um parque próximo, pedestrianizando temporariamente uma rua e criando um espaço mais seguro para cerca de 350 crianças. Após a transformação, o volume de pedestres na rua aumentou cinco vezes e as atividades de cuidado infantil dobraram em frente à escola. A grande maioria das pessoas entrevistadas relatou que gostaria que a rua fosse pedestrianizada permanentemente.
Leia mais sobre tornar a jornada das crianças até a escola mais segura em um projeto anterior do Streets for Kids em Santiago, no Chile.
Em Solo, Indonésia, a organização sem fins lucrativos Kota Kita fez uma parceria com o Departamento de Transporte da Cidade de Surakarta para redesenhar duas ruas próximas a uma escola de ensino médio, beneficiando mais de 500 estudantes e residentes. Mais de 400 crianças, cuidadores e membros da comunidade participaram. A transformação temporária criou um ambiente mais seguro, atrativo e inclusivo para as crianças, reivindicando o espaço público para pedestres e introduzindo elementos de traffic-calming (moderação de tráfego) e arte de rua.
Em Lima, Peru, a Prefeitura de Lima e a organização sem fins lucrativos ANIDARE fizeram uma parceria para pedestrianizar uma rua adjacente a uma escola primária no centro histórico da cidade. Por várias semanas, a intervenção reivindicou 850 m² para pedestres, ativando o espaço com diversos eventos e atividades, incluindo aulas de Tai Chi, escolas de bicicleta, cinema ao ar livre, aulas de dança e feiras. O projeto provisório também incluiu elementos na rua para brincadeiras e descanso, aumentando em 17 vezes o número de crianças brincando nas ruas. Após a transformação, a sensação de segurança dos cuidadores dobrou e o tempo médio que eles passavam na rua aumentou de 6 para 50 minutos.
Em Lusaka, Zâmbia, a organização sem fins lucrativos Zambia Road Safety Trust fez uma parceria com o Conselho da Cidade de Lusaka para melhorar as condições de três ruas ao redor de duas escolas, atendendo mais de 1.000 crianças. A transformação permanente incorporou medidas de moderação de tráfego, como lombadas, sinalização e faixas de pedestres, e adicionou 245 m² em novas áreas de descanso e brincadeiras. Após a transformação, houve uma redução de 70% na velocidade dos veículos, 90% das crianças estavam andando em uma infraestrutura protegida e a socialização dos cuidadores nas ruas dobrou.
Em Recife, Brasil, a Autarquia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) trabalhou com vários departamentos municipais e a organização sem fins lucrativos Coletivo Massapê para melhorar a segurança e o acesso para mais de 560 alunos, de três escolas, projetando e construindo ruas próximas. O projeto transformou 35.415 m² de espaço público incorporando faixas elevadas, estruturas de brincar, bancos, elementos de sombreamento e arborização nas novas calçadas. Por meio de pesquisas e várias sessões de engajamento, mais de 600 crianças, cuidadores e residentes participaram desse processo.
Em Tiro, Líbano, a organização sem fins lucrativos The Chain Effect fez uma parceria com o Município de Tiro para implementar uma série de atividades, programas e workshops para introduzir ideias de ruas seguras e saudáveis aos estudantes locais, culminando em uma intervenção provisória na rua. Com a ajuda dos estudantes, o projeto melhorou a entrada da escola com a instalação de uma nova faixa de pedestres, um parklet e um mural. No total, 300 crianças e adolescentes participaram de mais de dez atividades de engajamento ao longo do processo.
Leia mais: A mobilidade urbana sob o olhar das crianças
Para saber mais sobre como projetar ruas para crianças na sua cidade, faça o download do guia “Desenhando ruas para crianças“, agora disponível em vários idiomas.
Artigo originalmente publicado em GDCI, em agosto de 2024.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarO famoso BRT de Curitiba serviu como referência para outras cidades do mundo, mas também teve que enfrentar desafios e atualizações ao longo dos anos.
Conheça a estratégia que visa incentivar o movimento e a atividade física no cotidiano das pessoas por meio do planejamento do espaço urbano.
A redução do congestionamento não é o argumento mais convincente para a implantação de uma infraestrutura para bicicletas, mas existem muitas razões para construí-las.
As transformações no lote da casa do filme ao longo dos anos ajudam a entender como se deu o desenvolvimento urbano do bairro do Leblon, no Rio de Janeiro.
Confira nossa conversa com o economista Rodger Campos sobre mercado imobiliário, economia urbana e acesso a oportunidades.
Os urbanistas e cientistas de dados Santiago Fernández Reyes e Apaar Bansal explicam como uma nova ferramenta pode conectar as lacunas entre o uso do solo e o transporte, incentivando políticas que oferecem habitação adequada em localizações mais estratégicas.
Ao tentar classificar cidades como "planejadas" ou "não planejadas", deixamos de nos atentar a algumas nuances que revelam como as cidades realmente funcionam.
O urbanismo praticamente não tem espaço no debate público, ficando restrito a pequenos núcleos acadêmicos e burocratas.
Entenda quais são os riscos, impactos e soluções para salvar vidas no trânsito.
COMENTÁRIOS