A importância socioeconômica do avanço do saneamento nas cidades brasileiras
A ampliação do acesso à água tratada e à coleta de esgoto pode trazer diversos benefícios para a economia, a saúde pública e a coesão social.
Além de legalmente questionável, a manutenção privada traz vários problemas, sendo um deles a noção equivocada do significado de espaço público.
6 de novembro de 2017Em Morte e vida das grandes cidades, Jane Jacobs escreve que “…deve ser nítida a separação entre o espaço público e o espaço privado. O espaço público e o espaço privado não podem costurar-se, como normalmente ocorre em subúrbios ou em conjuntos habitacionais”.
No Brasil, em grande parte das cidades, a calçada é um espaço de propriedade pública cuja manutenção é de responsabilidade do proprietário do terreno adjacente. Essa manutenção descentralizada gera alguns aspectos positivos, como dar liberdade para a criatividade espontânea dos proprietários, que instalam bancos, floreiras ou até bicicletários de formas inusitadas, e escolhem diferentes padrões de calçamento. Nesse modelo, o poder público tem uma economia de custo, pois transfere para a iniciativa privada parte da responsabilidade da gestão do espaço público. No entanto, juristas como Luíza Cavalcanti Bezerra argumentam que é inconstitucional a cobrança da manutenção das calçadas diretamente pelos cidadãos, dada obrigação jurídica de que isso seja feito pelo próprio poder público.
Além de legalmente questionável, o modelo atual tem vários aspectos negativos. Os proprietários, por não terem conhecimento técnico, muitas vezes usam pisos não recomendados ou e até perigosos para uso público, já que não é clara a recomendação de material a ser usado. A falta de clareza torna ainda menos eficiente a já precária fiscalização. É frequente, ainda, a instalação de equipamentos públicos sem notificação ao proprietário, obrigando-o a fazer novos reparos após a obra.
São comuns em metrópoles brasileiras as rampas de garagem nas calçadas. Tais rampas muitas vezes canalizam a água da chuva para a calçada do vizinho, além de eliminarem vagas públicas de estacionamento para permitir o acesso a vagas privadas dentro do terreno de um estabelecimento comercial e, mais grave, geram limitações de acessibilidade ao criar desníveis no passeio.
A manutenção privada dá lugar a uma noção equivocada do significado de espaço público. Não é incomum vermos moradores e comerciantes tratando a calçada como “sua”, atacando verbalmente aqueles que ali permanecem sem a sua autorização, como se fosse propriedade de fato privada.
O tratamento diferenciado da fronteira entre a calçada e a via atualmente acaba sendo impossível nesse sistema ambíguo de manutenção. A proposta de criar espaços compartilhados, por exemplo, nos quais é eliminada a distinção na via entre aqueles que estão dirigindo, pedalando ou caminhando, é muito mais complexa em um cenário onde é necessário enfrentar um proprietário individual que faz a manutenção da “sua” calçada.
O respeito às faixas de pedestre também deve ser reforçado, implementando-se faixas em nível com as calçadas em vias de menor porte, de forma a priorizar o pedestre e induzir a redução natural da velocidade dos veículos.
O espaço entre as edificações é um espaço único de circulação e de permanência de pessoas e deve ser gerido em conjunto com esse objetivo. As prefeituras devem ter responsabilidade total pelo desenho e pela manutenção das calçadas, tratando a via como uma única entidade de espaço público a ser gerido e dedicando ao cidadão que anda a pé prioridade idêntica ou superior à dedicada àquele que se desloca por meio de automóvel ou veículo motorizado.
A execução desse serviço pode ser terceirizada à iniciativa privada, mas de forma coordenada e não realizada trecho por trecho, conforme escolhas de cada propriedade adjacente.
Para facilitar o acesso ao conteúdo do Guia de Gestão Urbana, publicamos todas as propostas apresentadas no livro na sua ordem original. Você as encontra em https://caosplanejado.com/guia, junto do link para download gratuito do livro.
Somos um projeto sem fins lucrativos com o objetivo de trazer o debate qualificado sobre urbanismo e cidades para um público abrangente. Assim, acreditamos que todo conteúdo que produzimos deve ser gratuito e acessível para todos.
Em um momento de crise para publicações que priorizam a qualidade da informação, contamos com a sua ajuda para continuar produzindo conteúdos independentes, livres de vieses políticos ou interesses comerciais.
Gosta do nosso trabalho? Seja um apoiador do Caos Planejado e nos ajude a levar este debate a um número ainda maior de pessoas e a promover cidades mais acessíveis, humanas, diversas e dinâmicas.
Quero apoiarA ampliação do acesso à água tratada e à coleta de esgoto pode trazer diversos benefícios para a economia, a saúde pública e a coesão social.
Pequenas intervenções preventivas no desenho urbano podem ser mais valiosas do que vários policiais.
Confira nossa conversa com Janice Perlman sobre sua pesquisa nas favelas do Rio de Janeiro.
Cabo Verde, na África, tinha uma política habitacional muito voltada para a construção de novas moradias, mas reconheceu que era necessária uma nova abordagem com outras linhas de atuação. O que o Brasil pode aprender com esse modelo?
Os espaços públicos são essenciais para a vida urbana, promovendo inclusão, bem-estar e identidade coletiva, mas frequentemente são negligenciados. Investir em seu projeto, gestão e acessibilidade é fundamental para criar cidades mais justas, saudáveis e vibrantes.
O conceito da "Cidade de 15 Minutos" propõe uma mobilidade facilitada sem depender do automóvel. Como a cidade de São Paulo se encaixaria nesse contexto? Confira a análise do tempo de deslocamento dos moradores para diferentes atividades.
Conheça os projetos implementados no Rio de Janeiro para melhorar a mobilidade urbana e o acesso das crianças às suas escolas.
A taxa de vacância indica a ociosidade de imóveis em uma cidade ou região. Para construir estratégias para equilibrá-la, é preciso entender o que esse número realmente significa.
O efeito cascata na habitação, também conhecido como filtragem, sugere uma forma de lidar com o problema da acessibilidade habitacional. Porém, sua abordagem pode ser simplista e é preciso entender as complexidades da dinâmica do mercado e das cidades.
COMENTÁRIOS