Em Morte e vida das grandes cidades, Jane Jacobs escreve que “…deve ser nítida a separação entre o espaço público e o espaço privado. O espaço público e o espaço privado não podem costurar-se, como normalmente ocorre em subúrbios ou em conjuntos habitacionais”.
No Brasil, em grande parte das cidades, a calçada é um espaço de propriedade pública cuja manutenção é de responsabilidade do proprietário do terreno adjacente. Essa manutenção descentralizada gera alguns aspectos positivos, como dar liberdade para a criatividade espontânea dos proprietários, que instalam bancos, floreiras ou até bicicletários de formas inusitadas, e escolhem diferentes padrões de calçamento. Nesse modelo, o poder público tem uma economia de custo, pois transfere para a iniciativa privada parte da responsabilidade da gestão do espaço público. No entanto, juristas como Luíza Cavalcanti Bezerra argumentam que é inconstitucional a cobrança da manutenção das calçadas diretamente pelos cidadãos, dada obrigação jurídica de que isso seja feito pelo próprio poder público.
Além de legalmente questionável, o modelo atual tem vários aspectos negativos. Os proprietários, por não terem conhecimento técnico, muitas vezes usam pisos não recomendados ou e até perigosos para uso público, já que não é clara a recomendação de material a ser usado. A falta de clareza torna ainda menos eficiente a já precária fiscalização. É frequente, ainda, a instalação de equipamentos públicos sem notificação ao proprietário, obrigando-o a fazer novos reparos após a obra.
São comuns em metrópoles brasileiras as rampas de garagem nas calçadas. Tais rampas muitas vezes canalizam a água da chuva para a calçada do vizinho, além de eliminarem vagas públicas de estacionamento para permitir o acesso a vagas privadas dentro do terreno de um estabelecimento comercial e, mais grave, geram limitações de acessibilidade ao criar desníveis no passeio.
O espaço entre as edificações é um espaço único de circulação e de permanência de pessoas e deve ser gerido em conjunto com esse objetivo.
A manutenção privada dá lugar a uma noção equivocada do significado de espaço público. Não é incomum vermos moradores e comerciantes tratando a calçada como “sua”, atacando verbalmente aqueles que ali permanecem sem a sua autorização, como se fosse propriedade de fato privada.
O tratamento diferenciado da fronteira entre a calçada e a via atualmente acaba sendo impossível nesse sistema ambíguo de manutenção. A proposta de criar espaços compartilhados, por exemplo, nos quais é eliminada a distinção na via entre aqueles que estão dirigindo, pedalando ou caminhando, é muito mais complexa em um cenário onde é necessário enfrentar um proprietário individual que faz a manutenção da “sua” calçada.
O respeito às faixas de pedestre também deve ser reforçado, implementando-se faixas em nível com as calçadas em vias de menor porte, de forma a priorizar o pedestre e induzir a redução natural da velocidade dos veículos.
O espaço entre as edificações é um espaço único de circulação e de permanência de pessoas e deve ser gerido em conjunto com esse objetivo. As prefeituras devem ter responsabilidade total pelo desenho e pela manutenção das calçadas, tratando a via como uma única entidade de espaço público a ser gerido e dedicando ao cidadão que anda a pé prioridade idêntica ou superior à dedicada àquele que se desloca por meio de automóvel ou veículo motorizado.
A execução desse serviço pode ser terceirizada à iniciativa privada, mas de forma coordenada e não realizada trecho por trecho, conforme escolhas de cada propriedade adjacente.
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