Dois cliques no celular e cinco minutos de espera. Chega um carro limpo, com bancos de couro, ar condicionado e um copinho de água mineral à mão. O motorista muito simpático, sorridente e educado te ajuda com a bagagem. Te leva até o seu destino por uma rota que você acompanha no celular e, ao chegar lá, abre a porta para você descer. Menos de um minuto depois chega no seu celular a confirmação de débito no cartão de crédito cadastrado. O valor geralmente impressiona por ser muito mais barato que outras opções de transporte.
Isso é o Uber. Uma ideia brilhante.
A briga entre Uber e taxistas, ou melhor, entre Uber e cooperativas e sindicatos de taxistas, é emblemática. Ela ilustra a encruzilhada ideológica e cultural em que nos vemos e que definirá, a depender do caminho a ser seguido, como serão as cidades brasileiras que deixaremos para nossos filhos.
São simples as alternativas. De um lado, podemos fortalecer o corporativismo e enaltecer — em tempos de petrolão e mensalão — a já velha forma de fazer política. De outro, podemos incentivar uma sociedade aberta, livre e democrática, em que as ideias florescem ou fracassam com base na sua capacidade de melhorar a vida dos cidadãos. A definição de “cidadão”, aliás, é “indivíduo que goza de direitos num estado livre”. Tolher a liberdade de escolha das pessoas é tolher sua cidadania.
Mas as vitórias do lobby corporativista, que pressiona vereadores (e deputados distritais no caso do DF) a impor barreiras à livre iniciativa, nos empurram na direção do pessimismo, não apenas no assunto da mobilidade, mas de todas as questões urbanas, prementes de mais diálogo e mais abertura.
Assim como os “campeões nacionais” na escala federal, nossas cidades têm seus campeões municipais. É a empresa de ônibus amiga do prefeito, o sindicato dos taxistas, a empreiteira do primo, sobrinho, genro, amigo que constrói a ponte. Não é preciso recorrer àquela corrupção tacanha, onde a licitação da estação de metrô é fraudada para justificar um “pixuleco” na campanha, ou dos políticos que incentivam greves — às custas de quem depende do serviço — para ganhar um cargo comissionado aqui ou ali; basta entender que essa promíscua relação entre público e privado, ao criar barreiras de entrada e impossibilitar a livre concorrência, degrada o serviço a que a população tem acesso, fechando as portas da inovação e nivelando por baixo a qualidade. Prospera o pior, pois, se fosse melhor, não precisaria do estado para lhe garantir o monopólio.
A cartelização da mobilidade urbana nas nossas cidades não deixa nenhum petrolão a desejar.
A cartelização da mobilidade urbana nas nossas cidades não deixa nenhum petrolão a desejar. A hiper-regulamentação de todos os setores da nossa economia, assim como o monopólio do poder de decidir, de fazer e de acontecer na mão do morbidamente obeso aparato estatal, são tumores que vêm corroendo nossa sociedade por dentro e confinam o Brasil a um país de segunda classe.
Cercados de compatriotas sem oportunidade de educação, sem acesso a saúde, sem segurança, sem moradia e sem dignidade, é revoltante a retórica demagoga dos que dizem “defender os interesses dos mais pobres”, mas que não percebem que nada pesa mais sobre as costas do pobre (e do rico, mas esse sofre menos) que a incompetência, a promiscuidade e o gigantismo inoperante do Estado.
Uber não é taxi. Mas é claro que concorre com taxi. É outro modal de transporte. Transporte aliás, é o mecanismo urbano pelo qual exercemos nosso direito constitucional de ir e vir.
Advogo pela liberalização das nossas cidades e, em especial, da mobilidade. A início de jogo, é imperativa a descriminalização de todo “transporte pirata” para que qualquer um que tenha um ônibus, carro ou van possa usá-lo para transportar passageiros no trajeto, horário e tarifa que bem entender. Nesses casos, o Estado deve resignar-se à prerrogativa de fiscalizar requisitos mínimos de segurança — como já fiscaliza nos nossos próprios carros — como cinto de segurança, limite de passageiros, limite de velocidade, locais de estacionamento, etc.
Mas para que a demagogia do “interesse público” não seja vociferada, deixemos as linhas de transporte controladas pelo Estado como estão, da mesma forma que o Uber não pleiteia isonomia em relação aos “direitos” dos taxistas, como subsídios para compra de carro, isenções tributárias, padronização da tarifa, trânsito livre pelos corredores de ônibus, etc. Deixemos a população escolher entre o transporte oferecido pelo Poder Público e alternativas não regulamentadas, livres.
Mobilidade é apenas um dos nossos desafios urbanos, mas há muitos outros: segurança, educação, saúde, infraestrutura, energia, congestionamentos, sustentabilidade no uso dos recursos naturais, etc. Podemos prosperar a partir de uma sociedade livre e plural, que valoriza a livre iniciativa, a coragem de inovar e o empreendedorismo, ou nos contentar com essa velha ideologia ruminante e daqui a 50 anos, podem ter certeza, estaremos — na melhor das hipóteses — no mesmo lugar.
Para quem quer sair do lugar, sugiro experimentar o Uber, antes que seja ilegal!
Ricardo Birmann
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