Bairros nunca tiveram o propósito de serem imutáveis
As mudanças nos bairros e nas cidades ao longo dos anos é natural e tentar impor restrições para elas é um equívoco.
Restrições de uso do solo privilegiam elite com vida suburbana na metrópole.
15 de novembro de 2021Verticalização e adensamento populacional são fatores pouco compreendidos das nossas cidades. Diferentemente do que se imagina, nem sempre quanto mais verticalizada a cidade, mais densa ela é. No Brasil, favelas ou residências semiformais compõem algumas das áreas urbanas mais densas. São residências pequenas, com pouco espaço entre elas, e muitas vezes habitadas por mais de uma família. Por outro lado, há bairros com muitos prédios e pouca gente. Prédios podem ser comerciais, sem moradores, ou ter apartamentos grandes, famílias pequenas e áreas livres ao seu redor. Poucos sabem que Cidade Ademar, distrito de casas na zona sul de São Paulo, tem o dobro da densidade da selva de prédios do Itaim Bibi.
Densidade sem verticalização ou verticalização sem densidade são ambos sintomas do mau uso do solo. Além disso, frequentemente se exige que torres sejam isoladas no meio dos terrenos, afastando-as entre si e das calçadas, matando o comércio de rua e levando ao fechamento com muros.
Mas a verticalização nem sempre levou ao paliteiro de “condomínios-clubes” de hoje. A Sé, desenvolvida em outra época, continua uma das regiões mais densas, mais verticais e, sem afastamentos, com ruas vivas. O Plano Diretor e a Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo (LPUOS), da gestão Fernando Haddad (PT), têm estratégia parecida. A ideia é permitir adensamento vertical nos eixos de transporte, otimizando a infraestrutura, e estimular a vida na rua com a “fachada ativa”.
Mas, no fim, densidade resulta da demanda por localização e, como diz o urbanista Alain Bertaud, não pode ser desenhada. Favelas densas emergem da triste combinação entre proximidade a empregos e poucas alternativas de moradia, e tentar “adensar” onde ninguém quer morar será em vão.
Quando o planejamento restringe o que se pode construir em uma área atraente, as pessoas que ali morariam não desaparecem, mas vão morar mais longe. As que permanecem são sujeitas a preços mais altos, gerando ilhas de baixa densidade e alta renda, como Alto de Pinheiros e os jardins América e Europa.
Restrições de uso do solo privilegiam uma pequena elite com uma vida suburbana no meio da maior metrópole da América do Sul. Já em áreas distantes dos empregos e com altíssimos custos de infraestrutura, surgem áreas densas e de baixa renda, como Cidade Ademar. Quem opta por baixa densidade é quem deveria arcar com uma localização mais distante, não o contrário.
São Paulo não precisa ser “mais vertical” ou “mais densa”, mas deve permitir mais espaço construído para acomodar uma população que cresce. Ciro Biderman (FGV) e Lima e Silveira Neto (UFPE) apontam que restringir o uso do solo em áreas centrais incentiva a irregularidade e a formação de favelas. Os pesquisadores Anagol, Ferreira e Rexer (Wharton/UPenn) também concluíram que a LPUOS, ao aumentar o potencial construtivo da cidade, gerou ganhos sociais. Felizmente, cidades não possuem portões que podem ser fechados para impedir a entrada de pessoas. Dada essa realidade, deveriam se transformar para abrigar aqueles que nelas gostariam de morar.
Artigo publicado originalmente em Folha de São Paulo em 9 de novembro de 2021.
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