Resolvendo a confusão das Marginais

Resolvendo a confusão das Marginais

Reduzir o limite nem sempre reduz velocidade, e aumentá-lo nem sempre aumenta acidentes. Este não é um debate simples como muitos acreditam.

31 de julho de 2015

Semana passada, em São Paulo, as Marginais Tietê e Pinheiros tiveram seus limites de velocidades reduzidos por motivos de segurança viária, passando de 70 km/h para 50 km/h nas pistas locais, de 70 km/h para 60 km/h na pista central e de 90 km/h para 70 km/h na pista expressa. A justificativa do poder público foi a redução de fatalidades nestas vias, que possuem os índices mais altos da cidade. Sobre esta decisão, vale antes fazer um breve comentário sobre como o trânsito funciona e sobre segurança viária em geral.

O limite de velocidade não é o único fator que determina qual será a velocidade adotada pelo motorista: reduzir o limite de velocidade de 50km/h para 40km/h em uma avenida cheia de semáforos, ciclistas, faixas de pedestres, vagas de estacionamento, paradas de ônibus e acesso direto a lotes lindeiros provavelmente não terá influência nenhuma sobre a velocidade média, pois é impossível alcançar 40 km/h na hora de pico, muito menos 50 km/h. Como mostram os gráficos abaixo, que representam o comportamento do tráfego, quando se atinge a capacidade máxima (em torno de 400 a 2000 veículos por hora, dependendo da via) mais velocidade não vai resolver o problema, mas sim a diminuição da entrada de novos veículos na via ao longo do tempo.

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Relação Velocidade-Densidade-Capacidade do tráfego. Mais informações aqui: https://en.wikipedia.org/wiki/Fundamental_diagram_of_traffic_flow

No caso das Marginais paulistanas, dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), empresa de economia mista que gere e monitora o transporte em São Paulo, mostram uma velocidade média de 12 km/h na hora de pico de antes da redução dos limites. Isso só mostra que a avaliação simplista feita pelos críticos à redução não se verifica na Engenharia de Tráfego, pois é preciso ter em conta a capacidade viária das marginais que, diga-se de passagem, frequentemente estão engarrafadas (capacidade máxima).

É possível, ainda, que uma diminuição no limite de velocidade de uma via aumente a sua velocidade média, dado que a redução de acidentes diminuirá o número de interrupções do fluxo, que em São Paulo são muito frequentes.

Mesmo assim, o que torna uma via perigosa não são as velocidades altas mas sim a discrepância entre as velocidades dos vários meios de transporte (carro, ônibus, moto, bicicleta, pedestre) que circulam na Marginal. A auto-estrada (Autobahn), tecnologia alemã que se popularizou nos EUA através do Interstate Highway System e que no Brasil simplesmente não existe (as BRs não são totalmente segregadas para carros), é a infraestrutura rodoviária mais segura, pois não há discrepância de velocidades: todos circulam em alta velocidade. É importante notar que, apesar das Marginais Tietê e Pinheiros terem sido projetadas originalmente como auto-estradas, elas não se configuram como tal na prática! Infelizmente, São Paulo não tem uma verdadeira rede de auto-estradas urbanas como nos grandes centros da Europa e EUA, o que é ruim para todos: as ruas e avenidas urbanas se enchem de carros, aumentando a insegurança geral e frustrando o motorista que não consegue circular na velocidade desejada. Assim, enquanto essa rede não existir, a segurança sempre terá que vir em primeiro lugar: no Brasil, ainda morrem cerca de 45,000 pessoas por ano no trânsito, colocando nosso país no 5º lugar mundial em mortes por acidente de trânsito, e a redução da velocidade geraria um impacto substancial na redução do número de mortos nas vias.

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Fonte: U.K. Department of Transport, apud Metodologia para Tratamento de Acidentes de Tráfego em Rodovias, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/UFSC
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Fonte: European Transport Safety Council – Reducing Traffic Injuries Resulting from Excess and Inapropriate Speed

Assim, podemos dizer que marginais e as auto-estradas urbanas nas nossas cidades são infraestruturas essenciais. Uma boa rede de auto-estradas urbanas é tão importante quanto uma boa rede de transporte público, pois elas ajudam a tirar carros dos bairros e dos centros históricos. Os defensores do transporte público e da bicicleta, onde me incluo, às vezes esquecem ou não sabem da importância de uma boa rede de auto-estradas urbanas. Entretanto, pela forma que São Paulo se desenvolveu, as marginais nunca serão auto-estradas, mas sim cada vez mais absorvidas pela cidade, se afastando dessa característica. Logo, a segurança deve estar à frente da fluidez de tráfego que, como vimos, não deve sofrer grande alteração devido à diminuição dos limites de velocidade.

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