Os desafios do planejamento urbano
“Além de Rio e Sampa’’, de Jorge Guilherme Francisconi e sôniahelana, é leitura imprescindível para todos os envolvidos no complexo processo de planejar cidades no país.
Reduzir o limite nem sempre reduz velocidade, e aumentá-lo nem sempre aumenta acidentes. Este não é um debate simples como muitos acreditam.
31 de julho de 2015Semana passada, em São Paulo, as Marginais Tietê e Pinheiros tiveram seus limites de velocidades reduzidos por motivos de segurança viária, passando de 70 km/h para 50 km/h nas pistas locais, de 70 km/h para 60 km/h na pista central e de 90 km/h para 70 km/h na pista expressa. A justificativa do poder público foi a redução de fatalidades nestas vias, que possuem os índices mais altos da cidade. Sobre esta decisão, vale antes fazer um breve comentário sobre como o trânsito funciona e sobre segurança viária em geral.
O limite de velocidade não é o único fator que determina qual será a velocidade adotada pelo motorista: reduzir o limite de velocidade de 50km/h para 40km/h em uma avenida cheia de semáforos, ciclistas, faixas de pedestres, vagas de estacionamento, paradas de ônibus e acesso direto a lotes lindeiros provavelmente não terá influência nenhuma sobre a velocidade média, pois é impossível alcançar 40 km/h na hora de pico, muito menos 50 km/h. Como mostram os gráficos abaixo, que representam o comportamento do tráfego, quando se atinge a capacidade máxima (em torno de 400 a 2000 veículos por hora, dependendo da via) mais velocidade não vai resolver o problema, mas sim a diminuição da entrada de novos veículos na via ao longo do tempo.
No caso das Marginais paulistanas, dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), empresa de economia mista que gere e monitora o transporte em São Paulo, mostram uma velocidade média de 12 km/h na hora de pico de antes da redução dos limites. Isso só mostra que a avaliação simplista feita pelos críticos à redução não se verifica na Engenharia de Tráfego, pois é preciso ter em conta a capacidade viária das marginais que, diga-se de passagem, frequentemente estão engarrafadas (capacidade máxima).
É possível, ainda, que uma diminuição no limite de velocidade de uma via aumente a sua velocidade média, dado que a redução de acidentes diminuirá o número de interrupções do fluxo, que em São Paulo são muito frequentes.
Mesmo assim, o que torna uma via perigosa não são as velocidades altas mas sim a discrepância entre as velocidades dos vários meios de transporte (carro, ônibus, moto, bicicleta, pedestre) que circulam na Marginal. A auto-estrada (Autobahn), tecnologia alemã que se popularizou nos EUA através do Interstate Highway System e que no Brasil simplesmente não existe (as BRs não são totalmente segregadas para carros), é a infraestrutura rodoviária mais segura, pois não há discrepância de velocidades: todos circulam em alta velocidade. É importante notar que, apesar das Marginais Tietê e Pinheiros terem sido projetadas originalmente como auto-estradas, elas não se configuram como tal na prática! Infelizmente, São Paulo não tem uma verdadeira rede de auto-estradas urbanas como nos grandes centros da Europa e EUA, o que é ruim para todos: as ruas e avenidas urbanas se enchem de carros, aumentando a insegurança geral e frustrando o motorista que não consegue circular na velocidade desejada. Assim, enquanto essa rede não existir, a segurança sempre terá que vir em primeiro lugar: no Brasil, ainda morrem cerca de 45,000 pessoas por ano no trânsito, colocando nosso país no 5º lugar mundial em mortes por acidente de trânsito, e a redução da velocidade geraria um impacto substancial na redução do número de mortos nas vias.
Assim, podemos dizer que marginais e as auto-estradas urbanas nas nossas cidades são infraestruturas essenciais. Uma boa rede de auto-estradas urbanas é tão importante quanto uma boa rede de transporte público, pois elas ajudam a tirar carros dos bairros e dos centros históricos. Os defensores do transporte público e da bicicleta, onde me incluo, às vezes esquecem ou não sabem da importância de uma boa rede de auto-estradas urbanas. Entretanto, pela forma que São Paulo se desenvolveu, as marginais nunca serão auto-estradas, mas sim cada vez mais absorvidas pela cidade, se afastando dessa característica. Logo, a segurança deve estar à frente da fluidez de tráfego que, como vimos, não deve sofrer grande alteração devido à diminuição dos limites de velocidade.
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